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quarta-feira, 20 de maio de 2020

A HUMILDADE DE DEUS




Por Fábio dos Santos Potiguar

Tomou bacia e toalhas nas mãos

 

Se nós nos deixamos ser mergulhados por Deus em seu mistério, nós será manifestado que o “Deus altíssimo” é extremamente humilde, é na verdade o “Deus   baixíssimo”,   o  seu  “reino   não   é   deste  mundo...   não  é  daqui”  ( Jo 18,36 ). Nos reinos desse mundo, dizia Jesus, “ os reis das nações as dominam e os grandes tiranizam. Entre vocês não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vocês, seja aquele que serve, e quiser ser o primeiro seja o último de todos. Deste modo o filho de Deus não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida” ( Mt 20, 25-28 ). Jesus diz “ entre vocês não será assim” porque no “ entre nós trinitário” não é assim. Deus é o grande em ser pequeno, o primeiro por ser o último, o senhor por ser o servo.

 

Conhecer e amar a Deus verdadeiramente é adorá-lo pelo avesso. O agir de Deus é servir e não ser servido porque seu ser é serviço. Aqui na terra ele tomou bacia e toalha nas mãos para lavar e beijar os pés dos homens ( Jo 13 ) e lá no céu o encontramos não no seu trono glorioso, com coroa na cabeça e cetro na mão, mas de avental e bandeja servindo aqueles que chegam ao festim celestial. “ felizes os servos que o senhor, à sua chegada, encontrar vigilantes. Em verdade digo a vocês, ele se cingirá e os colocará à mesa e, passando um por um, os servirá” (Lc 12,37).

 

Em Jesus, Deus desmantela toda uma idéia de um “ Deus Imperador do Universo” ou do “ chefe de polícia do mundo”. Em Jesus, Deus se faz pobre para nos enriquecer (2 Cor 8,9), fraco para nos fortalecer(2 Cor 13,14), se faz pecado para nos perdoar(2 Cor 5, 21).

 

Para os judeus daquela época não foi possível reconhecer Deus em Jesus. Era um escândalo! O mesmo para os gregos e romanos. Era uma loucura! Uns não podiam aceitar que o Grande se fizesse pequenino, outros que o Todo Poderoso se tornasse fraco.

 

Talvez nós preferíssemos um Deus diferente. Um Deus forte, poderoso, que pudesse servir a uma fé de tipo utilitarista. Um Deus curandeiro, farmácia, tapa-buraco... um Deus sem incidências em nossas vidas, com quem não temos uma relação profunda e concreta... basta recorrer a Ele nas “horas de aperreio”, chaleirando-o, bajulando-o para ver se Ele faz alguma coisa. Ou preferimos um Deus justiceiro que venha castigar os ímpios e pecadores; que ama somente os “bonzinhos” e para que Ele não nos castigue, nós devemos nos “comportar direitinho”.

 

Nós pensamos em um Deus a quem devemos amar sobre todas as coisas, mais eis que Ele nos ama por primeiro. Imaginamos um Deus autoritário, todavia, Ele nos diz: “ se tu queres...”(Mt.19,21). Pensamos que devemos procurar a Deus, porém, Ele veio procurar e salvar o que estava perdido. Na verdade, amamos Aquele que nos ama, desejamos Aquele que nos quer, buscamos Aquele que nos procura.

 

Molhado de chuva

         Deus é humilde, singelo. Deus é discreto. Nós celebramos solenemente as grandes festas litúrgicas. O Natal do Senhor, a Epifania, o Batismo, a Apresentação ao Templo e a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes. Mas eis em todas elas de fato se passaram sem triunfalismos! É justo que as celebremos assim: na alegria e no antegozo de sua plenitude nos céus, porém sem jamais esquecer que o Rei e Senhor que celebramos é totalmente diferente da realeza e senhorio do arquétipo humano.

         O Natal se passa no anonimato de uma noite, num lugar extremamente pobre e são os pobres pastores que correm para acolher Deus que acaba de chegar ao mundo. A Epifania é desconhecida de todos, com exceção dos magos que vieram de longe e conheceram a divindade, a realeza e a humanidade do menino, de resto, em Jerusalém, todos ignoravam o fato. Também na apresentação ao templo, somente os dois lindos velhinhos Ana e Simeão foram capazes de reconhecer no menino a luz das nações ( Lc 2,32). No Batismo encontramos Deus nu, na fila dos pecadores e penitentes para mergulhar nas águas do Jordão; foram eles, as águas e pecadores, as únicas testemunhas da manifestação do Batismo e, lá, João estupefato ao ver Deus tão humilde assim “... tentava dissuadi-lo, dizendo: eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu vens a mim?” (Mt 3,14).

         E a ressurreição do Senhor e sua gloriosa ascensão? Nunca vi nada mas discreto e despido de qualquer tipo de glória humana ou revanche contra aqueles que o crucificaram. Por que Jesus não foi ao Templo proclamar o seu triunfo sobre a morte e o pecado? Porque não subiu aos céus diante de todos? O Pentecostes não poderia ser uma extraordinária demonstração da mão poderosa de Deus? Assim tudo seria mais fácil! Todavia, o nosso Deus é um Deus que triunfa sem triunfalismo.

 O exibicionismo, a ostentação e o triunfalismo não combinam com a humildade de Deus. Sua morte e ressurreição que nos salva não é objeto de espetáculo, mas de uma livre adesão da mulher e do homem ao gratuito Dom da graça salvífica.

Deixo aqui um poema de um místico hindu do século XIV:

 

Ele veio me procurar

A noite era escura

Densas nuvens escureciam o céu

Ele veio por este caminho solitário molhado de chuva

Eu estava lá com meus amigos

e me divertia com minhas brincadeiras frívolas

Meu Deus! Eu não fui ao seu encontro

Mas Ele veio

Ele ficou sobre as árvores molhado de chuva.

 

Fabio dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.

 


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