Frei Betto
Se a Igreja
Católica não passar por reformas profundas, como erradicar o clericalismo e
tornar efetiva a opção pelos pobres, perderá cada vez mais fiéis. Incluo-me
entre os que sonham com uma Igreja que não tenha sacerdotes entre os indígenas,
os quilombolas, os moradores de favelas e as mulheres, e sim indígenas
sacerdotes, quilombolas sacerdotes, moradores de favelas sacerdotes e mulheres
sacerdotes.
Maria X. veio da zona rural de Minas à procura de trabalho em São Paulo.
Acolhida por família conterrânea na favela do Jaguaré, Maria perambulou uma
semana pelo centro da cidade, na esperança de se empregar no comércio. Devido à
pouca escolaridade, sem sequer ter concluído o ensino fundamental, se viu
reprovada nos testes de português e aritmética. O recurso foi trabalhar como
faxineira em casas particulares.
Maria não conhecia ninguém na cidade grande, que lhe parecia hostil, exceto a
família conterrânea que, um mês depois, começou a dar sinais de que ela era
demais no barraco que abrigava o casal e seus três filhos.
Católica, Maria procurou a igreja do bairro, distante da favela, para cumprir o
preceito dominical. Estranhou o ambiente. No templo, havia mais madames do que
Marias. Todos assistiam, silentes, ao desempenho do padre no altar, e ela não
entendeu quase nada do que ele pregou no sermão. Maria se perguntou se o Deus
no qual acreditava havia ficado na capela de Nossa Senhora do Rosário que ela
frequentava em Minas.
Uma tarde, na volta do trabalho, tomou assento no ônibus ao lado de uma
vizinha. A moça se interessou pela história de Maria e, ouvida a desilusão com
a metrópole, convidou-a a frequentar a Igreja Evangélica. Maria ficou curiosa
e, embora recordasse do que a avó lhe dizia, que os protestantes eram inimigos
do papa, aceitou o convite.
No domingo, Maria foi recebida no culto como se todos ali a esperassem há
tempos. Ao contrário da missa, havia um coral que entoava animados hinos,
acompanhado por um conjunto musical. O pastor também morava na favela do
Jaguaré e pregou o que Maria entendeu. E entendeu melhor porque, projetado o
vídeo no telão, Maria teve ideia de onde ficam a Judeia, a Samaria e a
Galileia, lugares por onde Jesus andou.
Ao final do culto, um café, com variedade de bolos e biscoitos, foi servido aos
fieis, e muitos se aproximaram de Maria como se a conhecessem há tempos, a
ponto de tratá-la por “irmã”.
Maria se sentiu acolhida. Não se importou de o templo não ter imagens de santos
e notou que todos falavam em orar, jamais rezar. Maria sentiu que, ali, Deus
estava mais próximo dela. Pela primeira vez, deixara de ser uma anônima na
cidade grande.
Maria passou a frequentar a escola dominical após o culto. Ali, pela primeira
vez, aprendeu o que é a Bíblia, e por que contém a palavra de Deus. A
comunidade não ofereceu a ela apenas iniciação catequética própria a adultos.
Interessou-se também por suas condições de vida e seu trabalho, e inclusive lhe
ofertou um novo domicílio, uma cesta básica mensal, roupas em bom estado e os
remédios que precisasse.
A Igreja evangélica conquistou Maria por imprimir-lhe identidade social e
acolhê-la em uma comunidade solidária na megalópole sem rosto. E ensinou a
dispensar a intermediação de padres e santos para entrar em contato direto com
Deus através da oração de súplica e louvor.
Maria acredita que o pastor deseja sinceramente o bem dela e da congregação de
fiéis. Por isso, não duvida de que ele busca também o melhor para a população
da cidade, do estado e do país. Razão pela qual ela não reluta em dar seu voto
aos candidatos que ele indica.
Lembrei-me da história de Maria ao receber a notícia de que o papa Francisco
vetou a possibilidade de indígenas casados atuarem como sacerdotes na Amazônia.
A Igreja Católica está fadada a perder terreno enquanto não fizer inserção
inculturada.
Dados do IBGE, de dezembro de 2019, e do demógrafo José Eustáquio Alves,
indicam que, hoje, os católicos são 50% da população brasileira. Em 2022 serão
menos e, em 2032, 38,6%, enquanto os evangélicos agregarão 39,8% da população,
alcançando a maioria absoluta em 2050.
Se a Igreja Católica não passar por reformas profundas, como erradicar o
clericalismo e tornar efetiva a opção pelos pobres, perderá cada vez mais
fiéis. E não me incluo entre os que torcem pela competição entre católicos e
evangélicos. Incluo-me entre os que sonham com uma Igreja que não tenha
sacerdotes entre os indígenas, os quilombolas, os moradores de favelas e as
mulheres, e sim indígenas sacerdotes, quilombolas sacerdotes, moradores de
favelas sacerdotes e mulheres sacerdotes.
Fora dessa enculturação, a Igreja Católica não terá salvação.
Frei Betto é
escritor, autor de “Parábolas de Jesus” (Vozes), entre outros livros.
Adquira os livros do autor a preço mais barato pelo site (www.freibetto.org) e
receba-os em casa.
®Copyright 2020 – FREI BETTO – AOS NÃO ASSINANTES
DOS ARTIGOS DO ESCRITOR - Favor não divulgar este artigo sem autorização
do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer
meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para
fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os
textos escritos por ele - em português e espanhol - mediante assinatura anual
via mhgpal@gmail.com
®
Nenhum comentário:
Postar um comentário