FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(13/05/2021)
Em busca de uma explicação
satisfatória para o silêncio de Deus frente aos crimes e sofrimentos deste
mundo, dois caminhos se oferecem à nossa escolha: o caminho dos que exigem
provas e evidências para crer e o caminho dos que crêem, primeiro, para, em
seguida, descobrir evidências e provas na sua vivência de fé.
Apesar desta introdução de
aparência teológica, não foi a teologia que motivou este assunto, foi um
impacto emocional, assustadoramente real, provocado pelo coronavirus. Uma
criança de 6 anos, sabendo que sua irmã, de 9, morrera de covid, teve uma
surpreendente reação: pegou um cabo de vassoura, correu para fora de casa e
gritou na direção do céu: "Deus, desça daí, que eu quero bater em
você".
Vejo neste gesto infantil uma
verdadeira oração, uma ingênua mas sublime demonstração de confiança; só uma
criança confia tão cegamente na lucidez do Pai! Inconscientemente, ela conjugou
as duas questões levantadas no início desta reflexão: "Deus, cadê
você?" e "Deus, só você pode responder por isso!".
S. Paulo escreve que, findo o
nosso tempo de vida nesta terra, a fé desaparece, só sobra lugar para o amor.
Por conseguinte, a fé existe unicamente em função da vida temporal. Do que se
conclui também que a melhor resposta para as grandes questões de fé se encontra
nos depoimentos da vida humana e não nas interpretações doutrinárias.
A despeito do meu gosto por
estudos e leituras, foi com as pessoas simples que aprendi a associar
conhecimentos teóricos com vida real.
Eu ainda era um neófito,
quando tive oportunidade de visitar a cidade de Mirandiba, alto sertão
pernambucano. Fui convidado a participar de uma reunião com um grupo de
moradores locais, pessoas simples, analfabetas. No meio da conversa surgiu uma
pergunta a mim dirigida: "por que Deus permite a seca do sertão, que traz
tanto sofrimento pra nós?" -
prolonguei-me na tentativa de responder com dissertações teológicas, mas
logo percebi, no olhar dos presentes, a inutilidade dos meus argumentos. Foi aí
que o Sr. Oscar, homem modesto e sábio, líder comunitário, pediu a palavra.
"É o seguinte, disse ele, Deus fez estas terras pra bicho que aguenta seca, preá, veado, mocó,
sapo, tartaruga, etc. Mas aí os nossos avós cairam na besteira de vir morar
aqui, que não era o lugar deles. E nunca mais quiseram sair. Deus não tem culpa
de nada, nessa estória".
Duvido que grandes teólogos,
do quilate de Agostinho e Tomás de Aquino, dessem uma resposta mais
esclarecedora do que esta do Sr.Oscar de Mirandiba, cujo conhecimento teológico
era um só: Deus é Pai.
Pretendemos que Deus tenha um
comportamento parecido com o nosso. Esquecemos que Ele é soberano, age à sua
maneira, à maneira de quem conhece causas, efeitos e sequelas de todas as
coisas, de ontem, de agora, do futuro. Daí, Ele pode demolir as nossas
expectativas, quando pretendemos saber tudo
e estamos apenas engatinhando à procura da Verdade.
Há uma grande santa dos
tempos modernos, Edith Stein, recentemente canonizada, filósofa judia,
convertida à fé cristã durante a Segunda Guerra mundial. Ao final da guerra,
impactada com os terríveis destroços físicos e morais, mais de 50 milhões de
vidas ceifadas cruelmente, ela enfrentou uma grande crise existencial.
Resolveu-a dando tudo que possuía e, a seguir, dando-se a si mesma, por
inteiro, até morrer do próprio holocausto.
Perguntemo-nos se não fomos
nós mesmos que plantamos as sementes onde medram novos Hitlers. E, em lugar de
nos paralisar frente ao silêncio de Deus, caminhemos pela via de Edith Stein e
de muitos outros ( quanto podemos dar do que temos e do que somos?) Foi por aí
que eles encontraram a chave de desvendar os enigmas da Fé, e aprenderam ao
vivo o significado destas palavras de Jesus: "quando estas coisas
começarem a acontecer, levantai vossas
cabeças, aproxima-se a vossa libertação" Lc. 21,28.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário