por Leonardo Boff
Mais e mais cresce a consciência de que a Terra e a Humanidade tem um
destino comum, pois formam uma única e complexa unidade. Foi o que os
astronautas da Lua ou de suas naves espaciais nos testemunharam. Uma porção
dela é inteligente e consciente: são os seres humanos.
Desde a mais alta antiquidade a Terra era vista como a Grande Mãe, viva
e geradora de todo tipo de vida. Modernamente, cientistas vindos das ciências
da vida e do universo comprovaram, empiricamente, que ela não só possui vida,
mas ela mesma é viva. Emerge como um Ente vivo, um superorganismo que se
comporta como um sistema que combina todos os fatores e as energias cósmicas de
tal forma que sempre se mantém viva e que produz permanentemente as mais
diversas formas de vida. Chamam-na de Gaia, nome grego para designar a Terra
como um ser vivo.
Ao largo de sua história, o ser humano entreteve, dito de forma sumária,
três tipos de relação para com a Terra e a natureza. O primeiro foi de interação:
interagia harmonicamente e retirava o necessário para viver. O segundo foi
a intervenção quando, há cerca de dois milhões de anos,
surgiu o homo habilis que usava instrumentos para intervir na
natureza e garantir melhor seu sustento.Tudo culminou no neolítico, há 10-12
mil anos, quando se implantou a agricultura com o manejo de sementes e de
espécies também de animais. O terceiro foi a agressão típica
dos tempos modernos. Usando todo um maquinário até autômatos e inteligência
artificial, o ser humano montou uma sistemática agressão à natureza para
extrair dela todos os recursos para sua comodidade e também para acumulação de
riqueza material. Essa guerra de agressão foi levada a todas as frentes: no
solo, sub-solo, no ar e nos oceanos. Ela se travou também entre os seres
humanos que são a parte da Terra com inteligência e consciência.
Michel Serres, filósofo que frequentou várias áreas do saber, escreveu
em 2008 um livro com o título “Guerra mundial”. Descreve a história
dramática das agressões humanas a todos os ecossistemas e principalmente as
guerras entre os próprios seres humanos. Segundo os dados aduzidos, a partir de
três mil anos antes de nossa era até o presente foram mortos em conflitos, três
bilhões e oitocentos milhões de seres humanos. Só no século XX foram 200
milhões. Inauguramos, segundo alguns cientistas, uma nova era geológica,
o antropoceno e o necroceno: o ser humano é a
maior ameaça à vida na Terra; com os meios de destruição que maneja mostrou-se
uma máquina de morte (necroceno). Em função disso em 2019 investiram-se um
trilhão e 822 bilhões de dólares em armas letais, totalmente ineficazes e
ridículas face ao invisível coronavírus.
A Terra sentiu os golpes e não deixou de reagir: pelo aquecimento
global, pelos tsunamis, pelos eventos extremos, pelas longas estiagens ou as
prolongadas nevascas, pelos degelos e pelo caos climático.
A reação, verdadeira represália da Terra, vem pelos vírus (existem cerca
de 200 mil) cada vez mais frequentes e violentos, como o zika, a chicungunya, o
ebola, o SARS, a gripe suína e aviária e outros. Eles estavam tranquilos em
seus habitats. Mas o desmatamento feroz, a erosão da biodiversidade e
urbanização crescente do planeta,a criação industrial de animais, fizeram com
que perdessen seus hábitats e buscassem outros, passando de animais aos seres
humanos. Eles não vivem por si; precisam de células hospedeiras para se
reproduzir. Assim é com o atual coronavírus.
A hipótese que proponho é que, neste momento, os papéis se inverteram.
Sendo um superorganismo vivo, a Terra reage, contra-ataca e faz a sua revanche
contra a Humanidade, pois como diz o Papa na sua encíclica ecológica “nunca
maltratamos e ferimos a nossa Casa Comum como nos últimos dois séculos”(n,53).
Agora, irada. Gaia brada: “Basta! Sou mãe generosa, mas tenho limites
vitais intransponíveis. Preciso dar severas lições a esses meus filhos e filhas
rebeldes e violentos. E se não aprenderam a interpretar os sinais que lhes
enviei e não me respeitarem e cuidarem como sua Mãe, posso não mais querê-los
sobre meu solo”.
Penso que o Covid-19 é um desses sinais, ainda não o derradeiro, mas o
suficiente letal a ponto de abalar os fundamentos do nosso tipo de civilização.
Biólogos temem que podemos ser vítimas do assim chamado Next Big One (NBO), aquele
último tão letal e inatacável, capaz de pôr fim à espécie humana.
O coronavírus nos lança um alerta. Como disse o sociólogo e ecólogo
Bellamy Fosters da Universidade de Oregon:”A sociedade terá que ser
reconstituída sobre uma base radicalmente nova. A escolha que temos diante de
nós é nua e crua: a ruína ou a revolução”.
Na mesma linha de pensamento afirma a física nuclear e ecologista
indiana Vandana Shiva:”Um pequeno vírus pode nos ajudar a dar um grande passo à
frente para fundar uma nova civilização planetária ecologista,
baseada na harmonia com a natueza. Ou, então, podemos continuar vivendo a fantasia do domínio sobre o planeta e
continuar avançando até a próxima pandemia. E, por último, até a
extinção. A Terra seguirá, conosco ou sem nós”.
No próximo artigo veremos o que aindas nos é possível fazer.
Leonardo Boff é ecoteólogo e escreveu:Cuidar da Terra- proteger a
vida: como escapar do fim do mundo,Record 2010.
Fantástico, esclarecedor!!
ResponderExcluirÉ preciso transformar a relação de produção urgente ou nossa Mãe Natureza expulsara o ser humana, eliminando esse filho que perdeu a alma destruindo sua própria morada, a Terra, a grande GAIA!!
Que nos seja dado um chance para existir!!! Ivanildescritora