Por
Padre Fabio Potiguar Santos
A Festa do Corpo de Deus
ou Corpus Christi nos leva a muitas reflexões e sentimentos.
O corpo de Deus é corpo
de Homem. Sim, Deus é um homem. Foi ele, falando ao seu Pai, quem disse a seu
respeito. “Tu, porém, formaste-me um corpo. Por isso eu digo: Eis-me aqui” (Hb 10,5-7).
Celebrar o corpo de Deus
é celebrar o corpo Humano. Para mim esta mensagem é o que há de mais inédito no
anúncio daqueles que viveram com Jesus. É certo, ele é Deus. Mas um Deus de
carne e osso. Olhamos para Deus com o mesmo espanto de Adão na narrativa alegórica
do livro do Gênesis quando viu Eva pela primeira vez. “Agora sim, é carne da
minha carne e ossos de meus ossos” (Gn 2,23). Entendo e sinto melhor o
evangelista João. “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus... e o Verbo se
fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 1.14). Jesus é carne de nossa carne.
Celebrar Corpus Christi é
professar nossa fé em Jesus, Deus com o Pai e o Espírito Santo e Humano com conosco.
Celebrar Corpus Christi é fazer memória da Páscoa do Senhor, mistério de sua
Morte e Ressurreição, em torno da Mesa da Palavra e da Eucaristia (banquete e
sacrifício), dando ao Pai, por Cristo, com Cristo e em Cristo, na unidade do
Espírito Santo, toda honra e toda glória.
Este Deus corpo depois
vai dizer “Tomai e comei, isto é o meu corpo”.
Ele é o pão descido do céu e se torna comida. O Verbo feito carne diz:
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida” (Jo 6,54) e ainda, “o
pão que eu darei é minha carne para vida do mundo! ” (Jo 6, 51). Neste ponto,
chegamos à Festa de Corpus Christi de hoje. Aquele que se fez carne no Natal e
que morreu e ressuscitou na Páscoa deixa o seu Memorial como refeição e ceia
dele mesmo. “Tomai e comei, isto é o meu corpo... Tomai e bebei, isto é o meu
sangue... Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Sacrifício Pascal de
Cristo. O que foi ontem no tempo, na liturgia é hoje, é agora.
Se no primeiro instante
ele se unia a nós ao fazer-se carne e tomado um corpo, agora é nós que nos
unimos a ele ao comer sua carne e beber o seu sangue. “Quem come a minha carne
e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). Chamamos isso de
comunhão. Celebrar Corpus Christi é fazer comunhão com Deus, por Cristo, no
Espírito Santo que se estende a uma comunhão com a Igreja, a Humanidade e a
Natureza.
Festejar solenemente a
Festa do Corpo de Deus nos recorda, isto é, coloca de novo no coração, e nos
faz renovar a consciência de que o Corpo de Cristo é a Igreja. Assim, quando
comungamos o Corpo de Cristo, comungamos Cristo Cabeça e comungamos Cristo
Corpo, que é a Igreja. Em toda Oração Eucarística pedimos ao Pai, que por meio
de Seu Filho, derrame o Espírito Santo em dois momentos. No primeiro, para
transformar o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo e, no segundo, sobre
a Igreja para que comungando o Corpo e o Sangue de Cristo, se torne Corpo de
Cristo. “Concedei que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho,
sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só
espírito” (Oração Eucarística III). Na
verdade, comungamos o Corpo de Cristo para nos tornamos cada vez mais Igreja,
que é o Corpo de Cristo (cf. Cl 1,18). Comungamos o Corpo de Cristo para nós
tornamos Corpo de Cristo. Deste modo a comunhão só é autêntica quando vivemos em
comunhão uns com os outros (cf 1 Cor 12,12).
Ainda tem outro
ensinamento muito bonito a partir desta festa. O Verbo feito carne também faz
uma revelação. “A carne é fraca”. Ele que assumiu o corpo, ele que se fez carne
reconhece e assume a fragilidade e contingência da condição humana. Estas
palavras não são ensinamentos. Naquela noite de angústia e de agonia no Monte
das Oliveiras quando Jesus disse a Pedro, Tiago e João, “orai e vigia porque o
espírito e forte, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41), ele não falava com um
professor aos seus alunos, um mestre aos seus discípulos, um deus aos homens.
Ele falava de igual para igual. Ele falava de um homem para outros homens. Na
verdade, era uma confissão, uma confidência. O Verbo feito carne confidencia
angustiadamente que a carne é fraca. Celebrar Corpus Christi é também um
momento oportuno de com Jesus reconhecer e assumir nossa fragilidade.
Por fim, encontramos à
luz desta festa do Corpo de Deus, a importância da dignidade do Corpo do Homem
e da Mulher em meio aos grandes apelos que enfrentamos de todos os lados dos
falsos deuses do hedonismo e consumismo e das tantas violações dos direitos
humanos que ferindo o corpo, fere o todo da dignidade da pessoa humana. O nosso
corpo de agonia e de prazer não pode escravizar-se na busca do prazer pelo
prazer como única força motivadora da ação humana ou encarar o possuir/ter como
o prazer mais importante da vida, O materialismo.
Tão pouco o corpo do
homem e da mulher, seja criança, jovem, adulto e idoso podem ser objeto de
exploração, violência, abuso e tortura física e psíquica. ”Lembrai-vos dos
prisioneiros, como se vós fôsseis prisioneiros com eles, e dos maltratados,
pois também vós tendes um corpo! ” (Hb 13,3). Existe um vínculo intrínseco do
corpo de Cristo, do corpo da Igreja, do corpo de cada mulher e de do cada homem,
do corpo da “criação que geme como em dores de parto esperando também ela a
glória e a liberdade dos filhos de Deus” (Cf. Rm 8,20-22)
Celebrar Corpus Christi
nos favorece viver uma vida mais simples, à luz das bem-aventuranças da pobreza
evangélica e, nos impulsiona a reconhecer a dignidade humana inerente a cada
pessoa criada por Deus, através da garantia dos Direitos Humanos civis e
político, assim como os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Para encerrar, nunca
podemos esquecer que a presença augusta de Cristo no Santíssimo Sacramento,
também é presença e se faz corpo no corpo de quem tem fome e sede, está doente,
nu ou na prisão (Cf Mt 25, 31-46). Na Ceia ele diz dele, “isto é meu corpo”. No
Juízo Final ele diz, “eu tive... foi a mim que fizeste”. Não temos para onde
correr! A Mesa que institui a Eucaristia é a mesma que institui o Mandamento
Novo. O primeiro, tomando o pão e vinho. A segunda, tomando jarra, bacia e
toalhas nas mãos. Os verbos nas duas ocasiões estão no imperativo. “Fazei isto
em memória de mim” e “Façais vós também” (cf. Jo 13, 15b; Lc 22,19b).
Que essa lembrança nos
ajude no compromisso cristão com a promoção da justiça, da fraternidade, da paz
e da ecologia. Aquele que disse, “tomai e comei... tomai e bebei... fazei isto
em memória...” coloca no coração e na consciência dos que comem a verdadeira
comida e bebem a verdadeira bebida (cf Jo6,55), uma fome e sede de justiça que
tem nome de bem-aventurança (cf Mt 5,6).
Deus, na ação do
Espirito, em Jesus, sacia nossa fome e sede “Eu sou o pão da vida. Quem vem a
mim, nunca mais terá fome, e quem crê em mim, nunca mais terá sede” (Jo 6,35). Acontece,
porém, àqueles que comem e bebem o Cristo, que ao mesmo tempo que ficam
saciados, ficam também famintos e sedentos de justiça, como lembrado acima nas
palavras de Jesus no Sermão da Montanha. De fato, o Pai, faz uma Nova Aliança
selada no Sangue de Cristo e no selo do Espírito. Nova Aliança que nos faz
Novas Criaturas, cantores do Cântico Novo na liturgia e na vida orante,
proclamadores da Boa Nova, cumpridores do Mandamento Novo, mas, também,
construtores de Novas Estruturas de justiça, fraternidade e paz, enquanto
caminhamos para o Novo Céu, a Nova Terra, a Nova Jerusalém.
Fabio dos Santos é presbítero, membro
da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o
Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja
Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.
A voz de um profeta da esperança por novos tempos.
ResponderExcluir