FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(17/09/2021)
Retornamos ao ano de 1643 a fim de
continuar apreciando a pregação do maior orador sacro da língua portuguesa,
desta vez com o propósito de conclui-la. Tendo apontado três remédios eficazes
para curar o amor enfermo, Vieira encerra a série com o de efeito mais
imediato: um outro amor maior.
Pode acontecer que nem o remédio natural
do tempo, nem o artificial da ausência nem o violento da ingratidão consegue
curar a enfermidade do amor. Dizem que amor com amor se paga. Mais certo é dizer que amor com outro amor se
apaga. Assim como dois contrários não podem estar juntos em um só sujeito,
assim também, no mesmo coração, não podem caber dois amores, porque o amor que
não é inteiro não é amor. Também costuma-se afirmar que o contrário da luz são
as trevas. Não é verdade. O contrário da luz é outra luz maior. Vejam as
estrelas: no meio das trevas brilham e resplandecem mais, porém, em aparecendo
o sol, desaparecem as estrelas. De modo semelhante, o melhor remédio para curar
o amor enfermo é um outro amor maior.
Ah, Senhor, que só o vosso amor, que não
teve remédio, possa ser remédio para as loucuras do nosso. Remediai tantas
cegueiras! Remediai tantos desatinos! Remediai tantas perdições! E pelo amor
com que nos amastes até o fim, tenha hoje fim todo amor que não leve a Vós!
Vieira prolonga-se bem mais tempo em sua
eloquência e afirma ao final: O
verdadeiro amor não procura a causa nem o fruto. Se eu amo porque me amam, meu
amor tem uma causa. Se amo para que me amem, estou buscando o fruto. Se amo
porque me amam, é uma obrigação, faço o que devo. Se amo para que me amem, é
uma negociação, procuro o que desejo. Quem ama porque o amam é agradecido. Quem
ama para que o amem é interesseiro. Mas quem ama porque ama e para amar, sem
outro porque nem para que, este ama verdadeiramente.
Certamente Deus não espera que alcancemos
tamanha perfeição no amor, mas convida-nos a procurá-la. Procurando-a sem visar
resultados, muitos encontraram os melhores resultados, muito mais do que
esperavam e almejavam. Esta é a utopia do amor, o dar tudo sem nada querer,
para tudo possuir.
Alguns sinais desta perfeição brilharam em
meio às nuvens escuras do coronavirus. Mas não sem antes confrontar-se com as
contradições humanas.
A primeira comunidade onde se faz o aprendizado do amor foi decerto a mais
afetada pelos acontecimentos fora da sua esfera.
Quanto tempo há de durar o impacto
psicológico naquela criança que se deparou com o pai, à porta do elevador, e o
viu recuar ostensivamente, e fugir do abraço carinhoso a que estavam
acostumados? Quem o viu na cena estampada nas redes sociais, nem tão cedo
esquecerá a perplexidade daquele olhar infantil.
Outras questões foram se levantando e
desafiando psicólogos e pedagogos. A convivência contínua, ininterrupta sob o
mesmo teto familiar é humanamente suportável?
E é bemfazeja para lidar com crianças e adolescentes? E mais: como definir a própria natureza do
lar, ele é o único abrigo seguro onde os familiares devem permanecer o máximo
de tempo, ou é, na verdade, o lugar para onde eles retornam com segurança,
depois do aprendizado nas diversas esferas públicas, igualmente indispensáveis?
Sobre estes assuntos, que se debrucem
pedagogos e psicólogos. O certo é que as grandes crises fazem aflorar os
paradoxos da natureza humana, expõem o que nela há de melhor e de pior. No
entanto, o instinto de sobrevivência e o anseio de felicidade prevalecem. A
humanidade venceu todas as pandemias da História. E está vencendo mais uma.
Temos, pois, motivo de cantar o salmo 8, "Senhor, a tua presença irrompe
por toda terra..." e continuar
batalhando contra o virus da pandemia moral, infinitamente mais letal do que o
covid e que se infiltra no corpo sócio-político-econômico desta pátria amada
Brasil.
Frei Aloísio Fragoso é
frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário