FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(17/05/2021)
Há mais de um ano, temos sido bombardeados
diariamente por notícias sobre novas vítimas do coronavirus. Poucos, no
entanto, se dão conta de uma outra notícia, imbutida dentro destas, e mais
alarmante: o mundo está doente.
Quantos imaginaram o seguinte, logo de
início: trata-se de um curto circuito, um breve apagão, logo mais a luz vai
reacender e tudo volta ao normal; vamos
nos abraçar. E não imaginavam que aquele seria o último abraço.
Passado todo este tempo de enfrentamento,
é preciso interpretar os "sinais dos tempos" emitidos por esta
tragédia global:
Nossas seguranças foram
abaladas
Nas últimas décadas falou-se
exaustivamente sobre um certo fenômeno
denominado processo de globalização. Grandes acontecimentos, mudanças
estrututais da sociedade, tudo era visto em função deste movimento planetário,
caminhando para um ápice irreversível, o êxito final. Hoje não há idéia tão
vulnerável quanto esta de um mundo globalizado. A paisagem que se apresenta é
claramente o inverso, um mundo se fragmentando em novas formas de nacionalismo,
de populismo, de xenofobia. O sentimento dominante é de perplexidade e
insegurança.
"O homem não vive só
de pão"
O coronavírus está deixando pessoas
feridas, não só no corpo, mas também em sua natureza espiritual,
transcendental. Nunca antes, em meu ministério sacerdotal, recebi tantos apelos
em socorro de pessoas enfraquecidas em suas crenças tradicionais, em suas
esperanças básicas, e mesmo em sua percepção da dignidade humana.
Passei a entender melhor a metáfora que o
Papa Francisco usa, convocando a Igreja a tornar-se um "hospital de
campanha". De fato, um grande hospital não reduz sua tarefa a curar
doenças e feridas. Ele se preocupa particularmente com diagnóstico e prevenção.
Quando a referência são as enfermidades da alma, não há nenhum caminho de cura
que não deva passar pelo diagnóstico da Fé, pelo tratamento preventivo da
espiritualidade. Pois aí se trata de imunizar contra o vírus do ódio, dos
preconceitos, dos traumas e recalques enraizados, e também contra a síndrome do
medo e do ceticismo.
Ninguém é mais dono da
Verdade
Isso mesmo. Neste nosso mundo, a Verdade
não tem mais dono, só tem testemunhas. O covid forçou o esvaziamento físico de
igrejas, templos, mesquitas, sinagogas. Não creio que isso seja um sinal
imposto por Deus, mas
acredito que Deus se
serve dos acontecimentos para assinalar seus desígnios.
Onde é que eu posso vê-Lo atuando, nesta
pandemia? Não tenho dúvida em responder: é naqueles que dão provas de amor
solidário, independente de suas motivações, inclusive a motivação religiosa.
Este esvaziamento dos lugares do culto pode estar apontando para uma visão do
futuro. Para um novo capítulo da História do Cristianismo. Talvez esteja
simbolizando um vazio das próprias Igrejas, em sua função institucional. Não é
por acaso que o Papa Francisco declara que "prefere uma Igreja ferida e
empoeirada porque saiu pelas estradas, a uma Igreja bem ornada e limpa por ter
ficado dentro dos templos e agarrada às suas próprias seguranças" ("A
Alegria do Evangelho", 49). Há sempre de novo uma relação causal entre
grandes crises sociais e o renascimento do igrejismo, do sectarismo, com a
intenção de demarcar fronteiras, isolando os "escolhidos" e
"salvos". O coronavirus tratou de desmontar esta mentalidade
sectária; negou-se a distinguir raças, classes ou crenças (o mesmo monstrinho
que ronda Chico, o camelô, ronda também Francisco, o Papa).
Se mergulhamos na História passada, chegamos
a um certo ponto, onde descobrimos o seguinte: antes de se erguer a primeira
igreja com material de construção, havia já, neste planeta, um templo pronto
para uso, de grandeza e beleza incomparáveis, e outro não era senão este imenso
meio-do-mundo. É aí que a Verdade está à nossa espera.
Quando Pôncio Pilatos perguntou a Jesus: o
que é a Verdade? Este calou-se. Pilatos nunca compreenderia sua resposta.
Também nós não a compreenderemos, porque o nosso destino não é de possuir a
Verdade e sim de procurá-la. Amém
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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