Por Marcelo Barros
Cada
vez mais a experiência tem mostrado que Igrejas e outras religiões precisam
acolher a experiência que estamos vivendo nestes dias de quarentena e se
organizarem como pequenos grupos (cenáculos) de convivência e de esperança para
o mundo.
Neste tempo da quarentena provocada pela
pandemia do Coronavírus, grupos espirituais dos mais diversos se reúnem por
internet. Orações e encontros espirituais tomam conta da rede virtual. São novas
formas de nos reunir, ensaios de um jeito novo de dialogar e conviver. Claro
que esperamos que esta tragédia passe quanto antes e possamos nos encontrar
presencialmente, nos abraçar e caminhar juntos. Na forma virtual a que agora a
realidade nos obriga e, principalmente, quando pudermos retomar as atividades
cotidianas, precisamos fortalecer redes de comunhão, mas a partir destes
pequenos grupos dispersos aqui e ali que se unem como células de resistência e construção
de uma sociedade renovada.
Cenáculo é o nome com o qual a tradição
cristã chama "a sala alta", na qual, segundo os evangelhos, antes de
ser preso, Jesus fez sua última ceia com discípulos e discípulas. A tradição
cristã acredita ter sido nesta mesma sala (cenáculo) que, depois da
ressurreição, os discípulos se reuniam. Ali Jesus ressuscitado se deixou ver
por eles. Também teria sido no cenáculo que os discípulos e discípulas,
reunidos com Maria, mãe de Jesus, ficaram reunidos, à espera do Espírito Santo
prometido. Ali, teria ocorrido o primeiro Pentecostes cristão, com a descida do
Espírito de Deus sobre a comunidade reunida.
Esse termo, Cenáculo, ficou usado no
Cristianismo como símbolo de encontro, de comunhão e fortalecimento no
Espírito. De fato, o cenáculo designa não apenas um lugar. É um modo como
podemos nos colocar em atitude de comunhão, partilha e cuidado mútuo.
Quando há um terremoto, os técnicos
procuram onde se deu o epicentro, isso é, o ponto nodal de onde partiu a falha
da camada geológica. Atualmente, todo mundo reconhece que o mundo está em uma
crise que não é só ecológica ou mesmo civilizacional. É mais ampla e geral. O epicentro
do terremoto, ou seja, desta crise que a humanidade vive pode estar em uma
violência cultural que nos fez romper com a dimensão comunitária que está
inserida no DNA de cada ser humano e aceitar o individualismo, a cultura de
competição e de absolutização do lucro que conduziu o mundo à desumanidade que
estamos vivendo agora. Por isso, cada vez mais aumenta o número de pessoas que
acreditam: uma luta básica contra esse sistema dominante é organizar a
humanidade contra a barbárie.
Uma
pesquisa recente que apareceu no site do IHU (Instituto Humanitas - de São
Leopoldo, RS) dizia que no Brasil em 2010, existiam 775 projetos ou
experiências concretas de comunidades religiosas de tipo novo. A maioria delas
ligada a movimentos carismáticos e com fortes acentos conservadores e "de
direita". No entanto, algumas (poucas) se revelam mais abertas e
originais. É urgente que as pessoas com vocação para transformar esse mundo
formem redes ecumênicas de apoio mútuo e de abertura espiritual a toda
humanidade, verdadeiros cenáculos de resistência e comunhão que ajudem os seus
próprios membros a se converterem e possam ser ensaios de um mundo novo
possível.
Talvez, em nossa cultura, o desafio maior
seja aprofundar as relações pessoais e e de vida. Só a partir da cumplicidade
amorosa, conseguiremos ser diferentes do modelo dominante. É preciso que, assim
como aconteceu com os primeiros cristãos,
as pessoas que nos veem possam perceber nossa fragilidade e nossos
defeitos (somos iguais a eles e elas), mas, seja como for, possam dizer como se
dizia dos primeiros cristãos: "Vejam
como eles se amam". Se conseguirmos isso, nos mais diferentes caminhos
espirituais, ou em experiências sem nenhum vínculo religioso, seremos no mundo
atual cenáculos de resistência e utopia.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem
57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os
nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
Suas palavras sempre renovam e fortalecem o espirito. Obrigada.
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