por Pe Fábio Potiguar
Primavera. Tudo volta à
vida. As folhas povoam uma outra vez as
árvores. Parece, para nós nordestinos do semi-árido, como as chuvas depois da
estiagem prolongada.
Tudo seco, a caatinga mais parece um graveto pronto para o
fogo. Fora as algarobas, não existem folhas nas árvores, assim como nas árvores
europeias no inverno. A chuva chega, é o
que parecia morta, realmente morta, se vê agora cheia de vida, cheia de folhas
verdejantes, como as árvores do Velho Mundo com a despedida do inverno e a
chegada da primavera. Por lá a Páscoa coincide
com esse novo nascimento das plantas, dos passarinhos e dos sentimentos
humanos. A mesma mágica que o inverno – como chama o sertanejo o período das
chuvas - realiza nas gentes desse sertão
nordestino. Imagine que crianças, jovens, velhos, homens e mulheres saem a
gritar e a pular de alegria pelas ruas para tomar banho de chuva e de bica que
descem dos telhados da casa. Ah, como fiz isso!
Morava na Itália e fui
celebrar o Tríduo Pascal num mosteiro de
monjas na Toscana. Era primavera. Tudo
pronto no Sábado Santo a noite para Celebração da Vigília Pascal. Já vai dar
meia-noite. A Missa será bonita e longa, nós iremos despertar o dia que está
dormindo. “Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele
exultemos” ( Sl 117,24 ). Este “dia” é Cristo. Tudo pronto. A fogueira fora da
Igreja, o grande Círio Pascal, as velas para cada um dos fiéis... e o coração.
“Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o meu coração! Vou cantar e
tocar para vós: desperta, minh’alma, desperta! Despertem a harpa e a lira, eu
irei acordar a aurora!” (Sl 107,2-3).
Partilho agora com você,
meu amigo-irmão leitor, as palavras que
dirigi naquela noites para as irmãs trapistas. Vamos então ao texto.
João Batista no seio de
Isabel saltou de alegria ao escutar a palavra de Maria que carregava a
Palavra, o Verbo Encarnado. Também nós
saltamos de alegria no seio da Igreja, onde fomos misteriosamente plasmados, ao
escutar a palavra do Anjo a nos anunciar que o Verbo Encarnado, morto por nós,
ressuscitou.
O ambão é símbolo do
sepulcro aberto. O Anjo do Anúncio sou eu, sinto de novo asas em meus braços. O
Evangelho é Jesus Ressuscitado.
A minha boca é a do anjo.
“Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Ele não está aqui,
ressuscitou!” O Senhor ressuscitou
verdadeiramente. Aleluia, aleluia, aleluia!
Isto não é um discurso,
discursos fica para os políticos. Não é uma teoria, teoria á química, física,
matemática e coisas mais. Nem sequer uma doutrina religiosa, é vida viva. É
vida, e o nosso coração arde como ardem as brasas daquele fogo, que é o
Espírito Santo. O nosso ser é todo luz na Luz de Cristo. O Círio Pascal é
Cristo Ressuscitado. As velas somos nós. Somos ressuscitados com Cristo. Deus
não nos criou para a morte e o cemitério e sim para a vida e ressurreição. Saltamos de alegria na poesia e na mágica
desta noite. Cantamos e dançamos no seio desta igreja inebriados na música e na
dança da ressurreição. Isto mesmo. A
Dança da Ressurreição. A Ressurreição baila dentro em mim.
No Princípio do Tempo por
meio de seu Filho – a Palavra Criadora -
e por meio do seu Espírito – a Força Amorosa Criadora – Deus criou num
processo evolutivo todas as coisa: o céu, a terra e o mar com tudo o que neles
existe. Criou a mulher e o homem.
Na Plenitude do Tempo o
Pai realiza uma Nova Criação por meio do seu Verbo Encarnado, Jesus Morto e
Ressuscitado, na glória e poder do Espírito.
No batismo aconteceu o
maior e mais belo evento em nossa existência. O
Pai, pelo Filho, nos dá o Espírito e o “próprio Espírito Santo se une ao
nosso espírito” e, nós nos tornamos “um só ser com Cristo”. Assim, sacramentalmente
fomos crucificados ( Rm 6,6 ), mortos ( Rm 6,8 ) e sepultados ( Rm 6,4 ) com
Ele para a vida velha e, ressuscitados ( Cl 2,12 ) e assentados nos céus ( Ef
2,6 ) com Cristo para uma vida nova.
A Páscoa tem incidência
na nossa totalidade de ser, existir e agir.
É ôntico, existencial e
moralmente que somos atingidos por esse mistério. O meu ser – aquilo que eu sou
– é configurado a Cristo, em outras palavras: eu não estou ressuscitado com
Cristo, eu sou ressuscitado com Ele. “Porque
se nos tornamos um só ser com
Cristo por uma morte semelhante à sua, seremos um só ser com Ele também por uma
ressurreição semelhante à sua” ( Rm 6,5 ). Assim sendo, a minha existência é
também associada com a sorte de Cristo,
minhas tristezas e alegrias são uma participação nos seus sofrimentos e na sua
glória, “se com Cristo sofremos com ele reinaremos”( 2 Tm 2,12 ) ou ainda nas
palavras do apóstolo Paulo: “Para conhecê-lo, conhecer o poder da sua
ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na
sua morte, para ver se eu alcanço a sua ressurreição de entre os mortos... pois
já fui alcançado por ele” ( Fl 3, 10-12 ). O agir segue o ser. Porque sou homem
ajo humanamente. Se, pois, sou morto e ressuscitado com Cristo e em Cristo, o
meu agir moral vai ser de continuamente ir morrendo com ele para o mal e
ressuscitando com ele para o bem. “Assim também vós considerai-vos mortos para
o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus” ( Rm 6,11 ).
Celebramos plenos de
contentamento e júbilo essa noite. Porém há algo de paradoxal e contraditório:
a Nova Criação eclodida nesta noite
santa se encontra envolvida no “já” e
“ainda não” de uma salvação já realizada e ainda por vir.
Essa novidade iniciada no
Batismo, vai acontecendo na Liturgia e na Vida. Já somos mortos e ressuscitados
com Cristo. Todavia, há em nós muito a morrer, e só Deus sabe de quantas e
quantas ressurreições cotidianamente nós precisamos até chegar à sua realização
completa.
Se é verdade que morremos e ressuscitamos no
batismo, então morramos e ressuscitemos na liturgia e na vida, até um dia em
que, morremos de fato e ressuscitaremos plenamente.
Fiquemos com a poesia
daquele jovem discípulo amado, agora já ancião e, no entanto, sempre novo,
sempre homem novo em Cristo.
Vede que prova de amor
nos deu o Pai:
sermos chamados filhos de Deus.
E nós o somos!
Caríssimos,
desde já somos filhos de
Deus,
mas o que nós seremos
ainda não se manifestou.
Sabemos que por ocasião
desta manifestação
seremos semelhantes a
ele,
porque o veremos tal como
ele é.
( 1 Jo 3, 1- 2 ).
Fabio dos Santos é presbítero, membro
da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo
Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa
Senhora da Assunção das Fronteiras.
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