Marcelo Barros
Nesta semana, em muitos
lugares do hemisfério sul, cristãos das mais diferentes Igrejas se unem na Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos.
Há mais de cem anos, esta iniciativa surgiu, tanto no ambiente católico, como em
meios evangélicos. Ninguém deseja a uniformidade. A meta é a unidade na
diversidade e a serviço da humanidade. Nesse ano, o tema da Semana da Unidade
se inspira em uma palavra, que conforme o evangelho, depois da ceia, Jesus
teria dito aos discípulos e discípulas: “Permanecei
no meu amor e produzireis muitos frutos” (Jo 15, 5- 9). É o amor do próprio
Jesus em nós que se tornará elemento fundamental na missão de manifestar a
realização do projeto divino para o mundo.
Nos anos mais recentes, em
todos os continentes, a concentração da riqueza aumentou enormemente. As
desigualdades sociais triplicaram. Mesmo durante a pandemia, enquanto mais de
um bilhão de seres humanos afunda na insegurança alimentar e na pobreza
extrema, o lucro da elite dos mais ricos aumenta escandalosamente.
Para manter esta
realidade, governos e empresas aumentam gastos militares. O Instituto
Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) publicou que, em 2020, apesar da
pandemia e da consequente contração da economia, o gasto dos países com
armamentos alcançou US$ 1,8 trilhão, ou seja, 3,9% a mais que em 2019. Na
América do Sul, o Brasil responde por mais da metade das despesas militares de
todos os países juntos. Para 2021, o projeto do governo é gastar 10, 7 bilhões
de reais em armas, manutenção e salários dos militares. Isso apesar de que o
nosso país não vive nenhuma guerra
declarada, a não ser os massacres que, dia a dia, policiais e militares efetuam
contra a população mais pobre.
Em abril de 2020,
António Guterrez, secretário-geral da ONU pediu a todos os países que cessassem
quaisquer atos de guerra. Toda a humanidade deveria se dedicar à guerra contra
a pandemia. Apesar deste pedido, as guerras nacionais e internacionais
continuaram. Para não morrerem, milhões de pessoas são obrigadas a fugir de seus
territórios.
É triste constatar que os
países que mais desenvolvem a cultura armamentista e agressiva em relação aos
outros são aqueles nos quais a cultura dominante é ligada a alguma religião. É
mais triste ainda saber que, durante a história, o Cristianismo foi a religião
que mais pregou e defendeu guerras. Apesar dos ensinamentos sociais das Igrejas
que vêm do final do século XIX, o Cristianismo ainda legitima estruturas de
exclusão, de racismo e de desumanidade. Milhões de brasileiros/as sofrem de
desemprego e insegurança alimentar. Esta crise foi provocada não só pela
pandemia. Vem de antes e tem como causa a reforma trabalhista que retirou
direitos dos/as trabalhadores/as. Um dos setores que mais apoiaram essa
iniquidade foi a chamada Bancada da Bíblia, formada por pastores que se dizem
cristãos. Não poucos padres, bispos e grupos católicos apoiam o governo em sua
opção de descuido da saúde e abandono do povo. No Rio de Janeiro o governador
responsável pelo recente massacre do Jacarezinho se considera católico
fervoroso e carismático.
Diante disso, partidos e
grupos políticos a favor da humanidade procuram se unir e fazer uma frente
ampla para vencer o ódio e a desumanidade. Também os grupos cristãos e todas as
pessoas que buscam a Deus Amor precisam se organizar em um só ecumenismo contra
a barbárie. Hans Kung, o grande teólogo suíço que, partiu no mês passado, afirmou:
“O mundo não terá paz se as religiões não
aprenderem a dialogar entre elas e as religiões não dialogarão se as Igrejas
cristãs não se unirem”.
A verdadeira unidade terá
de ser construída a partir de baixo e das periferias do mundo e das Igrejas. Precisamos
construí-la no na nossa vida cotidiana e no nosso trabalho. No entanto sabemos
que ela é dom divino e precisamos pedi-la e nos dispor para recebê-la do Pai. Na
véspera de sua paixão, Jesus orou ao Pai pela unidade de todos/as os que um dia
viessem a crer nele: “para que sejam Um,
assim como Eu e Tu somos um. Que eles (elas) sejam unidos, para que o mundo
possa crer que Tu me enviaste” (João 17, 19- 21).
Marcelo Barros, monge
beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é
"Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019.
Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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