FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(13/09/2021)
No intento
de prosseguir em nossa abordagem sobre o amor divino e o amor humano,
entregamos a palavra a um novo personagem, unanimamente reconhecido como o
maior orador sacro da língua portuguesa, Pe. Antônio Vieira. Desta vez
invertemos a ordem dos fatores, sem afetar o valor essencial, partindo do amor
humano para chegar ao amor de Deus.
Foi no ano
de 1643. Na capela do hospital real em Lisboa. Chamado a fazer a homilia
festiva, Vieira pegou o mote do ambiente hospitalar e escolheu, como tema, o
amor, o amor magoado, fraturado, enfermo. Iniciou lembrando que estavam todos
reunidos numa casa de doentes e que ele tinha certeza de que Deus encontrava-se
também ali internado. Mas sua doença era incurável, era excesso de amor.
A partir
daí, Vieira discorre longamente sobre as ilusões e a provisoriedade do amor
humano, em confronto com a segurança e perenidade do amor divino. Confesso que
não escuto de bom grado esse antagonismo entre dois amores que, na verdade, procedem
de uma única fonte. Decerto Vieira está alertando para os desvios e engodos dos
amores, quando postos em corações
humanos.
Ele trata
da cura para a enfermidade do amor e aponta 4 remédios eficazes: o tempo, a
ausência, a ingratidão e outro amor maior.
Já vimos
que a mitologia grega representa o amor na figura de um menino, o famoso
Cupido, armado de flechas e asas. "O amor é sempre menino, afirma Vieira,
porque não envelhece, sendo verdadeiro. O tempo tira a novidade das coisas;
descobre-lhes os defeitos; enfastia-lhes o gosto e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. O próprio
amor é causa do não amar e o se ter amado muito, de se amar menos. Para as
outras enfermidades a dilatação do tempo é perigo, para os males do amor, no
entanto, é cura". Neste caso, Vieira está se referindo àquele amor marcado
pela fraqueza, pela inconstância, pela carência de razão, pelo excesso de
apetite. Este amor é doença, não é amor. O amor verdadeiro está preservado da
ação do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem a
eternidade o cansa. Nas demais situações da vida, as coisas que deixaram de ser
é porque já foram; no amor, ao
contrário, o deixar de ser é sinal do
nunca ter sido. Deixastes de amar? Então nunca amastes! Teu amor chegou ao fim?
Então nunca teve princípio!"
O segundo
remédio para curar a enfermidade do amor é a ausência. Vieira lembra que o amor
é como a lua, havendo a terra no meio, acontece o eclipse. Semelhantemente, a
distância entre as pessoas, aqui na terra, tira as forças do amor. Ele descreve
um exemplo com cenas metafóricas: "despediram-se com grandes demonstraçôes
de afeto os que muito se amavam. Apartaram-se enfim. E, se tomardes o pulso ao
mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades; que rebentam
nos olhos as lágrimas; que saem da boca alguns suspiros; são as últimas respirações do amor. Mas, se
voltardes, depois deste ofício de corpo presente, que achareis? Os olhos
enxutos, a boca muda, o coração sossegado; tudo esquecimento, tudo frieza; a
ausência fez seu ofício, como a morte: apartou e, depois de apartar,
esfriou".
Tratando-se, porém, do verdadeiro amor, a distância não pode desfazê-lo
porque ele não é a união de lugares e sim a união de vontades. A distância,
neste caso, pode apartar os corpos, mas não pode dividir os corações, pode
impedir a vista, mas não esfriar o afeto"
Neste ponto
Vieira faz uma belíssima associação com o amor transcendental da Santíssima
Trindade, cuja versão o limite do espaço nos obriga a adiar para a próxima
Reflexão.
A pandemia
do coronavirus trouxe-nos exemplos de sobra, ilustrando estas idéias do Pe.
Vieira. Lembremos o caso real, divulgado nas "redes", do jovem
infectado pelo virus da covid, desenganado pelos médicos, consciente de sua
morte próxima. Seu último gesto foi pedir
o celular do médico. Queria falar com sua mãe. Na hora de confrontar-se com o
Grande Mistério, ele buscou a luz do amor distante. Naquele momento, amor
filial e amor materno, conectados, transcenderam, divinizaram-se e fundiram-se
numa só coisa.
-Frei Aloísio
Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
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