Por Francisco de Aquino Júnior
Vivemos tempos difíceis e
até dramáticos: O crescimento da extrema direita com sua política antissocial
de desmonte do que resta de políticas sociais e de aversão aos direitos humanos
tem levado a um aumento escandaloso da pobreza e das mais diversas formas de
violação dos direitos humanos (feminicídio, racismo, homofobia etc.). Com o
agravante de que tudo isso se dá com a cumplicidade – até militante – de amplos
setores das igrejas cristãs e de seus pastores, destruindo a herança mais
importante da tradição judaico-cristã para a civilização ocidental: o ser
humano criado à “imagem e semelhança de Deus” ou a dignidade fundamental de
todo ser humano. Mas, precisamente neste tempo, somos chamados a dar testemunho
de uma esperança ativa e criativa, provada na cruz, regada com sangue
martirial, sustentada e dinamizada pelo Espírito do Senhor que “a partir de
baixo” vai reciclando/refazendo/recriando a vida.
Como tanto insistiu Paulo
Freire, a esperança é uma dimensão fundamental da vida humana. Aquela dimensão
que faz de nossa vida uma obra inacabada e uma tarefa permanente. É a dimensão
utópica da vida. Aquilo que nos desinstala, que nos mobiliza, que nos põe a
caminho. É uma “necessidade ontológica” e, enquanto tal, um “imperativo
existencial e histórico”. Sem esperança a vida humana se torna impossível. “A
desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir ao fatalismo onde não é possível
juntar as forças necessárias ao embate recriador do mundo”. Por isso, dizia:
“sem poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões
históricas, econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência
humana e a necessária luta para fazê-la melhor sem esperança e sem sonho”. O
homem é “um ser da esperança que, por ‘n’ razões, se tornou
desesperançado”. Mas a esperança renasce sempre de novo, quando menos se espera
e de onde menos se espera. E a razão última ou a fonte última dessa esperança,
como indicou o papa Francisco na encíclica Laudato Si’, é a presença
salvífica e re-criadora do Espírito de Deus no mundo. Ele “encheu o universo de
potencialidades que permitem que, do próprio seio das coisas, possa brotar
sempre algo novo” (LS, 80). Por isso, “nem tudo está perdido”. Não se deve
esquecer jamais que “os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação,
podem também se superar, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de
qualquer condicionamento psicológico e social que lhe seja imposto”. Nada é
definitivo nesse mundo. “Não há sistemas que anulem, por completo, a abertura
ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a
reanimar no mais fundo dos nossos corações” (LS, 205).
Mas a esperança sozinha
não transforma o mundo. Não basta querer e sonhar. É preciso ousar, arriscar,
inventar… Nas palavras de Paulo Freire, “a esperança é necessária, mas não é
suficiente […]. Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar
movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no
pessimismo, no fatalismo”. A esperança que transforma o mundo é uma esperança
ativa/criativa que se faz resistência e luta cotidianas. Resistência
crítica: na denúncia, no enfrentamento e na luta contra toda forma de opressão,
injustiça, exploração e negação de direitos. Resistência criativa: na
construção de novos padrões e novas formas de atividade econômica
(agroecologia, economia solidária, tecnologias sociais etc.), de novas relações
de gênero, da cultura da solidariedade, de articulação das forças populares, de
cultivo da dimensão místico-espiritual. E todo esse processo, adverte Ignacio
Ellacuría, teólogo-mártir salvadorenho, é marcado por uma tensão fecunda entre
o “ideal utópico” e sua “moderação realista”. O “ideal utópico” impede o
fatalismo, o conformismo e a resignação diante das injustiças, bem como o
pragmatismo político que é fruto de conchavos e negociatas com as elites. A
“moderação realista”, por sua vez, “sem perder seu ideal utópico, o modera
conforme as possibilidades históricas”. Isso exige lucidez, discernimento e
sabedoria. A vida não funciona na base do “tudo ou nada”. Um passo para frente
ou mesmo para trás pode ser decisivo para novas conquistas. E, de novo, é
importante perceber a dimensão estritamente espiritual desse processo, através
do qual o Espírito do Senhor, que é Espírito de vida e que “atua a partir de
baixo”, vai reciclando, refazendo, recriando a vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário