Por
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Não sou eu quem digo e sim Eça de Queiroz, o grande escritor português que se destacou por, além de seu gênio incontestável, apresentar em seus escritos um impiedoso anticlericalismo. Em seu livro A Relíquia, Eça fala pela boca de um historiador em Jerusalém:
Depois de
amanhã, quando acabar o Sabá, as mulheres de Galileia voltarão ao sepulcro de
José de Ramata, onde deixaram Jesus sepultado... E encontram-no aberto,
encontram-no vazio!... "Desapareceu, não está aqui!..." Então Maria
de Magdala, crente e apaixonada, irá gritar por Jerusalém – “ressuscitou,
ressuscitou!” E assim o amor de uma mulher muda a face do mundo, e dá uma
religião mais à humanidade!
Parece incrível que
o tresloucado amor de Maria de Magdala - mais conhecida como Maria Madalena
- pelo Nazareno crucificado tenha conseguido esse feito: mudar o mundo e
inaugurar uma nova religião. E, no entanto, se lemos bem o Evangelho,
sobretudo o de João, poderemos ver que assim é a narrativa.
A desolação reinava
entre os discípulos. O Mestre fora morto, executado, deixara um vazio
impossível de preencher e a esperança jazia morta no chão. Maria de Magdala
chega, então, com a boa nova, o evangelho, a boa notícia: aquele que vocês
viram morto está vivo. Ressuscitou!
Não acreditaram
nela mas foram ao sepulcro. E o encontraram vazio, em uma ausência
grávida da presença pascal daquele que teriam agora que reconhecer de outro
modo. A desolação foi dissipada pela esperança renascida e pelas manifestações
do Ressuscitado, que confirmariam o anúncio da mulher crente e
apaixonada.
Antes da
experiência que mudaria a vida dela e de todos, Maria, a de Magdala, também
experimentava profunda tristeza. Foi ao túmulo de manhã cedo, apressada e
com o coração batendo disparado. Queria homenagear aquele que amava tanto,
prestar-lhe cuidados e ungir com perfume seu corpo morto.
Porém, no jardim
onde estava o túmulo no qual o haviam enterrado não havia nada, a não ser
silêncio e ausência. O túmulo vazio doía mais do que a visão do cadáver
que esperava encontrar. E Maria chorou desconsolada. Ao jardineiro
que lhe perguntou a razão do pranto, explicou que haviam tirado o seu Senhor e
não sabia onde o haviam posto. E pediu: Senhor, se foste tu que o
levaste, diz-me onde está que irei buscá-lo.
Ah, a força do amor
de uma mulher. Não há impossíveis para ele. Ao longo da vida vimos
mães que curam filhos desenganados por médicos; esposas que trazem de volta à
vida seus companheiros mergulhados na depressão ou em paralisias várias,
mulheres capazes de atravessar estepes nevadas ou desertos escaldantes em busca
do encontro com aquele que seu coração deseja.
Não havia
obstáculos para Maria naquele momento. Ela iria até o fim do mundo para
encontrar seu amado. Bateria em todas as portas, enfrentaria qualquer autoridade,
civil ou religiosa, nenhuma intempérie seria dura demais para seu coração
apaixonado.
No entanto, não foi
preciso, pois o amado em pessoa veio ao seu encontro e disse seu nome: Maria. E
ela respondeu: Mestre. Como não gritar então pelas ruas de Jerusalém?
Como não proclamar aos quatro ventos que ele ressuscitou? Como não
anunciar que a esperança pode renascer e a alegria reinar, pois não é mais
necessário buscar entre os mortos aquele que está vivo?
Assim é a história
dessa mulher, apóstola dos apóstolos, primeira testemunha da Ressurreição, que
inaugura um novo tempo na história da humanidade. Em uma sociedade patriarcal,
onde as mulheres não podiam sequer testemunhar em processos jurídicos por não
ser válido seu testemunho, Maria de Magdala, de quem Jesus havia expulsado sete
demônios, abriu a boca e falou sobre o que viu e ouviu. E seu testemunho
mudou a face do mundo.
Creram nela e
repetiram e difundiram seu anúncio. E depois muitos e muitas creram
neles, transformados de discípulos em apóstolos. E creram por causa dela.
No dia 22 de julho, celebramos seu dia, que o Papa Francisco elevou à categoria
de Festa para sublinhar sua importância no culto e na liturgia.
Nestes tempos tão
tenebrosos, onde tudo parece obscurecer-se e quando os horizontes se atrofiam
sobre nossas cabeças, não nos esqueçamos do poder que tem o amor de uma mulher.
O amor dessa mulher mudou o mundo. O amor de toda mulher tem potencial
transformador e terapêutico. Com seu corpo que é sede da vida, a mulher que ama
diz com a paixão de Maria Madalena que a morte não tem a última palavra, pois a
vitória definitiva é da vida, que é o outro nome de Deus.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.
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