Por Frei Aloísio Fragoso
Esta manhã me veio à cabeça uma ideia meio
estapafúrdia, de assistir a um duelo entre um Coronavírus e um antropovírus.
São duas palavras bastante sugestivas ("corona", do latim, coroa, e
"antropos", do grego, ser humano). O mesmo sufixo para as duas poderia
complicar, mas é aí que reside o segredo deste confronto. O vírus do corona
origina-se de um microorganismo da natureza pura, enquanto o antropovírus
procede de uma iniciativa do ser humano, em pleno gozo de suas faculdades
mentais.
Passemos ao cenário desta disputa.
Andamos todos extremamente abalados pela
ação devastadora do COVID- 19. Não nos
resta motivação de analisar as causas primárias e raízes profundas que nos
fizeram chegar, enquanto humanidade, a esta tenebrosa situação. Por isso passam
desapercebidas certas verdades que envelhecem nos subterrâneos da História ou
são soterradas nos túmulos de suas vítimas. Logo se vê que se trata de verdades
controversas.
Observemos como os efeitos devastadores do
Coronavírus irrompem à vista de todos, em palco aberto. A mesma coisa não
acontece com a ação do antropovirus, suas sequelas escondem seu veneno, suas
ofertas trazem embalagens enganadoras.
A História mesma comprova que, em ambos os
casos, estas sequelas podem virar pandemia, seguidas de milhões de vítimas.
Consideremos alguns exemplos trágicos e
representativos, originados da natureza cega ou provocados pela ambição humana:
A Peste Negra sirva de primeiro exemplo;
ela irrompeu em 1374, durou 4 anos e
ceifou 20 milhões de vidas. A Gripe Espanhola seja outro caso a
considerar: chamada Mãe das pandemias,
perdurou de 1918 a 1919 e causou a morte de 50 milhões de pessoas. Bem maiores,
no entanto, foram os números de mortos das duas grandes Guerras Mundiais: mais
de 20 milhões, entre militares e civis, na primeira, deflagrada em 1918; e
cerca de 70 milhões, na segunda,
iniciada em 1939. (usamos estatísticas oficiais, de acordo com seu cálculo
máximo e aproximado).
Além destas vítimas fatais, acrescentem-se
outras milhões, a quem ensinaram como matar, mas não como continuar vivendo, e
viraram mortos-vivos, no pós-guerra, por conta de depressão, traumas e paranoias.
Os números falam por si mesmos, mas não
constituem o argumento mais revelador das verdades ocultas. O ataque do Coronavírus
é como a invasão de um "inimigo" inocente, que não sabe o que está
fazendo. Já a deflagração da guerra é sempre proposital, seus autores visam metas claras de conquista,
domínio, poder, enriquecimento. No primeiro caso, o aniquilamento de vidas
acontece irracionalmente, no segundo caso, intencionalmente. Em 1940, o vírus
que desencadeou a segunda guerra mundial estava infiltrado na mente de um
psicopata, chamado Hitler, contou com a conivência de dezenas de outros
psicopatas e contaminou milhões "inocentes úteis" e omissos.(Hitler
tornou-se parâmetro para outros tantos iguais a ele que se reproduzem na
humanidade).
Os antigos romanos tinham o seguinte
ditado: "Bella matribus detesta" (as guerras detestadas pelas mães).
Escolheram a imagem da dor no coração materno como símbolo do absurdo de todas
as guerras.
Atualizemos esta imagem. Imaginemos a
dolorosa ansiedade das mães que esperam seus filhos internados, a quem não
podem ver, ou profissionais da saúde nos hospitais destinados às vítimas da
pandemia. Reportemo-nos também ao passado e imaginemos a ansiedade maior
daquelas outras mães dos milhões de filhos lutando nos fronts da guerra, com
poucas chances de voltar para casa. Podemos avaliar as estatísticas, os números,
mas a dor é sempre a mesma.
No século 15, um dos maiores gênios da
História, Leonardo da Vinci, foi contratado para pintar um quadro em homenagem
à batalha vitoriosa de seus conterrâneos. Ele iniciou a obra, mas nunca
conseguiu acabá-la. O motivo é que resolvera pintar não a glória, mas sim a
fúria de uma guerra. E concluiu que esta façanha supera a capacidade de
qualquer gênio. Desistiu e escreveu, por fim: "a guerra é a mais bestial
das loucuras".
O mínimo que se pode aprender deste duelo
fictício do vírus natural contra o artificial é que existe uma conexão
irrevogável entre os seres criados. Eles não sobrevivem por caminhos autossuficientes.
Assim como hoje debochamos da ignorância dos nossos antepassados, há milhares
de séculos atrás, nossos descendentes irão rir da nossa incapacidade de saber
como beneficiar-nos de microrganismos que hoje nos atacam e nos matam. Quantos
séculos se passaram até compreendermos que muitos animais possuem armas
mortíferas para defender-se e não para atacar! E por isso os atacamos como
inimigos ferozes. Do veneno da cobra fabrica-se hoje o medicamento mais eficaz
para casos emergenciais de hipertensão, o captopril. Nós que tememos vírus
naturais fabricamos vírus morais muito mais devastadores. O pior deles acha-se
enraizado no DNA do Sistema Social dominante, chama-se individualismo. O
individualismo é incomparavelmente mais letal do que o Coronavírus.
Na primeira página da Bíblia está escrito:
"Tendo criado todas as coisas, Deus contemplou sua obra e viu que tudo era
muito bom" Gen.1,31.
Nestas palavras há um chamado
endereçado a toda a humanidade: descobrir a utilidade de todas as coisas
criadas, inclusive destas que hoje nos amedrontam e provam como ainda somos
pequenos.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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