Os antigos hebreus costumavam comparar o
Reino de Deus com o monte Sião. Este era uma montanha real, imensa, altaneira,
com ares de quem vai durar uma eternidade, porém estática, inamovível, feito
pedra. Jesus, por sua vez, nunca usou esta comparação, preferiu a figura da
sementinha, frágil, quase invisível a olho nu, contudo dinâmica, irrefreável,
em contínua evolução. "O Reino de Deus assemelha-se à menor de todas as
sementes; uma vez plantada em terra fértil, nasce e cresce até tornar-se uma árvore
frondosa, onde os pássaros vem fazer os seus ninhos" Mt.13, 32.
Esta imagem bíblica me vem à mente ao me
deparar com uma outra, divulgada pelas redes sociais, que impressiona pela sua
simbologia. Ela reproduz, numa visão panorâmica, milhares e milhares de navios
petroleiros encalhados, nos mais diversos pontos da terra, estacionados,
detidos, feitos prisioneiros a quem não interessa a liberdade, pois sem
mover-se em todas as direções, eles não existem, estão mortos. Que ironia! Uma
das mais cobiçadas riquezas da terra ali postada, inutilmente, sob o olhar
apalermado de seus proprietarios.
Nos últimos tempos, várias guerras foram
deflagradas, com pretextos inventados, a fim de camuflar sua verdadeira razão:
briga por petróleo. Agora o inimigo é pequenino, caladinho, monstrinho,
invisível, devastador. Procura-se uma bomba capaz de destrui-lo e ele debocha
de todos os arsenais de armas nucleares.
Desdobremos esta imagem no seu significado
simbólico:
Se quisermos vê-la transparecer em um
testemunho pessoal, escutemos a dolorosa confissão da filha do Presidente do
Banco Santander, em Portugal: " somos uma família milionária, mas meu pai
morreu sozinho, sufocado, buscando algo
que é gratuito....o ar. O dinheiro ficou em casa".
Se quisermos acrescentar-lhe uma
ilustração histórica, despojemo-nos de qualquer preconceito ideológico ou
político e observemos como um dos países menores da terra sai de suas
fronteiras e vai em socorro de 21 outros países, oferecendo-lhes seus médicos e
sua coragem: Cuba.
Se quisermos ainda o respaldo de uma
autoridade moral acima de qualquer suspeita, consideremos o que afirma o Papa
Francisco: "quem faz a mensagem é o coração do pastor e não as estruturas
da Igreja".
Fora das fronteiras da Fé, grandes poetas
expressam este sentimento da alma. Um deles, Fernando Pessoa, tem um poema que
começa "ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal" e
termina "quem quer ir além do Bojador, tem que ir além da dor".
Por fim, se quisermos transcender em nossa
reflexão, ouçamos esta advertência de Jesus: "não tenham medo, pequeno
rebanho, pois foi do agrado do Pai confiar-lhes seu Reino" Lc.12,32.
Nosso primeiro impulso é de acreditar que
somente a força de uma montanha tem chances contra outra montanha do mesmo
tamanho. Não nos apercebemos como grandes erros da História foram cometidos a
partir de Projetos grandiosos. Beneficiários de suas benesses, fechamos os
olhos para suas sequelas morais, permitimos que a ferida fique sangrando até
infeccionar todo o organismo. Algum dia, inesperadamente, esta infecção vira
pandemia.
É chegada a hora de fazer a escolha entre
a montanha e a semente. Suposta a melhor opção, precisamos priorizar as
pequenas coisas, pequenos gestos, pequenos planos, pequenos encontros, pequenas
ações, pequenas vidas (pequenos só aos nossos olhos, pelos critérios que
escolhemos para avaliar sua importância).
Em seguida, libertos de ambições
consumistas, começar a minar as bases do modelo de vida imposto pelo Sistema
Capitalista neoliberal, com seu intento diabólico, que obriga as pessoas a ter
mais medo de perder o emprego do que a vida, com sua indisfarçável
insensibilidade diante das vítimas do COVID 19.
Nestas condições, escolher o caminho da
pequena semente é uma utopia, mas estamos amparados pela palavra do Senhor:
"se vocês tiverem fé como um grão de mostarda, dirão àquela montanha
"afasta-te daí" e ela obedecerá" Lc. 17,6. Amém! Frei Aloísio Fragoso.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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