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quinta-feira, 11 de junho de 2020

O CORPO DE DEUS É CORPO DE HOMEM

 

Por Padre Fabio Potiguar Santos

 

A Festa do Corpo de Deus ou Corpus Christi nos leva a muitas reflexões e sentimentos.

O corpo de Deus é corpo de Homem. Sim, Deus é um homem. Foi ele, falando ao seu Pai, quem disse a seu respeito. “Tu, porém, formaste-me um corpo. Por isso eu digo: Eis-me aqui” (Hb 10,5-7).

Celebrar o corpo de Deus é celebrar o corpo Humano. Para mim esta mensagem é o que há de mais inédito no anúncio daqueles que viveram com Jesus. É certo, ele é Deus. Mas um Deus de carne e osso. Olhamos para Deus com o mesmo espanto de Adão na narrativa alegórica do livro do Gênesis quando viu Eva pela primeira vez. “Agora sim, é carne da minha carne e ossos de meus ossos” (Gn 2,23). Entendo e sinto melhor o evangelista João. “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus... e o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 1.14). Jesus é carne de nossa carne.

Celebrar Corpus Christi é professar nossa fé em Jesus, Deus com o Pai e o Espírito Santo e Humano com conosco. Celebrar Corpus Christi é fazer memória da Páscoa do Senhor, mistério de sua Morte e Ressurreição, em torno da Mesa da Palavra e da Eucaristia (banquete e sacrifício), dando ao Pai, por Cristo, com Cristo e em Cristo, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda glória.

Este Deus corpo depois vai dizer “Tomai e comei, isto é o meu corpo”.  Ele é o pão descido do céu e se torna comida. O Verbo feito carne diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida” (Jo 6,54) e ainda, “o pão que eu darei é minha carne para vida do mundo! ” (Jo 6, 51). Neste ponto, chegamos à Festa de Corpus Christi de hoje. Aquele que se fez carne no Natal e que morreu e ressuscitou na Páscoa deixa o seu Memorial como refeição e ceia dele mesmo. “Tomai e comei, isto é o meu corpo... Tomai e bebei, isto é o meu sangue... Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Sacrifício Pascal de Cristo. O que foi ontem no tempo, na liturgia é hoje, é agora. 

Se no primeiro instante ele se unia a nós ao fazer-se carne e tomado um corpo, agora é nós que nos unimos a ele ao comer sua carne e beber o seu sangue. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). Chamamos isso de comunhão. Celebrar Corpus Christi é fazer comunhão com Deus, por Cristo, no Espírito Santo que se estende a uma comunhão com a Igreja, a Humanidade e a Natureza.

Festejar solenemente a Festa do Corpo de Deus nos recorda, isto é, coloca de novo no coração, e nos faz renovar a consciência de que o Corpo de Cristo é a Igreja. Assim, quando comungamos o Corpo de Cristo, comungamos Cristo Cabeça e comungamos Cristo Corpo, que é a Igreja. Em toda Oração Eucarística pedimos ao Pai, que por meio de Seu Filho, derrame o Espírito Santo em dois momentos. No primeiro, para transformar o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo e, no segundo, sobre a Igreja para que comungando o Corpo e o Sangue de Cristo, se torne Corpo de Cristo. “Concedei que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho, sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística III).  Na verdade, comungamos o Corpo de Cristo para nos tornamos cada vez mais Igreja, que é o Corpo de Cristo (cf. Cl 1,18). Comungamos o Corpo de Cristo para nós tornamos Corpo de Cristo. Deste modo a comunhão só é autêntica quando vivemos em comunhão uns com os outros (cf 1 Cor 12,12). 

Ainda tem outro ensinamento muito bonito a partir desta festa. O Verbo feito carne também faz uma revelação. “A carne é fraca”. Ele que assumiu o corpo, ele que se fez carne reconhece e assume a fragilidade e contingência da condição humana. Estas palavras não são ensinamentos. Naquela noite de angústia e de agonia no Monte das Oliveiras quando Jesus disse a Pedro, Tiago e João, “orai e vigia porque o espírito e forte, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41), ele não falava com um professor aos seus alunos, um mestre aos seus discípulos, um deus aos homens. Ele falava de igual para igual. Ele falava de um homem para outros homens. Na verdade, era uma confissão, uma confidência. O Verbo feito carne confidencia angustiadamente que a carne é fraca. Celebrar Corpus Christi é também um momento oportuno de com Jesus reconhecer e assumir nossa fragilidade.

Por fim, encontramos à luz desta festa do Corpo de Deus, a importância da dignidade do Corpo do Homem e da Mulher em meio aos grandes apelos que enfrentamos de todos os lados dos falsos deuses do hedonismo e consumismo e das tantas violações dos direitos humanos que ferindo o corpo, fere o todo da dignidade da pessoa humana. O nosso corpo de agonia e de prazer não pode escravizar-se na busca do prazer pelo prazer como única força motivadora da ação humana ou encarar o possuir/ter como o prazer mais importante da vida, O materialismo.

Tão pouco o corpo do homem e da mulher, seja criança, jovem, adulto e idoso podem ser objeto de exploração, violência, abuso e tortura física e psíquica. ”Lembrai-vos dos prisioneiros, como se vós fôsseis prisioneiros com eles, e dos maltratados, pois também vós tendes um corpo! ” (Hb 13,3). Existe um vínculo intrínseco do corpo de Cristo, do corpo da Igreja, do corpo de cada mulher e de do cada homem, do corpo da “criação que geme como em dores de parto esperando também ela a glória e a liberdade dos filhos de Deus” (Cf. Rm 8,20-22)

Celebrar Corpus Christi nos favorece viver uma vida mais simples, à luz das bem-aventuranças da pobreza evangélica e, nos impulsiona a reconhecer a dignidade humana inerente a cada pessoa criada por Deus, através da garantia dos Direitos Humanos civis e político, assim como os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Para encerrar, nunca podemos esquecer que a presença augusta de Cristo no Santíssimo Sacramento, também é presença e se faz corpo no corpo de quem tem fome e sede, está doente, nu ou na prisão (Cf Mt 25, 31-46). Na Ceia ele diz dele, “isto é meu corpo”. No Juízo Final ele diz, “eu tive... foi a mim que fizeste”. Não temos para onde correr! A Mesa que institui a Eucaristia é a mesma que institui o Mandamento Novo. O primeiro, tomando o pão e vinho. A segunda, tomando jarra, bacia e toalhas nas mãos. Os verbos nas duas ocasiões estão no imperativo. “Fazei isto em memória de mim” e “Façais vós também” (cf. Jo 13, 15b; Lc 22,19b).

Que essa lembrança nos ajude no compromisso cristão com a promoção da justiça, da fraternidade, da paz e da ecologia. Aquele que disse, “tomai e comei... tomai e bebei... fazei isto em memória...” coloca no coração e na consciência dos que comem a verdadeira comida e bebem a verdadeira bebida (cf Jo6,55), uma fome e sede de justiça que tem nome de bem-aventurança (cf Mt 5,6).

Deus, na ação do Espirito, em Jesus, sacia nossa fome e sede “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e quem crê em mim, nunca mais terá sede” (Jo 6,35). Acontece, porém, àqueles que comem e bebem o Cristo, que ao mesmo tempo que ficam saciados, ficam também famintos e sedentos de justiça, como lembrado acima nas palavras de Jesus no Sermão da Montanha. De fato, o Pai, faz uma Nova Aliança selada no Sangue de Cristo e no selo do Espírito. Nova Aliança que nos faz Novas Criaturas, cantores do Cântico Novo na liturgia e na vida orante, proclamadores da Boa Nova, cumpridores do Mandamento Novo, mas, também, construtores de Novas Estruturas de justiça, fraternidade e paz, enquanto caminhamos para o Novo Céu, a Nova Terra, a Nova Jerusalém. 

 

Fabio dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.

 

 


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