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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

COVID -19 - QUINQUAGÉSIMA QUINTA - REFLEXÃO - PROBLEMAS DE FAMÍLIA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

 


Por Frei Aloísio

 

     Para esta nova REFLEXÃO vou precisar da compreensão dos leitores e leitoras. É que pretendo abordar, nesta semana da família, um assunto sobre o qual a única linguagem confiável é a da experiência. Confesso que não a tenho suficientemente. Desde muitos anos, não convivo numa família constituída por laços de sangue.

     A quarentena do coronavirus reagrupou as famílias em um isolamento compulsório, para uns benfazejo, para outros, conflitivo.  O que daí resultou e resultará para o futuro, decerto será objeto de muitos estudos, pesquisas e surpresas. Atrevo-me a apreciar um ponto específico, em meio a muitos outros que se oferecem a quem entenda melhor da matéria.

     O que está acontecendo em grupos familiares compulsoriamente reunidos, onde convivam pessoas com opiniões e posições antagônicas e mesmo irreconciliáveis? E quando suas controvérsias incidirem nos acontecimentos polêmicos oriundos da última campanha presidencial? Não se trata do direito constitucional inalienável do voto nem também do resultado final das urnas. Trata-se antes de suas sequelas, de seus efeitos colaterais. Estes detonaram fenômenos inesperados.  Liberaram segredos ocultos nos porões das consciências individuais. Desarquivaram traumas pessoais há muito tempo represados. Enfim, acenderam uma luz para enxergar realidades ainda não percebidas.

     Para muitas famílias a surpresa foi grande: havia um mundo de valores separando  parentes, valores fundamentais que determinam a escolha de caminhos nos mais importantes segmentos da vida em formação: educação dos filhos, exercício da profissão, visão do mundo, sentido da vida, prática religiosa.

     Sempre que estas questões se contrapõem, torna-se difícil construir algo em comum para o futuro. Daí a dificuldade de voltar a reunir estes familiares nos costumeiros e aprazíveis encontros fraternos. Não dá para sentar-se à mesma mesa e comer o mesmo pão e cantar os mesmos hinos e rezar a mesma oração, quando os convivas precisam reprimir o debate de assuntos relevantes em troca da convivência pacífica.

     Vale aqui resgatar uma palavra de Jesus que anda (mal)dita em bocas infectadas pelo vírus do poder político: "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará".

     Se passarmos por cima da Verdade, evitando-a,  contornando-a, sob qualquer pretexto, podemos salvar as aparências, jamais construir a unidade.

    A vida mesma, em seu movimento, nos ensina uma coisa: toda convivência humana se nutre de relações pessoais. Nas famílias, durante anos, esta convivência é alimentada por laços de sangue, por recordações do passado, por variados lazeres, por afetos e carinhos, pela mesa e pelo pão.

     Com o passar dos anos, no entanto, e o amadurecimento das pessoas, estes sentimentos deixam de bastar. As amizades passam a ser selecionadas e consolidadas com base nos valores mais do que nos afetos. Torna-se quase impossível aprofundar uma amizade com alguém que não comunga em nada comigo, seja nos  princípios morais, na visão de vida, nos ideais e utopias, e  outros pontos essenciais da vida, e logo fica clara a incompatibilidade de convicções.

     Chega o momento em que estas convicções se radicalizam a ponto de se  converterem  em intolerância e paixão irracional. As discussões começam a destilar  preconceitos e antipatias, arruinando os fundamentos da paz.

     Nestas circunstâncias, o distanciamento físico acaba sendo uma consequência natural, uma estratégia para evitar rupturas graves, irreversíveis. Este distanciamento,  evidentemente, não diz respeito à família nuclear, durante o tempo em que o convívio permanente de pais, filhos, irmãos é constitutivo e garante a estabilidade e segurança comum.

     E onde fica o amor nisso tudo?

     (A esta altura, o espaço limitado obriga-nos a uma pausa neste assunto e convida-nos a dar-lhe continuidade na próxima REFLEXÃO)

     Até lá, reflitamos no que Jesus quis dizer em Lc.11,27: "Ouvindo as suas palavras, uma mulher do povo levantou a voz e exclamou, maravilhada: bem-aventurados o ventre que te gerou e os peitos que te amamentaram! Ao que Jesus respondeu: antes bem-aventurados os que ouvem as minhas palavras e as põem em prática".    Amém.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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