Frei Betto
São inúmeras as iniciativas solidárias
para amenizar, em caráter de urgência, a fome agravada pela pandemia no Brasil.
O MST, com suas 30 mil famílias acampadas e 450 mil assentadas, até setembro do
ano passado já havia distribuído 3,5 mil toneladas de alimentos, em 24 estados,
a pessoas em situação de rua, associações de moradores, abrigos, asilos,
hospitais públicos e comunidades indígenas, além de incentivar a criação de
cozinhas e hortas comunitárias.
O
governo Bolsonaro não apenas extinguiu o Consea (Conselho Nacional de Segurança
Alimentar), em 2019, que havia sido criado pelo governo Lula em 2003, como fez
aumentar a insegurança alimentar nos lares brasileiros, atingindo 116,8 milhões
dos 212 milhões de pessoas – mais de metade da população.
Segundo
o IBGE (nov. de 2020), mais de 50 milhões de pessoas se encontravam na pobreza
e 13 milhões, na extrema pobreza. É considerado pobre quem tem renda per capita
mensal de, no máximo, R$ 499, e miserável aquele cuja renda mensal não
ultrapassa R$ 178.
Da
população brasileira, 14,4 milhões estão desempregados; 40 milhões sobrevivem
de empregos informais; 13,6 milhões vivem em favelas, dos quais metade está
desocupada. Metade das crianças brasileiras com menos de 5 anos, que somam 6,5
milhões, vivem em lares afetados pela insegurança alimentar. No Nordeste, 51%
das famílias não têm acesso regular aos alimentos e na região Norte, 57%.
Enquanto
se reduz o valor do auxílio emergencial e aumentam a inflação e os preços do
gás de cozinha e da gasolina, os dos alimentos subiram 19,42% nos últimos 12
meses. O menor valor da cesta básica é de R$ 445,90 (Aracaju) e o maior, R$
639,81 (Florianópolis). Por isso, 1/3 das famílias brasileiras se encontram em
insegurança alimentar.
No
Brasil, a fome tem cor, gênero, nível de escolaridade e (falta de) acesso ao
saneamento. Afeta 10,7% dos lares habitados por negros e pardos, contra 7,5%
dos lares de brancos; 11% dos lares chefiados por mulheres e 7% chefiados por
homens; os chefes de 14,7% dos lares não têm escolaridade ou não
completaram o ensino fundamental. Não têm acesso à água 44,2% dos lares.
Enquanto
o governo Bolsonaro “passa a boiada” e favorece o desequilíbrio ambiental ao
não reduzir as queimadas, combater a derrubada de florestas e a poluição de
rios pelo garimpo ilegal, o Brasil retorna ao mapa da fome. A devastação do
meio ambiente provoca climas extremos (seca e frio rigorosos) e ameaças
biológicas, como as ondas de gafanhotos e a Covid-19, na medida em que se interrompem
os ciclos de predadores naturais.
Essas
práticas trazem danos à agricultura e à pecuária. Ao converter perdas de
produção agrícola em equivalentes calóricos e nutricionais, ao longo de 10 anos
(2008-20018), a FAO constatou que elas atingiram o índice anual de 6,9 trilhões
de quilocalorias, o que equivale ao que 7 milhões de pessoas ingerem, em
calorias, por ano. Na América Latina e no Caribe, a perda por pessoa foi de 975
calorias, o que equivale a 40% da dose diária recomendada. Nosso Continente
superou a África (559 calorias) e a Ásia (283 calorias).
Segundo
Jean Ziegler, perito da ONU, o mundo, hoje, produz alimentos para 12 bilhões de
bocas. E somos 7,8 bilhões de habitantes, dos quais 8,9% sobrevivem em
insegurança alimentar e 24 mil morrem, por dia, em consequência da desnutrição.
Um total de 9 milhões por ano. Portanto, o problema não é a falta de alimentos,
e sim a falta de acesso a eles, ou seja, justiça. O capitalismo fez do
alimento, um direito natural como o ar que se respira, uma mercadoria. Come
quem pode pagar. Morre de fome quem não dispõe de renda.
Grandes
corporações transnacionais se apoderaram de terras, água e sementes. Produzem
transgênicos, que impedem os pequenos agricultores de replantarem e exigem mais
agrotóxico, causando danos à saúde humana e ao meio ambiente. Os agricultores,
impedidos de negociar diretamente sua produção, são obrigados a repassá-la às
empresas que controlam as commodities agrícolas, negociadas por fundos de
pensão e bancos de investimentos. Produtos como suco de laranja, milho, soja,
trigo e café, provenientes de amplas áreas de monocultura, são estocados quando
se faz necessário aguardar a majoração de seus preços no mercado. E a soja e o
milho são prioritariamente destinados a alimentar rebanhos, e não seres
humanos.
Diante
desse trágico panorama, o que fazer? O mais urgente é derrubar os vetos de
Bolsonaro à lei de Assis Carvalho, proposta no PL 735/2020, fundamental para
ampliar a produção de alimentos saudáveis pelas agriculturas familiar e
camponesa. Embora aprovado por significativa maioria da Câmara e unanimidade no
Senado, Bolsonaro vetou 14 dos 17 artigos, de modo a impedir o poder público de
comprar alimentos diretamente da agricultura familiar e doar às famílias mais
pobres. Vetou também estender o auxílio emergencial aos pequenos agricultores.
São
inúmeras as iniciativas solidárias para amenizar, em caráter de urgência, a
fome agravada pela pandemia no Brasil. O MST, com suas 30 mil famílias
acampadas e 450 mil assentadas, até setembro do ano passado já havia
distribuído 3,5 mil toneladas de alimentos, em 24 estados, a pessoas em
situação de rua, associações de moradores, abrigos, asilos, hospitais públicos
e comunidades indígenas, além de incentivar a criação de cozinhas e hortas
comunitárias.
Outros
exemplos de iniciativas solidárias são a Ação da Cidadania, a Cufa (Central
Única das Favelas), o G10 das Favelas, a Central de Movimentos Populares, os
Bancos de Alimentos, o Mesa Brasil Sesc, entre outras.
O
mais importante, contudo, é conquistar uma nação justa, com menos desigualdade
social e uma renda básica assegurada a cada cidadão e cidadã, sem que ninguém
sofra pela falta do mais elementar direito humano – o de se alimentar.
Frei Betto é escritor, autor de “Comer como um
frade – divinas receitas para quem sabe por que temos um céu na boca” (José
Olympio), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você
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