FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(04/09/2021)
Parece ser
uma tarefa difícil tomar a defesa do amor contra as ameaças dos preconceitos e
discriminações. Afinal de contas, se dois parceiros decidem amar-se, nada
poderá impedi-los, enquanto perdurar sua convergência de desejos e sentimentos.
Isso seria uma verdade irrefutável, caso eles pudessem confinar seu amor no
mundo dos sentimentos e das palavras. Porém o amor é sobretudo uma construção
de vidas em parceria. Vidas humanas não se constroem à margem dos
acontecimentos em sua volta. Amor algum é uma ilha.
Ao
contrário, somos enriquecidos pela experiência dos que, antes de nós,
caminharam pelas suas trilhas. E no amor encontraram o valor único, em função
do qual se nasce, se vive, se morre.
Da antiga
civilização grega herdamos a figura de EROS, símbolo do amor romântico,
associado ao prazer, ao desejo, à paixão. Quem foi Eros? Segundo a narrativa de
Platão, os deuses banqueteavam-se, celebrando o aniversário da deusa AFRODITE. Então PORO, a abundância,
embebedou-se de nectar e adormeceu no jardim. Foi aí que PÊNIA, a penúria, aproveitando-se da situação,
manteve com ele uma relação carnal. Desta união da abundância com a penúria
nasceu EROS, esta figura de garoto travesso, ambivalente, sedutor e matreiro,
atraente e ilusório, às vezes de venda nos olhos, armado de arco e flecha pronto a "ferir" quem se oferece ao
seu alvo. No entanto, AFRODITE desgostava-se do filho porque ele permanecia
criança, não crescia. Consultou TEMIS, a prudência, e esta lhe fez ver o
motivo: EROS vivia muito solitário, precisava de companhia, precisava de um
irmão. AFRODITE deu à luz outro filho, ANTEROS, e, daí em diante, o pequeno
deus passou a crescer e tornou-se o mais belo deus do Olimpo.
A sabedoria dos gregos nos legou também a
ciência dos quatro elementos planetários, terra, água, fogo, ar. Alguns de seus
pensadores julgaram necessário acrescentar mais dois: o amor e o ódio; o
primeiro como força de atração e o segundo como força de repulsão. Daí
firmou-se a crença no amor cósmico, a saber, nada que tem vida sobrevive sem o
impulso de uma energia amorosa. As plantas amariam a terra através das leis da
vegetação. Os animais se amariam através dos instintos naturais. Até os corpos
químicos participariam desta lei universal pela afinidade de uns com os outros.
O
Cristianismo abandonou esta concepção do amor cósmico. O amor é distintivo
exclusivo do ser humano, único feito à imagem e semelhança do Criador. Nem por
isso devemos descartar o legado luminoso da mitologia grega. O amor exige
parceria e relação pessoal. Onde isso não se dá, a pessoa não está habilitada a
crescer e aperfeiçoar-se. Na solidão ela perde suas energias vitais, apenas
subsiste, apenas circula em volta de si, (como diz Raul Seixas),
"esperando a morte chegar".
A pandemia
do coronavirus remontou-nos àquela visão bipolar do amor cósmico. Quem
olhou atento às reações emocionais de
algumas pessoas logo após a vacinação, decerto vislumbrou algo de sobrenatural,
uma espécie de êxtase, o ápice de um ato de amor gerado de muitos fatores: o
trabalho silencioso e oculto dos cientistas, o serviço dos profissionais de
saúde ali presentes e também o movimento da matéria química penetrando no corpo
agraciado.
Simultaneamente eclode a força oposta do caos. Ele acomete nas atitudes
do mandatário da nação e seus asseclas, pregando a intolerância ideológica, o
preconceito patológico, a xenofobia, acionando a energia repulsiva do ódio .
É hora de
acionar Princípio Unificador, pelo poder da Fé.
O Deus que esteve em quaisquer manifestações de amor, desde o princípio
do mundo, que esteve em Eros, estará, infinitamente, em nós. E, neste momento,
nos convoca para a ação.
-Frei
Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário