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sábado, 29 de agosto de 2020

COVID- 19 - QUINQUAGÉSIMA -NONA REFLEXÃO - UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

 


por FREI ALOÍSIO FRAGOSO

     Começo a ter saudade de mim mesmo nesta 59ª e penúltima REFLEXÃO.  Saudade alimentada pelo sentimento gratificante de que fiz algum bem e fui recompensado com a  incomparável satisfação de ter feito algum bem.

     A saudade me remete aos primórdios e aí identifico o fio condutor de todas estas reflexões: a utopia de um outro mundo possível.

     Foi no ano 2005, na cidade de Porto Alegre, 160.000 participantes, vindos de 135 países, reunidos no 5º Forum Social Mundial, fizeram desta legenda um clamor universal: "um outro mundo é possível".

     Quinze anos se passaram, quinze carnavais, quinze vezes milhões de pessoas se mascarando, se transfigurando, se fantasiando, a fim de viver, durante 3 dias, esta grande utopia: o outro mundo possível está acontecendo aqui e agora. Era a ficção cansada de esperar pela realidade.

     Agora, em tempos de pandemia, o sonho se refaz com uma nova legenda: "o mundo nunca mais será o mesmo". Fica no ar uma dúvida....para melhor ou para pior?

     Coloco-me do lado dos que tem uma visão dialética da História. Creio que ela avança continuamente para estados superiores. Contudo isso se dá dialeticamente, não de forma ascensional ou linear ou cíclica, mas sim por meio de contradições, com avanços e recuos, perdas e ganhos, sucessos e malogros.

     O cristão avalia a História com os olhos da Fé, acreditando que ela é conduzida por um Poder Superior que não anula nossas iniciativas, porém transcende-as. Por isso ele se sente convocado a empenhar-se para que se tornem realidade os grandes sonhos coletivos da Família Humana. "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce", escreve o poeta Fernando Pessoa. O que fazer para que se cumpra esta trilogia que conecta a vontade do Criador, o anseio das criaturas e a ação geradora dos fatos reais? Subsídios é o que não nos falta.

     Neste início do séc. XXI, a grande maioria da humanidade está cética com relação a todas as filosofias e teologias que advogam o otimismo histórico. E vê desmoronar o mito do progresso científico-tecnológico como esperança de redenção. Daí resulta a busca de refúgio no fundamentalismo religioso. O fundamentalismo é uma terrível ameaça. Sua estratégia consiste em eliminar qualquer base racional da Fé, aprisionando as pessoas no obscurantismo e no fanatismo, como meio eficaz de controlar as consciências. Por isso ele se enquadra como uma luva nas mãos dos poderes ditatoriais. Estes manipulam o fundamentalismo com o mesmo propósito,  alcançar o domínio absoluto da população, boicotando-lhe o exercício do pensamento. Ele se manifesta sutilmente, seja em pequenos detalhes (por ex. quando o Ministro da Justiça chama-se a si mesmo de "Servo" e ao Presidente, de "Profeta"), seja escandalosamente (é o caso recente da pastora Flordelis, acusada de arquitetar a morte do marido. "Separar-me dele não posso porque ia escandalizar o nome de Deus", declarou ela, preferindo conviver com a culpa privada de ser assassina do que com a confissão pública de estar separada). Coisas do fundamentalismo.

     Nosso caminho é o da lucidez. A encarnação do Filho de Deus selou um pacto de amizade entre Deus e nós. Por este pacto, recebemos o penhor das suas promessas e a garantia do êxito final. Desde que a Divindade se abaixou até a nossa condição humana, cabe-nos descobrir sua presença por meio de nosso compromisso com tudo que é humano e terreno.

     Nossa fé nos coloca na contra-mão do Sistema dominante. Ser cristão hoje é estar na oposição ao "status quo". Não devemos temer a aparente superioridade das forças adversas. Não se conhece nenhuma época em que Deus tenha contado com maiorias (ou com exércitos) para realizar seus desígnios. "Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai confiar-lhes o  Reino", adverte Jesus em Lc.12, 32.

     No entanto, quando Deus opera em nosso favor, Ele só o faz com a nossa participação.A utopia de que o mundo nunca mais será o mesmo, entendida como "Boa Nova", não acontecerá por geração espontânea, mas pela nossa capacidade de gerir suas sequelas.

    Enquanto esperamos impacientemente o fim do coronavirus,  comecemos a rezar o salmo 143: "Bendito seja o Senhor, meu rochedo, que adestrou minhas mãos para a luta". Amém.


Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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