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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

COVID 19 - QUINQUAGÉSIMA QUARTA REFLEXÃO - FREI ALOÍSIO FRAGOSO O NOME DE DEUS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

 por FREI ALOÍSIO FRAGOSO

     Nestes dias pude ler uma matéria das mais esclarecedoras para a nossa compreensão sobre a realidade. Rita de Almeida, psicanalista, é o nome da sua autora e seu mérito é fazer-nos entender os fatos reais do momento presente em suas causas subterrâneas, conhecer a alma destes fatos e de seus protagonistas. As idéias dela me inspiraram esta reflexão.

    Faz alguns anos, um escritor iraniano, Salman Rushdie, publicou uma obra intitulada "Versos Satânicos". Por conta disso tornou-se um fugitivo permanente da morte, decretada por grupos islâmicos. Qualquer pessoa, em qualquer parte do planeta, estava autorizada a matá-lo, em nome de Alá e de seu profeta Maomé.

     Tempos depois, de algum de seus esconderijos, ele denunciou a existência de um grave obstáculo boicotando os esforços de quem se empenha pela utopia da paz universal. O núcleo deste problema estava em um Ser Supremo chamado Deus. Deus era o nome do problema, segundo ele.

     Quem o lê com atenção e sem preconceitos se dá conta de quanto sua denúncia encerra de sério e desafiador para uma consciência religiosa esclarecida.

     Uma coisa é Deus, outra coisa é o nome que lhe damos, outra coisa ainda, é o uso que fazemos deste nome. Nós cristãos, por exemplo, temos uma perfeita definição: "Deus é Amor". No entanto, nestes mais de 20 séculos, o seu nome tem sido instrumentalizado em favor de objetivos claramente opostos a esta concepção: assustar crianças, atormentar consciências, levar dissidentes à fogueira, manter déspotas e tiranos no poder, legitimar guerras, espalhar doutrinas expressamente condenadas por Jesus.

     Hoje em dia, frente à perda quase total de referências humanas capazes de manter vivas suas esperanças e conferir-lhe segurança, um grande número de pessoas se rende ao fascínio de líderes paranóicos que se arvoram em novos messias. O sucesso deles está na habilidade de ocupar o lugar de Deus.

     É aí que descobrimos a parte de razão que cabe ao escritor iraniano. A divindade que ele acusa não é o Deus único e verdadeiro da nossa Fé, o Deus revelado por Jesus Cristo e seus apóstolos. É antes o "Deus" projetado nestas figuras idolátricas, travestidas de divindade.

     Em sua dissertação, a psicanalista Maria Rita pergunta: "O que faz tantas pessoas depositarem sua fé e se entregarem de modo subserviente a esta espécie de charlatões"? E analisa a resposta de Freud: "eles representam o recurso humano mais primário de lidar com o desamparo....o lugar mais confortável psiquicamente de conviver com afetos como angústia e medo". Daí a adesão irracional. "Não há argumento suficientemente forte para mostrar a verdade a quem não deseja encontrá-la, mesmo que isso signifique um risco de morte", escreve ela. "Preferem arriscar-se a uma morte real do que a uma morte subjetiva, que seria ter de admitir que estavam vivendo uma grande mentira".

     Por trás destes sentimentos se escondem os ideólogos fascistas, prontos a manipular o sagrado com eloquência e eficácia. Quem desconfiará da segunda intenção oculta na legenda "Deus acima de tudo"? Quem se lembrará de associá-la a outras legendas equivalentes: "Alemanha acima de tudo" (Hitler). "América grande novamente" (Trump)?

    Daí muitos são induzidos a aceitar que Deus permite os desmandos e crimes destes seus ídolos; antes isso do que admitir que se deixaram enganar por uma torpe mentira.

     Chegamos ao absurdo de ter que defender a inocência de Deus, como se o Todo Poderoso não se bastasse em sua própria defesa. Na verdade, estamos nos defendendo de nós mesmos, pelo que fizemos com o seu nome. Criamos um Deus à nossa imagem e semelhança. Um Deus para o ocidente, outro para o oriente. Um Deus para os brancos, outro para as demais raças. Um Deus para os tubarões, outro pra raia miúda. Um Deus para a guerra, outro para a paz. Os bilhões de dólares que financiam as guerras trazem em cada cédula a inscrição "In God we trust" (em Deus nós confiamos).

    O realismo da pandemia do coronavirus obriga-nos a purificar nossas idéias de Deus. O único nome que tem sentido invocar, neste momento, é o "Pai Misericordioso e Compassivo". E  o  invocamos, em meio aos esforços para combater a pandemia, sabendo, por experiência milenar, que a Fé, juntamente com o Amor, é a maior força de que dispomos nesta vida.

     Enquanto isso, esses falsos deuses, como sugere a Bíblia, "tem cabeça de ouro maciço, tronco de prata, coxas de bronze e pernas de barro" Dan.2,32.  Não se sustentam.

    E, da nossa parte, rezamos com o sl.37: "Todas as nossas angústias, Senhor, estão na vossa presença. E nenhum gemido de ninguém na face da terra será oculto aos olhos do Senhor".  Amém.

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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