Frei Aloísio
(14/09/2021)
Estamos retomando a homilia do Pe. Antônio
Vieira, pronunciada no ano de 1643, na capela do hospital real, em Lisboa.
Tendo como tema a cura para a enfermidade do amor, Vieira indica o tempo e a
ausência como os dois primeiros remédios. Antes de ir adiante, ele polemiza uma
passagem do Evangelho: "vendo a tristeza de seus apóstolos, disse-lhes
Jesus: vocês estão tristes porque eu vou partir, porém é melhor que eu me vá,
pois, de
onde estiver, lhes
enviarei o Espírito Santo..."
"Como pode a ausência do amante
trazer maior amor para os amigos amados? Eu vou partir, porém isso é melhor pra
vocês, para que venha um amor maior.
Pode alguém contentar-se com tal despedida? E Vieira conclui: pois assim é o amor de Deus, tão grande na
presença quanto imenso na distância".
A seguir ele indica o terceiro remédio
para curar o amor enfermo. "Costuma-se dizer que os remédios mais amargos
são os mais eficazes. A ingratidão é o mais amargo e por isso o mais eficaz na
experiência do amor. Quando o tempo dimunui o amor e a experiência o esfria,
nós nos queixamos, mas nem sempre com razão. Porém quando a ingratidão fere o
amor, a razão fica toda do nosso lado, ela nos aprova e nos ordena: cura-te
deste amor. O tempo é coisa da natureza, a ausência pode ser forçada pelas
circunstâncias, porém a ingratidão é sempre um delito. O tempo tira a novidade
do amor, a ausência tira-lhe a comunicação, mas a ingratidão rouba-lhe o motivo.
O amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser
amado; se o deixamos de amar, não é culpa sua, é injustiça nossa; porém se for
ingrato, não é mais merecedor do amor".
Tudo isso são condicionamentos do amor
humano. Quando se trata do amor de Deus, é bem diferente: a maior ingratidão, o
nosso pecado, gerou a maior prova de amor: "Deus amou tanto o mundo que
não poupou seu Filho Unigênito". Pelo poder da fé somos capazes de imitar
o amor de Deus e encontrar outras formas de continuar procurando o bem do
outro, apesar do demérito da ingratidão.
Vivesse nos tempos atuais, em confronto
com o coronavirus, talvez o grande orador português tivesse que reavaliar suas
afirmações relativas à supremacia do amor de Deus, único capaz de ser "tão
grande na presença quanto imenso na distância". Desde que ele tomasse
conhecimento do desabafo de uma mãe idosa, divulgado nas redes sociais:
"faz muito tempo que estou no confinamento e o amor que meus filhos me manifestam
é deixar-me sozinha".
Daí brotam outras interpelações inspiradas
em fatos reais. De um momento para outro a prática do amor se torna algo
estranho, exigindo atitudes inéditas. Os gestos mais reconfortantes, beijos,
abraços, apertos de mão, comida partilhada, se tornam fonte de perigo e
angústia. Onde cuidar significava proximidade física, agora o meio de nos
proteger é nos afastar.
A crise desencadeada pela
pandemia nos obrigou a avaliar a importância da esfera pública em nossas vidas
privadas. E alguns levantaram questões mais graves, envolvendo o ambiente
doméstico: será que nossas casas são concebidas como um espaço permanente de
viver ou como um lugar para o qual retornamos? Eis aí perguntas questionadoras
que exigem voltarmos ao assunto na próxima Reflexão.
-Frei Aloísio
Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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