Por Lusmarina Campos
Garcia
Há quatro anos, a
Presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff e os 54 milhões de
brasileiros e brasileiras que nela votaram, sofriam um golpe. Derrubada com
base em acusações de um crime que ela não cometeu, a primeira mulher Presidenta
do Brasil foi retirada pela articulação de homens da política, do judiciário,
da imprensa, dos quartéis e do Ministério Público, com interesses variados, mas
todos concordando que ela, Dilma, era um empecilho para os seus objetivos.
A conversa entre o então
Ministro do Planejamento, senador licenciado, Romero Jucá (PMDB/RR) e o
ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, transcrita pela Folha de São Paulo
em 23 de maio de 2016, revela claramente como o impeachment foi planejado no
campo político atrelado ao judiciário.
Aterrorizados pelo fato
de que a Lava Jato os alcançasse, Jucá e Machado delinearam o plano para frear
os avanços da operação: articular o impeachment. Para tal, precisariam manter o
Eduardo Cunha pelo maior tempo possível na presidência da Câmara, uma vez que
ele já estava denunciado e sob risco de prisão. Precisariam convencer Renan
Calheiros (PMDB/AL), então presidente do Senado, a aceitar entrar no acordo que
envolveria o então vice-presidente da República Michel Temer (PMDB/SP) e
Eduardo Cunha (PMDB/RJ), seus desafetos.
Os líderes de outros
partidos, especificamente o PSDB, estavam conscientes de que a situação
precisava ser interrompida. Ministros do Supremo Tribunal Federal tinham sido
consultados, segundo Jucá, e haviam dito que “só tinha condições … sem ela”,
uma vez que a imprensa a queria fora. Jucá havia também conversado com os
militares que disseram que “vão garantir”.
O acordo para derrubar a
Presidenta Dilma, conforme revelado pela conversa entre Jucá e Machado, ocorreu
“com Supremo com tudo” e com a garantia dos militares.
Para tornar o impeachment
viável o PSDB contratou a advogada e professora Janaína Paschoal, que juntamente
com Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Flávio Pereira assinaram a “denúncia
por crime de responsabilidade”. Nenhuma das acusações tinha substância de fato,
mas não precisava, porque a decisão já estava tomada antes que a denúncia fosse
apresentada; aliás, a denúncia foi apenas a peça inicial para que as
formalidades do impeachment se desenrolassem.
Na outra ponta da saga do
impedimento, o Ministério Público de Dallagnol juntamente com o então juiz
federal Sérgio Moro e em associação com a imprensa nacional, investiu todas as
suas cartas em sua sanha persecutória ao PT. Sob a fachada do “combate à
corrupção”, a Operação Lava Jato se constituiu a partir de um acordo com o
governo americano por meio do Departamento de Justiça e do FBI , e teve como resultado
o desmonte da indústria do petróleo e da construção civil nacional, solapando a
economia do país assim como a sua soberania. Aparentemente mais corruptos do
que os supostos corruptos que perseguiam, os líderes da Operação Lava Jato
foram uma chave central no impedimento da Presidenta Dilma.
É relevante perceber que
os machos do poder político, judiciário, militar, midiático, empresarial e do
Ministério Público, com a conivência e a participação de mulheres específicas,
confluíram para uma mesma “alternativa”: a derrubada da Presidenta
democraticamente eleita. A pergunta que se faz é: por que homens com interesses
diferentes e de lados presumivelmente opostos convergiram para esta mesma
“alternativa”? Tenho duas hipóteses. A primeira é que a corrupção é sistêmica e
todos, num maior ou menor grau, podem ser ligados a práticas corruptivas ou
corruptoras. O capitalismo é, em si, um sistema propiciador de corrupção; a
isenção com respeito a tais práticas é, de fato, uma raridade. A Presidenta
Dilma é uma mulher íntegra e como tal, expunha não só as práticas corruptivas,
mas o sistema que as produz. A segunda hipótese é que a cultura patriarcal
brasileira permite que o machismo se articule de maneira veemente para o
exercício do controle sobre as instituições democráticas e sobre o poder do
Estado, mesmo que para tal, rompa com a regra democrática e com o Estado
Democrático de Direito.
A presença de uma mulher
honesta na Presidência da República tornou-se insuportável num país acostumado
a naturalizar a corrupção e o machismo. A integridade dela transformou-se no
reverso do espelho que, ao refletir a imagem dos homens corruptos e machos,
tornou possível ver não a aparência, mas a verdadeira interioridade das
instituições e dos indivíduos que as compõem e as representam. E o Brasil se
descobriu feio demais. Presidenta Dilma Rousseff, como você faz falta!
LUSMARINA CAMPOS GARCIA é teóloga eco-feminista, pastora luterana e pesquisadora no Programa de Pós-graduação da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Compõe três grupos de pesquisa: Observatório do Judiciário Brasileiro, Direito e Cinema e Teoria da Sociedade, Direito e Política. Defensora dos direitos humanos, com ênfase na questão de gênero, pronunciou-se na audiência pública do STF no contexto da ADPF 442 em defesa da descriminalização do aborto. É atuante no movimento ecumênico desde a década de 1980.
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