FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(07/05/2021)
Quantos medos tem sido meus companheiros,
há mais de um ano de pandemia? Afora o medo salutar de contrair
o nefasto virus. O
imprevisível medo de perder alguém muito querido. O medo do "até
quando"? Do "nunca mais será como antes"! O
medo-estado-de-espírito.O medo do medo dos outros. O simples "tenho
medo". E tantas outras variantes do medo.
Sem falar no "medo", com
variantes quase diárias, das esquizofrenias vindas dos mais altos mandatários
do país (ponho aspas para diferenciá-lo; este, há tempo, já cessou de me
amedrontar, ao contrário, me chama pra luta. Me faz ouvir a voz sábia de D.
Zefinha do Coque: "esse pessoal que promete, a toda hora, que vai
"matar e esfolar", só tem bocão".
Não me refiro ao sentimento patológico,
que produz a fobia, paralisa a relação com o objeto temido e bloqueia a decisão
entre lutar ou fugir. Falo do medo normal e universal.
Uma vez que não conheço este assunto com
suficiente profundidade, não me atrevo a discorrer sobre ele, falarei sempre na
primeira pessoa, do que sinto, não do que sei, porque não sei. Trata-se, pois,
de um depoimento.
Na verdade, gostaria de compartilhar meu
medo atual com companheiros e companheiras de luta, que não escondem o seu. A quarentena nos
proibe de fazê-lo pessoalmente, então passo a fantasiar um encontro futurível.
Para termos um ponto de convergência, vamos escolher um tema referencial: o
medo do futuro, seja a curto, a médio ou a longo prazo. O simples fato de não
estarmos a sós, de estarmos em companhia
amigável, confiável, já começa a produzir seus efeitos benéficos. Logo nos nos pomos de acordo sobre alguns princípios
básicos: que o medo é uma armadura da natureza, sem ele estaríamos expostos a
situações extremamente perigosas. Que coragem não significa a ausência dele, e
sim a capacidade de enfrentá-lo com sensatez e eficácia. Que é preciso detectar
sua origem, se é real ou fictícia.
Passadas algumas horas de partilha,
sinto-me desanuviado, calmo, livre de ansiedade. E me dou conta dos primeiros
resultados: não fomos barrados pelo medo; optamos pela luta e não pela fuga;
abrimos uma visão para o futuro, em lugar de nos agarrar a pretensas seguranças
no presente.
Terminamos nossa conversa terapêutica com
a mística vontade de louvar a Deus pela graça de termos feito, através do medo,
um aprendizado da vida. De acolhermos sua inevitabilidade como uma espécie de
companheirismo: ele nos alerta e nos educa.
Depois de cada um desses encontros, livro-me
de muitas inúteis cautelas, fico mais audacioso. Mais preparado para decifrar e
assumir as palavras de Jesus, na sua Última Ceia, às vésperas da Paixão:
*"não tenham medo, eu venci o mundo".*
Ao final, se quisesse convidar alguns
desses companheiros para um jantar fraterno, evitaria escolher pessoas com
inclinação ao ceticismo, ao relativismo, ao pessimismo. ELas cansariam meu
entusiasmo, me acorrentariam na virtude da prudência, inativariam minha paixão
pela Causa, com seus "mas", "porém", "todavia",
"talvez sim, talvez não", "não é nada fácil", "é bom
ter cuidado", "a culpa é das esquerdas", etc.
Temos escutado com frequência a previsão
dos peritos, alertando-nos para as sequelas que virão no pós-pandemia, por
conta das ansiedades acumuladas. Muito trabalho para psicólogos e psiquiatras.
Da minha parte rezarei para não estar entre
eles. Digo rezarei, pois não acredito no sucesso de nenhuma luta desprovida de
fé, de coração, de espiritualidade (seja de que ordem for). Não conheço nenhum
grande revolucionário que tenha vencido o medo com os poderes da razão pura. Um
deles escreveu um dia: "vou dizer uma coisa, mesmo correndo o risco de
parecer ridículo: todo verdadeiro revolucionário é movido por um sentimento de
amor" (Che Guevara). Não concebo esta confissão senão como um
"insight" tardio de sua primeira formação cristã.
Só isso me motiva a
convidar meus companheiros e companheiras para nos debruçar sobre uma certa passagem bíblica que sempre me
impressionou, dar-lhe uma dimensão ampla, abrangente, quiçá revolucionária, e
refletir até as últimas consequências:
*"Onde há amor não existe o medo.
Pelo contrário, o verdadeiro amor lança fora o medo porque o medo supõe o
castigo. Por isso, quem sente medo não
está realizado no amor"* 1Jo.4, 18-19.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor
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