Por Frei Betto
No século XIX, a ciência pretendeu destronar a religião. Forjou a sua própria
religião, a ponto de proclamar “Scientia locuta, causa finita” (A ciência
falou, papo encerrado). Como se ela pudesse oferecer métodos capazes de abarcar
a totalidade do real e não, como acontece, modelos explicativos variados e
suscetíveis de críticas e revisões.
Criou-se, assim, a ideologia cientificista ou o fetiche da ciência. A ponto de
o marxismo vulgar pretender explicar todos os fenômenos naturais e sociais com
seus dogmas atrelados aos materialismos dialético e histórico.
Não era essa a postura de Marx, que bem conhecia os limites de seu método.
Porém, o mecanicismo soviético tratou de congelar todos os saberes no conceito
de ideologia, à semelhança do que faz, hoje, a direita ao não ter a menor
vergonha de afirmar que a Terra é plana e desprezar, como “ideologias”, o
globalismo, o ambientalismo e a diversidade de gêneros.
O francês Ernest Renan acreditava que só a ciência levaria a humanidade ao seu
apogeu. Chegou a afirmar que “o islamismo perecerá por influência da ciência
europeia”. A xenofobia transparece no adjetivo. Como se a ciência não tivesse
uma dívida de gratidão com os chineses e também árabes como Averróis,
Avicena, Abu Rayhan, al-Biruni, Ibn al-Haytham e al-Khwarismi, entre
outros. E, hoje, o islamismo se encontra mais forte do que nunca.
A ciência, agora subjugada pela genocida ambição do capital, não conseguiu
ainda solucionar problemas crônicos da humanidade, como a fome, a obesidade
mórbida, o desequilíbrio ambiental, a guerra e a brutal desigualdade social.
O progresso científico beneficiou, sim, a humanidade. Basta imaginar o mundo
sem vacinas, tecnologias de comunicação, transportes terrestres, marítimos e
aéreos etc. Contudo, produziu armas nucleares, químicas e biológicas, degradou
o meio ambiente e envenenou os alimentos, algoritmizou a liberdade humana, e
criou recursos para solapar a democracia, como o uso irresponsável das redes
digitais.
Do alto de sua arrogância, a ciência, com seus métodos dedutivos
(lógico-matemáticos) e experimentais, pretendeu descartar, como meras
superstições, as religiões, e como inúteis quimeras, as utopias libertárias,
como o socialismo e, agora, o Bem Viver.
Ora, as religiões vieram ocupar o vazio deixado pela racionalidade política
abalada pela queda do Muro de Berlim e pela descrença nesse modelo de
democracia que subjuga a esfera política ao poder econômico. E as utopias
libertárias renascem na medida em que as novas gerações e a multidão de
excluídos se dão conta de que o sistema capitalista não tem como equacionar a
questão ambiental, a disparidade social, e propiciar ao ser humano a felicidade
desatrelada do consumismo ou piedosamente adiada para a vida além da morte.
O respeito à diversidade de saberes, como o mítico, o religioso e o científico,
e suas relações sem detrimento de suas respectivas autonomias é um dos pilares
da verdadeira democracia.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista
– uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outras obras.
®Copyright 2020 – FREI BETTO – AOS NÃO ASSINANTES DOS ARTIGOS DO
ESCRITOR - Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se
desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer meio de
comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma
assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os
textos escritos por ele - em português e espanhol - mediante assinatura anual
via mhgpal@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário