por Frei Aloísio Fragoso
AS
LIÇÕES DA HISTÓRIA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS
A História é mestra da vida, dizem os
entendidos, e nós os apoiamos. Quantas lições os acontecimentos de épocas
passadas nos proporcionam para entender e avaliar os fatos presentes! Isso vale também no caso do COVID 19.
Relembremos
algumas catástrofes semelhantes a esta, em seus efeitos letais, e
observemos como certas reações que hoje pensamos serem novas e exclusivas, já
se repetiam há séculos.
Relembremos, por ex., O terremoto que
arrasou a cidade de Lisboa no ano de 1755. Era a manhã do dia 1.de novembro,
festa de Todos os Santos, as igrejas estavam repletas. De repente a terra
começa a se abrir, com gigantescos tremores, que, em poucos minutos, destroem
aquela que era a quarta maior cidade da Europa. Para agravar o terror da
população, ao terremoto sucede-se um tsunami, quando as águas do Tejo chocam-se
com as do mar e inundam a cidade baixa, e, ao tsunami, um grande incêndio,
devastando o que o terremoto poupara.
Tombaram 55 palácios, 35 igrejas e 50.000
vidas foram ceifadas.
Os mortos tiveram de ser divididos, uns
enterrados em valas comuns e outros jogados ao mar com pedras presas ao corpo,
a fim de não voltarem à superfície.
Logo a catástrofe repercutiu para além das
fronteiras de Portugal e começaram as inevitáveis tentativas de explicação.
Para a massa aterrorizada, a conjugação de terremoto, tsunami e fogo era a
imagem do Juízo Final, castigo de Deus
pelos seus grandes pecados. Vivia-se então o domínio do Iluminismo. O confronto
das interpretações fica bem explicitado pelos dois mais famosos pensadores da
época, os franceses Voltaire e Rousseau. O primeiro viu nessa tragédia o
colapso de todas as concepções do mundo vigente, onde jamais se podia admitir
um tal acontecimento, pois a terra era acreditada como uma criação divina
garantida por princípios de ordem e harmonia.
"Deus vingou-se, a morte deles é o
preço de seus crimes", ironizou o filósofo ateu, e acrescentou "Que
crime? Que falta cometeram estas crianças esmagadas e sangrando sob o seio
materno? Lisboa, que já não existe, tinha mais vícios do que Paris, mergulhada
em delícias? Do autor do bem terá decorrido o mal?"
Voltaire também estava se revelando contra
a filosofia do otimismo de Leibnitz, para quem "vivemos no melhor dos
mundos" e "tudo vai bem".
Rebatendo Voltaire, Rousseau escreveu
"Carta Sobre a Providência", uma tentativa de "inocentar" a
Deus e a gentil mãe terra: "Acaso foi Deus que reuniu numa área exígua
20.000 casas de 6 e 7 andares? "Quantos morreram porque voltaram para
salvar suas roupas, seus documentos e seu dinheiro?"
Foi ficando claro, desde então, que as
avaliações das grandes tragédias não podem ser separadas do tipo de sociedade
onde elas ocorrem.
O terremoto de Lisboa nem de longe se
compara à catástrofe da "peste negra", assim chamada porque marcava
de manchas pretas o corpo de suas vítimas. Ela espalhou-se a partir do ano de
1347, causada por pulgas infiltradas em ratos e trazidas por navios vindos do
Mar Negro para a cidade de Gênova, na Itália.
As mortes amontoavam cadáveres numa
aceleração de minutos, aldeias inteiras foram
riscadas do mapa porque nenhum de seus habitantes escapou.
Na inexistência de recursos naturais, as
pessoas apelavam irracionalmente para a Fé, auto-flagelando-se em longas
procissões de penitência, e com isso acumulando novas vítimas, cujos cadáveres
eram abandonados pelo caminho.
A peste negra durou 4 anos e matou 1/3 da
população da Europa, mais de 20 milhões de habitantes.
O que hoje se afirma como vaticínio,
naquela ocasião, ficou comprovado pelos fatos: nunca mais o mundo voltou a ser
o mesmo. Jorraram os sinais de uma mudança radical de mentalidade e costumes,
sobretudo no despertar de uma nova consciência sobre a Liberdade.
(Pausa para uma observação: me lembrei de
certas pessoas que possuem o "carisma" de narrar tragédias, doenças,
mortes, enterros, sofrimentos. Elas encontram gosto em prolongar suas
narrativas por horas a fio, até que todos os ouvintes cedem ao sono, vencidos
pelo cansaço. Não quero imitá-las. Prefiro recordar os seriados da minha
adolescência. Quando o filme chegava ao máximo de suspense, acendiam-se as
luzes e aparecia um grande letreiro: CONTINUA NA PRÓXIMA SESSÃO. Esperávamos
uma semana.
Em nossa próxima reflexão voltaremos a este
assunto, esclarecedor para os conflitos de valores que estamos enfrentando.
Enquanto isso, o Espírito Santo nos conduza
até o coração de Pentecostes, que iremos celebrar nas próximas semanas. Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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