Frei Aloísio Fragoso
Partiu para a eternidade D. Pedro
Casaldáliga. Viveu mais tempo do que é comum aos grandes profetas, 92 anos. Se
me perguntarem quem foi ele, não duvidarei em responder: um dos maiores bispos
da Igreja Católica em todos os tempos. Pastor e poeta, armado de um fé
indomável e de uma bravura à toda prova.
Santo Agostinho, bispo de Hipona, no
século V, escreveu uma vez aos seus
fiéis: "para vocês sou o bispo, com vocês, sou um cristão".
D. Casaldáliga foi para nós e conosco
pastor, cristão, cidadão, irmão, profeta e mártir. Enfrentou todas as tensões
dos anos de chumbo da ditadura. Houve um momento em que sentiu que a Cúria
Romana poderia ceder às pressões dos ditadores, querendo afastá-lo do Brasil;
ele antecipou-se, e declarou que não abandonaria seu rebanho. Se não pudesse
ficar como bispo, ficaria como padre, se não lhe fosse permitido ficar como
padre, ficaria como leigo. E ficou.
No entanto, o melhor de sua Fé e de suas
forças ele reservou para a defesa dos pobres e humilhados. Hoje acredito no que
estou imaginando: D. Pedro encontrando-se com seu xará na portaria do céu, e
ouvindo dele estas palavras: "bem-aventurados os que tem fome e sede de
Justiça, porque deles é o Reino de Deus".
Certa vez, passando pelo Recife, aceitou
humildemente um convite do "Movimento de Mulheres Contra o
Desemprego" fazer uma palestra, no
pátio do Convento de Santo Antônio. Aí cantamos e dançamos esta ciranda, que
reproduzimos em sua homenagem.
CIRANDA DO PROFETA
Dom Casaldáliga,
Nosso amigo e companheiro,
Espanhol por nascimento,
Por direito, brasileiro.
Humilde e magro,
Pequenino pelo porte,
A verdadeira grandeza
"Conquistou com
braço forte."
Bispo do povo,
Recusou todo adereço,
E vestiu a veste humilde
Que tem da pobreza o
preço.
Pastor dos pobres,
Dos mais pobres fez-se
amante,
E lhe deu a sua voz
E "seu brado
retumbante".
Dos humilhados
Defensor, bravo
guerreiro,
Nas campinas do Araguaia,
Do Brasil, do mundo
inteiro.
O tempo passa,
Passa a vida, passa a
idade,
Só não passa a luz que
brilha
Com "o sol da
liberdade".
Dom Casaldáliga,
Temido e ameaçado,
Difamado, perseguido,
Jamais atemorizado.
Não foge à luta,
Não recua, não se cansa,
Vê no sangue derramado
"O pendão da
esperança".
Grande poeta,
Da beleza ele desfruta,
Fez da luta poesia,
Fez da poesia, luta.
Grande profeta,
Não quer honras nem
grandeza,
Mas na luta é um
"gigante
Pela própria
natureza".
Foi convidado
Em nome da falsa paz,
A sair da luta aberta,
Deixar tudo para trás.
Mas respondeu:
A justiça é minha lei,
Seja bispo ou seja padre,
Ou seja leigo, ficarei.
E foi ficando,
Foi fazendo a nossa
história,
Devolvendo aos humilhados
Seus direitos, sua
glória.
Pastor querido
Te tornaste amigo nosso,
Sem perder tua ternura,
És "impávido
colosso".
És brasileiro,
És latino-americano,
És zumbi, és guarani,
Nosso guia, nosso mano.
Tua bravura,
Utopias, lutas mil,
Serão "sol de um
novo mundo
No horizonte do
Brasil".
(Frei Aloísio Fragoso)
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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