Marcelo Barros
“Quem
crê em qualquer coisa ou não sabe exatamente em que crer, ou não crê em nada de
forma profunda”, ensinava um professor de Bíblia. Assim, ele comentava a conclusão
da 1ª carta atribuída ao apóstolo João: “Filhinhos/as, cuidado com os ídolos”
(1 Jo 5, 21). De fato, no século XVI, em Genebra, o reformador João Calvino
repetia sempre: “O ser humano é uma permanente fábrica de ídolos”.
O termo ídolo vem do grego e significa
imagem falsa, que não corresponde ao original. Nestes tempos de publicidade,
pessoas famosas pagam agências e profissionais para cuidar de sua imagem. Quem
retoca a aparência física e faz cirurgia plástica para mudar algum defeito no
rosto não deixa de ser ele ou ela mesma. No entanto, quem se apresenta de modo
falso ou diz de si mesmo competências e capacidades que não possui comete o que
a lei chama “falsidade ideológica”.
Nas religiões, o termo ídolo designa
imagens não adequadas de Deus. Faz parte da cultura humana fazer imagens
físicas ou mentais de tudo aquilo com o qual as pessoas se relacionam. Desde
tempos muito antigos, os povos adoravam ao mistério divino nos astros. Outros
adoravam animais como o crocodilho do rio Nilo, a serpente na Babilônia, a
águia em Roma. Muitas culturas veem Deus nos antepassados. A Bíblia rejeita o
bezerro de ouro dos hebreus, mas aceita a serpente de bronze. Esta era uma
imagem de Deus que servia para curar as pessoas. A outra as afastava do caminho
da unidade e da libertação. Cinco séculos antes de Jesus, na Índia, Buda
advertia: “Não confunda a lua com o dedo
que aponta a lua”.
Em todas as épocas, o nome de Deus foi
tema de conflito. Até hoje, sempre que podem, impérios usam o nome de Deus para
se legitimar. Na Alemanha dos anos 30, Adolf Hitler começou o Nazismo afirmando:
“Deus acima de todos”. Muitos grupos e Igrejas cristãs ficaram contentes por
ter, finalmente, um presidente que falava em nome de Deus. Ao contrário, pastores
como Dietrich Bonhoeffer e outros denunciaram isso. Foram presos e condenados à
morte como ateus. Hoje, eles têm seus nomes no livro dos/das mártires da Igreja,
porque deram as suas vidas para que o opressor não instrumentalizasse o nome de
Deus a seu proveito.
Hoje, o nome de Deus está nas cédulas de
dólar, nas paredes de bancos, nas fachadas de casas de negócio e até em casas
de assassinos que, mentindo e servindo aos piores interesses da elite, se
apoderam do poder. A eles é preciso dizer Não! E em nome de Deus denunciar a
desonestidade de quem usa o nome de Deus para o mal.
No século VI, Gregório, o bispo de Roma,
ensinava: “Existem dois tipos de
idolatria: o primeiro é adorar deuses falsos e o outro é pior e mais perigoso:
adorar o Deus verdadeiro de maneira falsa”. Isso acontece quando se propaga
um deus cruel, insensível ao sofrimento dos pobres e com obsessão em problemas
sexuais, como se o corpo e o prazer não tivessem sido criados por Ele.
Há
quem use o nome de Deus para consolar uma mãe que chora a perda de um filho ou
filha, arrancada da vida em plena infância ou juventude. As pessoas costumam
dizer: “Deus quis assim”, ou “foi a vontade de Deus”. A mãe poderia perguntar: Que
Deus é esse que quer a morte de crianças inocentes?
Alguém compra um carro novo e coloca no
vidro um adesivo: “Este carro foi Jesus quem me deu”. Faz isso imaginando estar
sendo grato a Jesus. Será? “Que Deus é este que a um de seus filhos dá um
presente de consumo capitalista e à maioria das pessoas não dá nem o que
comer?”.
Depois de um grave acidente aéreo, um
passageiro que chegou atrasado e não embarcou no tal voo da morte, afirmou: “Deus
me salvou!”. Salvou a ele e deixou morrer mais de cem pessoas...
A Bíblia é muito sábia ao insistir no
mandamento que a tradição cristã traduziu como: “Não pronuncie o nome de Deus”.
Em cada celebração pascal, na renovação do batismo, a comunidade cristã é
convidada a dizer em que Deus crê. Entretanto, para isso, deve antes deixar
claro em qual Deus não crê. É isso que significa atualmente o que, em outros
tempos, se denominava renunciar ao demônio e a suas obras.
Devemos rejeitar as falsas imagens de um
Deus que serve para enriquecer Igrejas. Se Deus é Amor e Pai de todos não pode
gostar de pastores que, em plena pandemia, querem Igrejas abertas para
arrecadar o dízimo dos pobres. Deus não pode servir para disfarçar a maldade de governantes que
destilam ao mundo o seu ódio à humanidade, enquanto gritam: “Deus acima de
todos”.
Em 1943, de uma prisão nazista, em uma
carta ao cunhado, enquanto esperava ser executado, o mártir Dietrich Bonhoeffer,
pastor e teólogo luterano e grande opositor do Nazismo, escreveu:
“Deus
nos faz viver neste mundo, sem nos servirmos de sua presença. Durante todo o
tempo, vivemos diante de Deus e com Deus, mas como se Deus não existisse. Não
devemos nos utilizar dele como uma hipótese de trabalho. Desde que criou o
mundo, ele deu a suas criaturas e ao ser humano a autonomia de existir. Aceitou
se retirar e fica feliz quando nos vê como seres que podem viver e prosseguir
por conta própria sem, para tudo, se esconder em seu manto”.
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019.
Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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