Por Marcelo Barros
No mundo atual, milhões de pessoas vivem em situação
semelhante à escravidão. No passado, Igrejas e religiões conviveram com isso e
até legitimaram essa estrutura em nome de Deus. Hoje, é preciso considerar a
luta contra qualquer tipo de escravidão como ato espiritual.
Atualmente,
no Brasil, poucas pessoas recordam o 13 de maio como data a ser celebrada. De
fato, a lei áurea que, em 1888, decretou a abolição da escravatura deixou a
população escrava sem qualquer amparo. Assim, serviu para propiciar novas
formas de escravidão até mais econômicas e mais seguras para os senhores. Atualmente,
o próprio governo federal esvazia órgãos de proteção ao trabalhador, sanciona
leis que favorecem o trabalho precário, incentiva invasão de terras indígenas e
criminaliza movimentos sociais. Apesar disso, nos últimos 20 anos, pela força
de organismos da sociedade civil e de Igrejas, quase 50 mil pessoas foram
libertadas de fazendas, nas quais trabalhavam acorrentadas, ou sob mira de
armas ou apenas para ganhar comida e leito para dormir. Apesar disso, em todo o
país, ainda existem empresas rurais, carvoarias e fábricas de fundo de quintal que
empregam pessoas em condições semelhantes à escravidão. Conforme pesquisas
atuais, no Brasil, 50% da escravidão
atual acontece no setor pecuário.
De acordo com
Jessé de Souza, em seu livro “A classe média no espelho”, a sociedade
brasileira ainda é profundamente escravagista. Em um país de 210 milhões de
habitantes, apenas 800 pessoas determinam tudo o que acontece no país. Há mais
de cem anos, a maioria da classe média se junta sempre com a elite, para
explorar os milhões de pessoas mais pobres. A elite controla todos os grandes
meios de comunicação e garante que sua ideologia continue defendida por
intelectuais poderosos e algumas universidades importantes. Se, por acaso,
ocorrer que um presidente ou governante quiser mexer na exclusão das massas,
basta acenar com a palavra mágica “corrupção”. Afinal, sempre foi esta a arma
para derrubar presidentes. Em 1954, forçaram Getúlio Vargas a suicidar-se. Em
1964, com este mesmo pretexto, derrubaram o presidente João Goulart e
instalaram a ditadura militar. Em 2016, inventaram o impedimento da presidente
eleita, assim como em 2018, condenaram sem provas o ex-presidente Lula. Nestes dias, em plena pandemia, empresários e
representantes do Capital fizeram manifestações em São Paulo. Devidamente
fechados em seus carros de luxo, os carros de som gritavam: O Brasil não pode
parar. Assim, diziam: vocês, trabalhadores pobres têm de voltar para produzir
riqueza para nós. Se a abertura de fábricas e do comércio contagiar mais gente
e produzir mais mortes, não tem importância porque será entre vocês pobres.
Nós, ricos, estaremos protegidos em nossos castelos, ou apartamentos de
luxo.
Infelizmente,
o retrato do resto do mundo não é diferente. De acordo com ‘Walk Free Foundation’
[Fundação Caminhar em Liberdade], ONG que compila anualmente um Índice Global da
Escravidão, calcula-se que, atualmente, mais de 60 milhões de pessoas vivam
como escravos/as. A pesquisa aponta que a escravidão existe em 167 países,
mesmo na Europa e na América do Norte. As formas atuais da escravidão podem ser
trabalhos precários e desumanos, o tráfico de escravas e escravos sexuais,
trabalho infantil não remunerado e assim por diante. Na Inglaterra, Kevin
Bales, professor de sociologia da Universidade de Surrey, declarou que, já no
começo do século XXI, no Reino Unido, 27 milhões de pessoas viviam na
escravidão. Como será atualmente?
A Oxfam-
Solidarity afirma que antigamente um escravo era um investimento pesado. No
século XIX, comprar um escravo era como, atualmente, adquirir um trator.
Atualmente, no mundo escravos são baratos e numerosos. Na Europa, um migrante
clandestino pode ser adqurido como escravo por módicos 125 euros. No Fórum
Econômico Mundial que aconteceu em janeiro de 2020 em Davos, Suiça, a Oxfam
mostrou que esta realidade vem do fato de que, no mundo inteiro, “2.153
bilionários têm mais riqueza do que os 4,6 bilhões de pessoas, que constituem
60% da população mundial.” Movimentos
sociais protestaram que a desigualdade ainda é muito maior do que esta aí
revelada.
Para quem tem fé, o pior é saber: os países que sustentam esta estrutura são aqueles que têm o nome de Deus na sua Constituição e se dizem cristãos. Os que têm menor desigualdade social são os que se dizem não religiosos. Na Idade Média, escrevia um místico cristão: Que Deus nos livre de Deus! (isso é desta imagem de Deus que aparece na célula do dólar e na parede dos palácios dos que zombam do nome divino). Para salvar o nome de Deus que anda tao mal falado, temos mesmo de lutar contra todo tipo de escravidão.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os
nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
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