Por Marcelo Barros
Muita gente se
pergunta como será o caminho da sociedade depois da pandemia. A elite que se
beneficia do modo como a sociedade está organizada imagina voltar quanto antes
ao mundo de antes e a seus lucros maravilhosos. A quebra geral de empresas em
todos os setores não indica que isso será tão fácil. Os que se beneficiam do
capital produtivo sabem que o prejuízo maior da crise cai principalmente nas
mãos dos assalariados e dos trabalhadores de base. Como sempre, os patrões
sairão mais ricos. No entanto, esta mágica que sempre funcionou assim começa a
dar sinais de cansaço. Outro tipo de capital que é o financeiro continua
garantindo aos bancos e aos que operam em bolsas de valores os lucros possíveis.
Entretanto, dificilmente serão os 400% de lucro aos quais estavam habituados
antes da pandemia. Quanto ao que hoje se chama de capital de rapina, isso é, os
que ganham da grilagem de terras no Mato Grosso e na Amazônia, os que exploram
trabalho escravo e invadem terras indígenas e quilombolas estes continuam a
apoiar o atual governo federal porque este lhes garante liberdade e espaço de
ação. “Pena que índios, negros e
quilombolas sejam ruins até pra morrer”, pensa em voz alta o ocupante do
palácio.
Enquanto o
mundo inteiro se escandaliza com o fato de que o Brasil convive com o recorde
de mais de 114 mil pessoas mortas e mais de três milhões de pessoas
contaminadas pela Covid 19, o governo de Minas Gerais joga 300 policiais
militares contra 450 famílias do Acampamento Quilombo em Campo Grande, MG, que
produziam alimentos saudáveis em uma produção de agroecologia comunitária. Em
Águas Belas, em Pernambuco, os índios Fulniô veem sua escola destruída e os
Pankararu, no médio São Francisco recebem ameaças de morte. Chegando ao céu, o
nosso profeta Pedro Casaldáliga joga o manto do seu espírito para dar força na
luta a índios, lavradores sem terra e todas as pessoas famintas e sedentas de
justiça.
Na Europa,
cada vez mais aumenta o número de pessoas que percebem é preciso disciplinar e mesmo frear o crescimento
econômico e deter o progresso tecnológico. Na França, desde 2006, existe um
PPLD (Partido em Prol do Decrescimento), fundado pelo deputado Vincent Cheynet
que advoga a salvação do planeta e da humanidade pelo caminho do “voltar atrás”:
renunciar a muitos confortos desta sociedade de consumo e, assim preservar
melhor o planeta e o essencial da vida. Esta proposta se espalha por minorias
na Itália e em outras nações do Ocidente.
Para todos os
continentes e para cada ser humano, vale a proposta do cientista social Serge
Latouche dos oito R: Reavaliar, Reconceituar, Reestruturar, Redistribuir,
Redimensionar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
Não se trata
de voltar ao passado, nem de condenar qualquer forma de progresso, mas de
compreender que o atual modelo de desenvolvimento, baseado no petróleo, na
exploração da natureza e na competição entre as pessoas está falido e nos
conduzirá à catástrofe. O inimigo maior de nossa civilização não é o
Coronavírus, por mais cruel qu esse seja. É sim a destruição ecológica e a
ambição de uma elite do mundo que não hesita em matar para ter mais dinheiro e
poder. Esta elite nega os direitos à vida e à dignidade de seus próprios irmãos
e irmãs e destrói a terra e a natureza. Precisaríamos de três planetas Terra
para suportar a exploração que o modelo civilizatório capitalista comete contra
a vida.
A Organização
das Nações Unidas está fazendo uma consulta a populações do mundo inteiro para
saber a opinião das pessoas quanto às perspectivas e principais necessidades da
humanidade pós-pandemia. Todos nós podemos responder. A pesquisa tem a seguinte
introdução:
“A pandemia de
COVID-19 é um aviso claro da necessidade de cooperação entre países, entre
setores e entre gerações. A este respeito, o Secretário-Geral das Nações
Unidas, António Guterres, afirmou:
«Tudo o que
fizermos durante e depois desta crise deve ter uma forte tónica na construção
de economias e sociedades mais igualitárias, inclusivas e sustentáveis, mais
resilientes às pandemias, às alterações climáticas e aos muitos outros desafios
com que nos confrontamos à escala mundial.». Eis o link para quem quiser
responder a estas perguntas:
https://social.un75.online/partner/un75?lang=prt
As tradições vindas das culturas indígenas
têm proposto para toda a humanidade o paradigma do bem-viver, da revalorização
dos bens comuns como bens públicos aos quais toda a humanidade tem direito de
acesso gratuito: terra, água, saúde e educação. Movimentos sociais se mobilizam
para pedir à Assembleia Geral da ONU que proclame as vacinas contra os vírus
como bens comuns que devem ser de acessso gratuito e público para todos os
seres humanos.
De um modo ou de outro, o Bem-viver
e o bem-conviver corresponde ao Shallom
bíblico, paz e salvação, assim como o Axé
das religiões afrodescendentes. É a alegria da pessoa se sentir em sintonia
com as outras e em comunhão com todo o universo. Amar e se saber amado/a é o dom
divino presenteado a todo ser humano e que pode ser fonte íntima desta alegria,
deste bem-viver, caminho para a humanidade depois desta pandemia.
MARCELO BARROS é monge beneditino e
escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da
Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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