Marcelo Barros
Exatamente por estarmos mais
isolados e mais fragilizados pelo medo da pandemia, precisamos mais de contatos
físicos, de abraços e de ouvir “eu te amo”. No entanto, é preciso unir o afeto
ao conjunto do nosso projeto de vida.
O Brasil é
dos poucos países nos quais o dia dos namorados não é 14 de fevereiro, o famoso
dia de São Valentim, padroeiro da amizade e do namoro. No Brasil, a cultura
católica herdou que Santo Antônio é o santo casamenteiro e por isso transformou
o 12 de junho, véspera da festa de Santo Antônio em dia dos namorados. Neste
ano, com o comércio parado por causa da quarentena, os meios de comunicação
parecem fazer menos propaganda de presentes para o dia dos namorados. De todo
modo, apesar de que a sociedade dominante tenta reduzir as pessoas a peças de
produção e de consumo, não consegue extinguir a chama do amor presente no
coração de todo ser humano. A sociedade vende o próprio termo amor, reduzido a
emoções rápidas e experiências passageiras. Poucos creem no amor como princípio
e luz de toda a vida. E quando o amor é confundido com o uso da outra pessoa, a
vida se torna medíocre e sem horizontes. Todos falam de amor, mas uns buscam
acima de tudo o dinheiro; outros lutam ansiosamente pelo poder, ou se fecham no
culto de si mesmos.
Com relação a isso, talvez um grande desafio seja o
fato de que as pessoas ainda veem o amor como algo instintivo e espontâneo, sobre
o qual ninguém tem controle. Eu amo ou não amo e se não amo não tenho culpa
disso. Foi o destino que não quis. Puro engano e alienação. Não amar nada tem a
ver com fatalidade ou com impossibilidade da pessoa que quer se enganar a si
mesma para se desculpar. Opta por não amar e diz que gostaria de ser capaz. É
como alguém que diz: gostaria de ser mais generoso, mas meu jeito é esse:
egoísta e fechado em mim mesmo. Que pena. Isso não precisa ser assim. Amar é
opção de vida e se aprende. Albert Camus dizia: “Não ser amado é uma falta de sorte, mas não amar chega a ser uma
tragédia imensa e é pura responsabilidade pessoal”.
Para confirmar isso, Eric Fromm, um dos maiores
psicólogos e educadores norte-americanos do século XX, escreveu “A arte de amar”. Ali ele mostra que amar
não é algo instintivo e natural. É arte que se aprende e se aprimora. Amar
verdadeiramente é passar a um novo modo de viver. Martin Buber, grande
espiritual judeu, dizia: “Os sentimentos
moram no ser humano, mas é a pessoa que mora no seu amor”. Quando se
descobre e se vive isso, aí sim o amor é casa e estrada de vida, enraizamento e
transcendência. É a única energia que conduz a vida à sua plenitude.
Há pessoas que
se apaixonam de um modo egocêntrico e possessivo que as fecham a todos os
demais. O amor romântico parece fadado a ser exclusivo e exclusivista. Mesmo
pessoas que no plano social e político se dizem socialistas, no plano afetivo
podem ser possessivas, egocêntricas e individualistas. Ao amar alguém, ignoram
e, de certo modo, rechaçam todos os demais. Podemos salvaguardar a intimidade
de relações privilegiadas sem nos fechar aos demais. Já no Chile revolucionário
do começo dos anos 70, cantava Violeta Parra mais ou menos assim: "Graças à Vida que tanto me deu. Deu-me
teus olhos que me iluminam, e me fazem descobrir a luz, nos olhos de todos.
Como te amo, acolho a tua voz e ouço teus passos. Isso me faz descobrir alegria
na voz de toda pessoa humana e sentir que os passos de todos me aproximam de
ti".
De fato, só se nos mantemos apaixonados/as pela vida,
pelas pessoas e pela beleza da natureza, seremos capazes de testemunhar uns aos outros a bênção original do amor
divino que fecunda o universo. Toda pessoa que ama vive uma experiência divina,
porque Deus é fonte de todo e qualquer amor humano. Mesmo no meio das
imperfeições e buscas afetivas, o Amor divino conduz a pessoa a formas de amar
mais profundas e generosas. Quem aceita acolher, na intimidade do seu ser mais
íntimo, o Espírito Divino, se torna testemunha de que o Amor vale a pena e é o
único caminho que nos faz feliz. E o amor é um só, mesmo se toma expressões
diversas, como amor de mãe, amor de irmãos, amor de amigos e amor de namorados.
Atualmente,
a espiritualidade mais profunda nos propõe que deixemos nossa afetividade
aflorar (geralmente, as pessoas a reprimem achando que isso é sinal de
maturidade humana). De fato, para que sejamos testemunhas fieis do Espírito que
é Amor e se manifesta em nós, é bom que aprendamos a nos apaixonar sempre, a
cada dia, e cada vez de novo.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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