Por Frei Aloísio Fragoso
Uma das passagens
mais enigmáticas dos Evangelhos é aquela registrada por MT. 13,24ss. Jesus fala
por meio de uma parábola. Os feitores de um certo proprietário rural lhe
sugerem arrancar o joio que nascera juntamente com a erva boa, plantada pelos
agricultores. O patrão responde "Não! Deixem que cresçam juntos, no tempo
da colheita, eu mesmo farei a separação".
Como aceitar uma
tal estratégia que contraria a lógica
mais elementar? Como não isolar a semente que produz o mal da semente que
produz o bem, enquanto é tempo?
Estas indagações
tão claras na sua formulação, mostram-se complicadas na sua aplicação prática.
Parábola é metáfora, só encontra sentido se for avaliada no campo da vida real.
Imaginemos um
casal que gerou cinco filhos, e um deles, ao contrário dos outros, demonstra,
logo cedo, inclinação para os vícios e a marginalidade. Imaginemos nós mesmos,
quando escutamos duas vozes falando no mesmo peito, uma a nos chamar para o que
é certo e outra, para o que é errado. Ainda que eu só atenda a uma delas, não
tenho como extirpar a outra para sempre. Estas duas sementes coabitam em nossa
natureza e só podemos viver e crescer aceitando esta convivência.
Milhões de mentes
humanas, focadas na tragédia do coronavirus, decerto já se perguntaram: por que
Deus não eliminou o vírus assassino desde o primeiro momento?
A sabedoria
popular afirma: "há males que vem por bem". Sendo assim, se existe
algo bom que procede de algo mau, então que é o mal, ele existe de fato?
Santo Agostinho
responde: não! Ele não existe. Sendo Deus o Sumo Bem, não podia ter criado o mal
e, de fato, não o criou porque o mal não existe, ele não é algo, ele é a ausência de algo (assim, a cegueira é
a ausência da visão; a escuridão só surge pela ausência da luz). Alguém rebate:
e por que Deus fez suas criaturas com estes condicionamentos? Agostinho
responde: Ele quis criar um ser perfeito e, para isso, tinha que fazê-lo
racional, dotado de livre arbítrio, capaz de escolhas livres, mesmo sob o risco
de optar pelo mal.
Além de Santo
Agostinho, todos os grandes pensadores ocuparam-se deste assunto. Nenhum deles
apresenta uma solução inquestionável.
Na verdade, a
solução não é filosófica, mas existencial. Cada um de nós carrega dentro de si
estas duas forças antagônicas. Digamos que dentro de nós moram juntos e se
confrontam um lobo e um cordeiro. Quem será o vencedor? Será aquele a quem eu
mais alimentar. Nossa tarefa é fortalecer o cordeiro e enfraquecer o lobo
Estas reflexões
trazem alguma luz sobre o CONVID 19? -
sim, elas apontam saídas que ajudam a superar medos e angústias. Um dos maiores
filósofos da História, chamado Nietzsche, viveu todo tempo se debatendo com
este problema do bem e do mal. Ao fim, ele escreve: "aquilo que se faz por
amor está sempre acima do bem e do mal".
Foi o caso
daqueles pais citados no início desta reflexão. Eles colocaram-se acima do bem
e do mal, perdoando "a ovelha perdida", confiantes em que o filho
amadurecesse e desenvolvesse as boas sementes nele plantadas. Isso também é
amor.
Agora sabemos
quem dá, a este propósito, a melhor resposta, a mais convincente, coerente,
comovente, exemplificada na luta contra o coronavirus. São os que se entregam
por inteiro, sacrificam seu tempo, suas forças, seus talentos, seus direitos,
seus sentimentos, medos, dúvidas, solidão, enfim, suas vidas, para aliviar
sofrimentos, apaziguar angústias, salvar outras vidas. São profissionais da
saúde, especialmente, mas também numerosos outros heróis e heroínas,
trabalhando incansáveis, no anonimato.
Frente à
mediocridade geral, que distingue a mais alta esfera política da nação,
contemplemos esses exemplos de santidade, da mais humana e útil das santidades,
a fim de refazer em nossas almas, a confiança na bondade humana. Este é o
desígnio do Criador: "Tendo criado todas as coisas, Deus contemplou a sua
obra e viu que tudo era muito bom" Gen.1, 31.
Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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