FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(08/05/2021)
A despeito das
tentativas de marginalizar a papel do
povo, como ator da História, ele se impõe por si mesmo. Não seria mera fantasia
afirmar que, se algum dia, alguém reescrevesse a História Universal, a partir
desta narrativa do cotidiano popular, da sua filosofia de vida, criatividade,
resistência, esta seria decerto a verdadeira História da Humanidade.
Acontece, porém, que a realidade é um jogo de contradições.
Medos e paradoxos se misturam
nas atitudes que podemos chamar de demofobia (medo do povo). Por um lado, se
exalta a supremacia do povo como sujeito soberano e legítimo da política democrática.
A Constituição Brasileira proclama, em seu primeiro artigo: "Todo poder
emana do povo e em nome dele deve ser exercido". "Do povo, pelo povo
e para o povo" tornou-se uma espécie de legenda de todas as democracias
vigentes.
Por outra parte, as elites
sociais não conseguem camuflar sua aversão e seu menosprezo pelas classes
populares. Como se evidenciou em declarações recentes do Ministro da Economia
("o Fies bancou Universidade até para filho de porteiro".
"Empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada").
Baixou sobre o Ministro o espírito de Nicolau Maquiavel, que escreveu, no
século XVI: "o vulgo se deixa impressionar pelas aparências e pelos
efeitos, mas é o vulgo que faz o mundo".
Daí procede o boicote de
acesso aos meios que consolidam o poder. Num mundo em que o conhecimento
tornou-se uma das suas armas mais eficazes, fecham-se as portas das
Universidades para os pobres.
Quando o Sr. Ministro expele
os seus impropérios, ele se faz porta-voz dos parceiros de classe e fortuna
("jamais vou admitir que a minha filha seja colega de classe, na
Universidade, da filha da minha empregada", declara uma enfatuada madame.)
De tudo isso resulta que o
povo, oficialmente reconhecido como protagonista, só participa dos eventos importantes da História como ator
subordinado, vale dizer, como não-ator, mero assistente.
Na medida em que lhe é
usurpado esse direito de competir com iguais recursos, estimulam-se os mitos alienantes, quase
sempre de natureza religiosa. Repete-se a História. Há milênios, na sábia e evoluída Grécia, o
sábio Anaxágoras foi acusado de heresia por descrever o sol como uma massa de pedra incandescente. Para o dirigente de Atenas, Péricles (490
A.C.), era mais útil que o povo continuasse adorando o Sol como um deus e
recorrendo a ele em suas necessidades. Assim também, convém ao modelo
neo-liberal o slogan "Deus acima de tudo". Ele impede a população de ver que Deus está no
meio dela, atento aos filhos mais desvalidos e com um chicote na mão para
expulsar os vendilhões do templo.
As classes dominantes chegam
ao climax da sua demofobia quando, em algum momento, acontece um novo ensaio
histórico de ascensão revolucionária das massas, uma conversão de povo
governado para povo governante. Aí a demofobia vira pânico e qualquer ditadura
é preferível a esta detestável democracia.
Por conseguinte, de nada
adianta reafirmar a relevância do poder popular, se não forem aperfeiçoadas
as formas de representatividade. Quantos dos chamados
"representantes do povo", no atual Congresso Nacional, tem alguma
coisa a ver com o proletariado, o campesinato, o operariado, os artesãos, os
descamisados, as "camadas baixas" da população?
Urge, pois, entender que a
política partidária não é a única instância de participação na vida política,
determinante das transformações sociais. Da formação e organização das bases
populares pode emergir uma nova força capaz de influir eficazmente nos
acontecimentos e reavivar a chama de esperança que começa a arder, ultimamente,
no cenário nacional.
E Deus em tudo isso? Respondo
com uma passagem do evangelista Mateus:"Vendo Jesus as multidões,
compadeceu-se porque estavam exaustas e abatidas como ovelhas sem pastor"
Mt.9,36.
Procuram-se sábios
"pastores" para estar junto ao povo abatido e exausto, como ovelhas
sem pastor.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da
Fé e escritor
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