Por Marcelo Barros
A Igreja
Católica no Brasil considera agosto como o mês vocacional. É tempo especial de
reflexão e oração pelas vocações e ministérios eclesiais. Sonho com o dia no
qual as vocações não sejam vistas como funções e tarefas apenas dentro das
Igrejas, mas sejam consideradas como algo mais amplo e universal. Em todo ato
de solidariedade humana e cada vez que as pessoas consagram suas vidas ao
cuidado umas das outras e da natureza, estão reconhecendo neste trabalho humano
um chamado divino, ou seja, uma vocação.
Como
interpretar de outro modo o fato de que voluntariamente médicos e médicas de
Cuba se dispõem a ir a outros países e
até em outros continentes, para cuidar das populações atingidas pela Covid 19?
Certamente, estes irmãos e irmãs que trabalham na área de saúde e, nesta
pandemia, arriscam suas vidas para salvar os outros não fazem isso apenas
profissionalmente, mas respondem a um chamado divino a serviço da Vida. Por
isso, é justa a campanha internacional para que as Brigadas Médicas Cubanas
recebam neste ano o prêmio Nobel da Paz.
Companheiros e
companheiras dos movimentos sociais que, em várias regiões do Brasil, nas ruas
e nas periferias garantem cestas básicas e bens necessários aos mais vulneráveis
cumprem uma vocação espiritual importantíssima, independentemente se creem em
Deus ou não.
É bom que o mês
vocacional vivido neste agosto nos faça pensar a partir das bem-aventuranças
proclamadas por Jesus que declara abençoados/as de Deus todas as pessoas que
assumem ser pobres, pessoas que promovem a paz, que têm fome e sede de justiça
e por isso aceitam ser perseguidas. Neste tempo de tanta intolerância e
pregações de ódio, celebremos a vocação das pessoas que espalham lives e
mensagens de amor e de esperança pelo mundo.
Neste ano, a
CNBB escolheu como tema e lema para o
mês vocacional a expressão “Amados e
Chamados por Deus”, inspirados em uma carta do papa Francisco. De fato, é um tema muito oportuno. Neste
contexto, reconhecemos as religiões afrodescendentes e tradições indígenas como
culturas de resistência e que estão ajudando muita gente a não perder o rumo da
vida na noite da pandemia. Isso também é uma vocação divina e precisamos
valorizar. Nestes tempos difíceis, experimentamos nossa fragilidade e sofremos
ao ver no Brasil grupos cristãos que propagam uma imagem de Deus que legitima
uma sociedade injusta e desumana. Diante disso, reafirmamos que a base de
nossas vidas e nossas vocações é o amor e este amor é a energia de vida
presente em nós e em todo o universo.
Emanuel Almada,
biólogo e espiritual, escreve: “Tal como
o Covid, o amor também tem elevado grau de contágio e, felizmente, não há
máscara ou álcool que o impeça de se espalhar. (...) O amor também é fenômeno
biológico, como belamente demostrado por Humberto Maturana. Segundo o
neurobiólogo chileno, “o amor é um fenômeno biológico que não requer
justificação”. O amor é a emoção que fundamenta a socialização, uma vez que é
ele que permite os encontros recorrentes entre os indivíduos. Para Maturana, o
movimento contrário ao amor é a rejeição e a indiferença. Ao alargar o espectro
do amor para os outros sistemas vivos, é possível compreender o amor como base
de todas as alianças, não só entre humanos. (...) Para regenerar o mundo é preciso
cultivar o amor em meio à pandemia. É isso que está ocorrendo nas vilas e
bairros e favelas do país. Como sempre fez, o povo se organiza, partilha, se
encontra. Com parte dos humanos reclusos, as outras espécies e entes da
natureza também refazem e multiplicam seus encontros e alianças, seus amores. O
amor, enquanto encontro e aceitação, tem poder criador” (...) Não nos cabe a
construção de um novo normal. Precisamos de um outro estado de coisas, que
permita emergir os mundos rejeitados e subjugados pelo capital. E o contrário
do capitalismo é o amor, em suas mais diversas manifestações individuais,
comunitárias, políticas e na história das espécies. É o amor, uma vez que é
encontro e aceitação, o elemento que tece e refaz “a teia da vida”[1].
Neste mês das
vocações, o lema escolhido é a palavra
do profeta: “És precioso aos meus olhos.
Eu te amo” (Is 43,1-5). Esta palavra
bíblica acrescenta alguma coisa importante à nossa reflexão. Ela nos confirma
que se estamos dentro desta grande teia da vida e nos sentimos chamados a lutar
pela vida e defender a vida onde ela existe é porque fomos primeiramente amados
e este amor divino que recebemos é que faz de nós pessoas de amor.
O Dalai Lama
afirma que cada pessoa humana tem dentro de si esta semente do amor e só
precisa cultivá-la para que ela cresça e se desenvolva. Neste momento especial
de quarentena, celebremos em nossos corações a graça de termos recebido em
nós esta graça do amor solidário e
façamos uma revisão de nossas vidas para nos consagrar mais e mais a esta
vocação.
[1]- Cf.: https://kaiporabiocultural.com/2020/06/07/nao-e-uma-questao-de-guerra-ou-sobre-o-amor-nos-tempos-da-covid/
Nenhum comentário:
Postar um comentário