Frei Betto
Na guerra do Afeganistão, ao longo
de 14 anos (2001-2015) 149 mil vidas foram perdidas. Aqui, em 14 meses, esse
número foi multiplicado por três. Como admitir tamanha mortandade? Por ter como
causa um vírus invisível? Não, o vírus não age sem que humanos o
transmitam. O vírus é como a bomba atômica jogada sobre Hiroshima e que ceifou
140 mil vidas. A bomba não viajou sozinha dos EUA ao Japão. Foi conduzida por
uma aeronave B-29. Cada um de nós é a aeronave que transporta o vírus letal.
Cada um de nós é potencialmente um míssel carregado de artefatos nucleares.
Basta abrir a boca e as narinas para detonar os projéteis que haverão de semear
a morte alheia.
Todos os
dias, na oração da manhã, me pergunto: resta-me humanidade? Como posso
suportar, recluso em casa, que lá fora morreram, por descaso do governo, mais
de 400 mil pessoas no Brasil? E mais de 14 milhões de infectados não sabem o
futuro que os aguarda, se a cura, se as sequelas, se a morte.
O que faz
meu grito ficar parado no ar, a gota d`água não entornar minha paciência, a
esperança me fazer acreditar que serei poupado do genocídio? Como fazer parar a
máquina da morte? Como dar um basta ao negacionismo que alimenta essa política
necrófila que vitimiza, indiscriminadamente, ricos e pobres, idosos e jovens,
portadores de comorbidades e saudáveis atletas?
Mais de
400 mil mortos! Não ouço os sinos tocarem por eles. Vejo apenas múltiplas mãos
encharcadas de sangue se lavando, ponciopilatamente, na bacia do mais
escancarado cinismo. A dor de mais de 400 mil famílias não dói em mim. O que me
resta de humanidade?
Na guerra
do Paraguai, o Brasil perdeu 50 mil combatentes. Em pouco mais de um ano
deixamos a pandemia multiplicar esse número por oito. Por quê? Talvez por não
presenciar o desespero de quem bate em vão as portas dos hospitais desprovidos
de leitos, nem o indescritível sofrimento de quem, entubado e sem receber
analgésicos, conhece no corpo as infinitas dores das torturas medievais.
Na guerra
do Afeganistão, ao longo de 14 anos (2001-2015) 149 mil vidas foram perdidas.
Aqui, em 14 meses, esse número foi multiplicado por três. Como admitir tamanha
mortandade? Por ter como causa um vírus invisível?
Não, o
vírus não age sem que humanos o transmitam. O vírus é como a bomba atômica
jogada sobre Hiroshima e que ceifou 140 mil vidas. A bomba não viajou sozinha
dos EUA ao Japão. Foi conduzida por uma aeronave B-29. Cada um de nós é a
aeronave que transporta o vírus letal. Cada um de nós é potencialmente um
míssel carregado de artefatos nucleares. Basta abrir a boca e as narinas para
detonar os projéteis que haverão de semear a morte alheia.
Em 1912,
o Titanic, navio invencível, foi vencido por um iceberg. Morreram mais de 1.500
passageiros. Aqui no Brasil já afundaram 266 Titanic e ainda há quem não
enxergue a cor rubra do mar...
As quedas
das Torres Gêmeas de Nova York soterraram 2996 pessoas. O mundo parou,
estupefato, frente a tamanha atrocidade. Até os dicionários religiosos
suprimiram a palavra perdão. No Brasil já desabaram 133,5 Torres Gêmeas e ainda
não foram apontados os responsáveis por esse terror.
Resta
sim, humanidade, mas preciso beber no poço aberto por Santo Agostinho, o da
indignação, para protestar, e o da justiça, para mudar esse estado de coisas.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de
quarentena” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no
exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org Ali os
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