Por Fábio dos Santos
Potiguar
Tomou bacia e toalhas nas
mãos
Se nós nos deixamos ser
mergulhados por Deus em seu mistério, nós será manifestado que o “Deus
altíssimo” é extremamente humilde, é na verdade o “Deus baixíssimo”, o
seu “reino não
é deste mundo...
não é daqui”
( Jo 18,36 ). Nos reinos desse mundo, dizia Jesus, “ os reis das nações
as dominam e os grandes tiranizam. Entre vocês não deverá ser assim. Ao
contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vocês, seja aquele que
serve, e quiser ser o primeiro seja o último de todos. Deste modo o filho de
Deus não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida” ( Mt 20,
25-28 ). Jesus diz “ entre vocês não será assim” porque no “ entre nós trinitário”
não é assim. Deus é o grande em ser pequeno, o primeiro por ser o último, o
senhor por ser o servo.
Conhecer e amar a Deus
verdadeiramente é adorá-lo pelo avesso. O agir de Deus é servir e não ser
servido porque seu ser é serviço. Aqui na terra ele tomou bacia e toalha nas
mãos para lavar e beijar os pés dos homens ( Jo 13 ) e lá no céu o encontramos
não no seu trono glorioso, com coroa na cabeça e cetro na mão, mas de avental e
bandeja servindo aqueles que chegam ao festim celestial. “ felizes os servos
que o senhor, à sua chegada, encontrar vigilantes. Em verdade digo a vocês, ele
se cingirá e os colocará à mesa e, passando um por um, os servirá” (Lc 12,37).
Em Jesus, Deus desmantela
toda uma idéia de um “ Deus Imperador do Universo” ou do “ chefe de polícia do
mundo”. Em Jesus, Deus se faz pobre para nos enriquecer (2 Cor 8,9), fraco para
nos fortalecer(2 Cor 13,14), se faz pecado para nos perdoar(2 Cor 5, 21).
Para os judeus daquela
época não foi possível reconhecer Deus em Jesus. Era um escândalo! O mesmo para
os gregos e romanos. Era uma loucura! Uns não podiam aceitar que o Grande se
fizesse pequenino, outros que o Todo Poderoso se tornasse fraco.
Talvez nós preferíssemos
um Deus diferente. Um Deus forte, poderoso, que pudesse servir a uma fé de tipo
utilitarista. Um Deus curandeiro, farmácia, tapa-buraco... um Deus sem
incidências em nossas vidas, com quem não temos uma relação profunda e
concreta... basta recorrer a Ele nas “horas de aperreio”, chaleirando-o,
bajulando-o para ver se Ele faz alguma coisa. Ou preferimos um Deus justiceiro
que venha castigar os ímpios e pecadores; que ama somente os “bonzinhos” e para
que Ele não nos castigue, nós devemos nos “comportar direitinho”.
Nós pensamos em um Deus a
quem devemos amar sobre todas as coisas, mais eis que Ele nos ama por primeiro.
Imaginamos um Deus autoritário, todavia, Ele nos diz: “ se tu
queres...”(Mt.19,21). Pensamos que devemos procurar a Deus, porém, Ele veio
procurar e salvar o que estava perdido. Na verdade, amamos Aquele que nos ama,
desejamos Aquele que nos quer, buscamos Aquele que nos procura.
Molhado de chuva
Deus é humilde, singelo. Deus é discreto. Nós celebramos
solenemente as grandes festas litúrgicas. O Natal do Senhor, a Epifania, o
Batismo, a Apresentação ao Templo e a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes. Mas
eis em todas elas de fato se passaram sem triunfalismos! É justo que as
celebremos assim: na alegria e no antegozo de sua plenitude nos céus, porém sem
jamais esquecer que o Rei e Senhor que celebramos é totalmente diferente da
realeza e senhorio do arquétipo humano.
O Natal se passa no anonimato de uma noite, num lugar
extremamente pobre e são os pobres pastores que correm para acolher Deus que
acaba de chegar ao mundo. A Epifania é desconhecida de todos, com exceção dos
magos que vieram de longe e conheceram a divindade, a realeza e a humanidade do
menino, de resto, em Jerusalém, todos ignoravam o fato. Também na apresentação
ao templo, somente os dois lindos velhinhos Ana e Simeão foram capazes de
reconhecer no menino a luz das nações ( Lc 2,32). No Batismo encontramos Deus
nu, na fila dos pecadores e penitentes para mergulhar nas águas do Jordão;
foram eles, as águas e pecadores, as únicas testemunhas da manifestação do
Batismo e, lá, João estupefato ao ver Deus tão humilde assim “... tentava
dissuadi-lo, dizendo: eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu
vens a mim?” (Mt 3,14).
E a ressurreição do Senhor e sua gloriosa ascensão? Nunca vi
nada mas discreto e despido de qualquer tipo de glória humana ou revanche
contra aqueles que o crucificaram. Por que Jesus não foi ao Templo proclamar o
seu triunfo sobre a morte e o pecado? Porque não subiu aos céus diante de
todos? O Pentecostes não poderia ser uma extraordinária demonstração da mão
poderosa de Deus? Assim tudo seria mais fácil! Todavia, o nosso Deus é um Deus
que triunfa sem triunfalismo.
O exibicionismo, a ostentação e o triunfalismo
não combinam com a humildade de Deus. Sua morte e ressurreição que nos salva
não é objeto de espetáculo, mas de uma livre adesão da mulher e do homem ao
gratuito Dom da graça salvífica.
Deixo aqui um poema de um
místico hindu do século XIV:
Ele veio me procurar
A noite era escura
Densas nuvens escureciam
o céu
Ele veio por este caminho
solitário molhado de chuva
Eu estava lá com meus
amigos
e me divertia com minhas
brincadeiras frívolas
Meu Deus! Eu não fui ao
seu encontro
Mas Ele veio
Ele ficou sobre as
árvores molhado de chuva.
Fabio
dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, e capelão da
igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.
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