Por Frei Aloísio Fragoso
Este mês celebramos a memória de alguns
dos santos mais populares, venerados na Igreja Católica: S. Antônio, S. João,
S. Pedro.
Gostaria de aproveitar a oportunidade e me prolongar neste assunto,
motivado por uma razão imediata e atual: a Igreja afirma categoricamente
"a maior dignidade do ser humano é a sua vocação para a santidade"
(Concílio Vaticano II). E esta afirmativa teórica, nestes tempos de pandemia,
converte-se em realidade: provas incontestáveis de santidade estão emergindo por
toda parte, refazendo nossa confiança no ser humano, a despeito dos idiotas,
dos hipócritas e dos tiranos.
Um dos maiores romancistas do século
passado, o inglês Aldous Huxley, embora não sendo um homem religioso, escreveu:
"um mundo sem santos seria um mundo inteiramente cego, completamente
louco".
Ele não é o primeiro nem o único a
reconhecer esta necessidade de existir modelos de santidade, para que o mundo
não descambe na cegueira e loucura moral. Os seres humanos perderiam a
confiança em si mesmos e no sentido da vida se não tivessem alguém em quem se
projetar, e poder confessar: se um de nós chegou até aí, então elas existem, a
perfeição existe, a bondade existe, a santidade existe.
A maior parte talvez já desistiu desta
idéia de ser santo, contudo uma coisa é inegável: não há quem, em alguns
momentos da vida, já não tenha experimentado a nostalgia da santidade; esta
vontade irreprimível de ser bom, verdadeiro, santo. É a nostalgia do Paraíso
Perdido.
É tão imperiosa esta carência que, onde
faltam santos e santas, o povo trata de criá-los. Daí esta profusão de gurus milagreiros,
mercadores da Religião, empresários do Sagrado, biscateiros da Esperança,
exploradores da boa fé dos simples.
Os santos e santas de verdade sabiam disso.
Uma de suas primeiras preocupações era livrar-se destas ciladas. Certa vez, um
dos companheiros de S. Francisco de Assis, frei Masseo, famoso pela sua bela
aparência, perguntou-lhe: "por que é que toda gente vai atrás de você,
irmão Francisco? Você não possui beleza física, nem notável cultura nem
eloquência!". O santo respondeu: "eu também não sei, irmão, talvez
Deus não encontrou alguém mais idiota do que eu para fazer brilhar a sua
misericórdia".
A primeira virtude de todos os santos e
santas era a humildade.
A nossa Igreja tem o costume de canonizar
alguns homens e mulheres, conceder-lhes as honras dos altares e a veneração
geral, por que? Para que? Certamente
para termos intercessores junto ao Pai do Céu e, sobretudo, para reconhecermos
neles o que deveríamos ser. As canonizações devem ser valorizadas e, ao mesmo
tempo, relativizadas. Conheci uma mãe de família paupérrima, na favela onde
trabalho e, não tenho dúvida de confessar, vejo nela muito mais provas de
santidade do que no fundador da "Opus Dei", canonizado recentemente.
No entanto, quem investiria 2 reais na esperança de vê-la canonizada? Ao
contrário dos herdeiros das obras deste último, com milhões de dólares nos seus
cofres, para encaminhar e apressar a sua canonização.
Além disso, se quiséssemos apresentar este
heróis e heroínas como "honra ao mérito" da humanidade e glória ao
seu Criador, decerto Deus veria o contrário: um fabuloso fracasso da sua
Criação, pois de bilhões e bilhões e bilhões de criaturas humanas, vindas ao
mundo desde sempre, apenas umas 20.000 (número dos canonizados) alcançaram o
fim para o qual foram criadas.
Assim como nos sentimos bem representados
pelos santos e santas, também devemos sentir-nos envergonhados, pois a
santidade é um chamado universal, vale para todos: "sede perfeitos como
vosso Pai Celeste é perfeito", declara Jesus.
A Bíblia resume todas as definições de
Deus em uma brevíssima expressão: "Deus é Amor". Por conseguinte,
nenhuma experiência de vida pode levar à santidade se não estiver centrada no amor fraterno ("ninguém pode
amar a Deus, a quem não vê, se não amar o irmão, a quem vê", escreve São
João.)
O que distingue os santos e santas é que eles cumpriram este mandamento em grau
heróico, deram a vida por amor a Deus, provado no amor aos semelhantes.
Esta definição amplia imensamente o campo
onde medram e proliferam as testemunhas de santidade. Santo Agostinho chega a
escrever: "na ordem dos princípios, o amor a Deus vem em primeiro lugar,
mas, na ordem da execução, o amor ao próximo tem a prioridade". Neste
caso, teríamos motivos de sobra para iniciar processos de canonização, muito
além do tempo e das fronteiras da Igreja Católica ou de qualquer Instituição
religiosa (nesta fila entrariam, à guisa
de ilustração, um filósofo grego, como Sócrates, três imperadores romanos, como
Nerva, Antonino Pio e Marco Aurélio, um músico protestante como Bach, sem falar
na multidão de Josés, Marias, Severinos, Teresinhas, que viveram o tempo todo a
sacrificar-se por amor dos seus.
Voltaremos a este assunto, pois ele
assinala, a longo prazo, o caminho de
cumprirmos nosso destino e, a curto prazo, a possibilidade de enxergarmos a
presença de Deus, nesta tragédia do Coronavirus. Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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