FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(21/05/2021)
Este ano, mais uma vez, celebramos a Festa
da Páscoa com nossas igrejas quase vazias. Uma tristeza, sem dúvida, para quem
se nutre da Fé e, a cada ano, reacende sua chama no Círio Pascal.
No entanto, há boas lições a aprender
neste esvaziamento imposto pelo coronavírus. Recordemos o grande medo dos
apóstolos, vendo esvaziarem-se suas esperanças com a morte do Mestre querido.
Recordemos a dor de Maria Madalena e de outras mulheres ao visitar a sepultura
do Senhor e encontrar o túmulo vazio. Mas foquemos nossa atenção em um ponto
especial, nas palavras do anjo mensageiro: "por que vocês procuram entre
os mortos Aquele que está vivo?" Lc.24,5.
Poderemos ver aí uma fonte inspiradora
para outro tipo de entendimento. Às vezes uma realidade tal gera seus
contrapontos e estes acabam ajudando a comprendê-la com nais lucidez (o veneno
da cobra é mortífero, porém com ele se fabrica um antídoto para curar a mordida
da cobra.)
Vou invocar novamente um dos nossos
"terríveis adversários", o filósofo Nietzsche. Em um de seus textos
ele fala de um "homem tolo", uma espécie de palhaço (palhaço é um
personagem que pode dizer a verdade em meio a risos). Ele entra na igreja e
convida o povo a entoar o "requiem aeternum" pela morte de Deus,
dizendo: "o que ainda são estas igrejas senão túmulos e lápides de
Deus"?
Sinceramente confesso que a blasfêmia do
"homem tolo" não fere minha fé, mas fere a minha consciência. Será
que não há certas formas de Igreja que se tornaram jazigos frios de um
"deus morto?". Lembro, a propósito, uma alusão do Papa Francisco,
quando ainda cardeal, a uma passagem do livro do Apocalipse. O Senhor esta
diante da porta e bate, querendo entrar. Só que agora Ele bate por dentro,
querendo sair. Talvez tenhamos aprisionado Jesus em nossas pretensas
seguranças.
Recentes estudos sociológicos constataram
uma notável diminuição do número de pessoas que se sentem em casa, no mundo (há
uma doença chamada "mal do mundo", um tédio de estar aqui). Por outro
lado, cresce também a quantidade de pessoas que estão à procura. Entre estas
últimas devemos situar a nossa Fé. Uma fé estagnada, que não está mais à
procura, é uma fé de UTI. A diferença é que, em vez de procurarmos a partir de
um ponto zero, nós nos deixamos conduzir por uma Luz Superior: "Eu sou a
Luz do mundo" Jo.8, 12.
Imaginemos muitos desses caminhantes das
sombras entrando em nossas igrejas, ansiosos por ouvir algo que toque suas
feridas e aponte meios de cura! O que ouvem? O que sentem? Como saem dali?
Vale buscar inspiração em uma outra
passagem bíblica que se destaca na liturgia do tempo pascal. Aquela do apóstolo Tomé. Após descrer do
testemunho dos companheiros, Ele se confronta com o Senhor, face a face. -
"Vem cá, Tomé, olha para mim, vê minhas mãos, toca nas marcas das chagas.
Sou eu. Por que duvidas?" Cf.Jo, 20, 27-29. Neste momento o incrédulo Tomé
transforma-se no Tomé crente e comovido: "Meu Senhor e meu Deus!".
Qual foi a porta da conversão? Foi o "toque nas marcas das minhas chagas".
Aí se encontra a lição permanente do tempo
pascal: é preciso crer na eficácia do amor solidário, a despeito da visão
adversa dos fatos reais. S. Paulo chama o acontecimento do Calvário de
"loucura da cruz", e a põe em confronto com a pretensa sabedoria do mundo.
"Aquilo que o mundo reputa como loucura e fraqueza Deus converte em saber
e poder, a fim de confundir os que se passam por sábios e poderosos"
1Cor.1,18ss.
Narra uma antiga tradição que, um belo
dia, o diabo apareceu a São Martinho, disfarçado de Jesus Cristo. O santo viu,
não se impressionou e perguntou: "onde estão as feridas"? Moral da estória: não há outro caminho para
ver Jesus revivendo e operando ressurreições, hoje em dia, que não seja tocando
nas feridas do mundo.
É para nos guiar por este caminho que
invocaremos o Espírito Santo no próximo domingo: "Senhor e Criador que és
nosso Deus, vem inspirar estes filhos teus, e em nossos corações derrama a tua
luz, e um povo renovado ao mundo mostrarás". Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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