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quarta-feira, 22 de abril de 2020

DANÇA DA RESSURREIÇÃO


por Pe Fábio Potiguar

Primavera. Tudo volta à vida.  As folhas povoam uma outra vez as árvores. Parece, para nós nordestinos do semi-árido, como as chuvas depois da estiagem prolongada.

 Tudo seco, a caatinga mais parece um graveto pronto para o fogo. Fora as algarobas, não existem folhas nas árvores, assim como nas árvores europeias no  inverno. A chuva chega, é o que parecia morta, realmente morta, se vê agora cheia de vida, cheia de folhas verdejantes, como as árvores do Velho Mundo com a despedida do inverno e a chegada da primavera. Por lá a Páscoa coincide  com esse novo nascimento das plantas, dos passarinhos e dos sentimentos humanos. A mesma mágica que o inverno – como chama o sertanejo o período das chuvas -  realiza nas gentes desse sertão nordestino. Imagine que crianças, jovens, velhos, homens e mulheres saem a gritar e a pular de alegria pelas ruas para tomar banho de chuva e de bica que descem dos telhados da casa. Ah, como fiz isso!

Morava na Itália e fui celebrar  o Tríduo Pascal num mosteiro de monjas na Toscana. Era primavera.  Tudo pronto no Sábado Santo a noite para Celebração da Vigília Pascal. Já vai dar meia-noite. A Missa será bonita e longa, nós iremos despertar o dia que está dormindo. “Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele exultemos” ( Sl 117,24 ). Este “dia” é Cristo. Tudo pronto. A fogueira fora da Igreja, o grande Círio Pascal, as velas para cada um dos fiéis... e o coração. “Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o meu coração! Vou cantar e tocar para vós: desperta, minh’alma, desperta! Despertem a harpa e a lira, eu irei acordar a aurora!” (Sl 107,2-3).

Partilho agora com você, meu amigo-irmão leitor,  as palavras que dirigi naquela noites para as irmãs trapistas. Vamos então ao texto.

João Batista no seio de Isabel saltou de alegria ao escutar a palavra de Maria que carregava a Palavra,  o Verbo Encarnado. Também nós saltamos de alegria no seio da Igreja, onde fomos misteriosamente plasmados, ao escutar a palavra do Anjo a nos anunciar que o Verbo Encarnado, morto por nós, ressuscitou.

O ambão é símbolo do sepulcro aberto. O Anjo do Anúncio sou eu, sinto de novo asas em meus braços. O Evangelho é Jesus Ressuscitado.

A minha boca é a do anjo. “Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Ele não está aqui, ressuscitou!” O Senhor ressuscitou verdadeiramente. Aleluia, aleluia, aleluia!

Isto não é um discurso, discursos fica para os políticos. Não é uma teoria, teoria á química, física, matemática e coisas mais. Nem sequer uma doutrina religiosa, é vida viva. É vida, e o nosso coração arde como ardem as brasas daquele fogo, que é o Espírito Santo. O nosso ser é todo luz na Luz de Cristo. O Círio Pascal é Cristo Ressuscitado. As velas somos nós. Somos ressuscitados com Cristo. Deus não nos criou para a morte e o cemitério e sim para a vida e ressurreição.  Saltamos de alegria na poesia e na mágica desta noite. Cantamos e dançamos no seio desta igreja inebriados na música e na dança da ressurreição. Isto mesmo.  A Dança da Ressurreição. A Ressurreição baila dentro em mim.

No Princípio do Tempo por meio de seu Filho – a Palavra Criadora -  e por meio do seu Espírito – a Força Amorosa Criadora – Deus criou num processo evolutivo todas as coisa: o céu, a terra e o mar com tudo o que neles existe. Criou a mulher e o homem.
Na Plenitude do Tempo o Pai realiza uma Nova Criação por meio do seu Verbo Encarnado, Jesus Morto e Ressuscitado, na glória e poder do Espírito.

No batismo aconteceu o maior e mais belo evento em nossa existência. O  Pai, pelo Filho, nos dá o Espírito e o “próprio Espírito Santo se une ao nosso espírito” e, nós nos tornamos “um só ser com Cristo”. Assim, sacramentalmente fomos crucificados ( Rm 6,6 ), mortos ( Rm 6,8 ) e sepultados ( Rm 6,4 ) com Ele para a vida velha e, ressuscitados ( Cl 2,12 ) e assentados nos céus ( Ef 2,6 ) com Cristo para uma vida nova.

A Páscoa tem incidência na nossa totalidade de ser, existir e agir.  É  ôntico, existencial e moralmente que somos atingidos por esse mistério. O meu ser – aquilo que eu sou – é configurado a Cristo, em outras palavras: eu não estou ressuscitado com Cristo, eu sou ressuscitado com Ele. “Porque  se nos tornamos  um só ser com Cristo por uma morte semelhante à sua, seremos um só ser com Ele também por uma ressurreição semelhante à sua” ( Rm 6,5 ). Assim sendo, a minha existência é também  associada com a sorte de Cristo, minhas tristezas e alegrias são uma participação nos seus sofrimentos e na sua glória, “se com Cristo sofremos com ele reinaremos”( 2 Tm 2,12 ) ou ainda nas palavras do apóstolo Paulo: “Para conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se eu alcanço a sua ressurreição de entre os mortos... pois já fui alcançado por ele” ( Fl 3, 10-12 ). O agir segue o ser. Porque sou homem ajo humanamente. Se, pois, sou morto e ressuscitado com Cristo e em Cristo, o meu agir moral vai ser de continuamente ir morrendo com ele para o mal e ressuscitando com ele para o bem. “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus” ( Rm 6,11 ).

Celebramos plenos de contentamento e júbilo essa noite. Porém há algo de paradoxal e contraditório: a Nova Criação eclodida nesta noite  santa se encontra envolvida no “já” e  “ainda não” de uma salvação já realizada e ainda por vir.

Essa novidade iniciada no Batismo, vai acontecendo na Liturgia e na Vida. Já somos mortos e ressuscitados com Cristo. Todavia, há em nós muito a morrer, e só Deus sabe de quantas e quantas ressurreições cotidianamente nós precisamos até chegar à sua realização completa.

Se é  verdade que morremos e ressuscitamos no batismo, então morramos e ressuscitemos na liturgia e na vida, até um dia em que, morremos de fato e ressuscitaremos plenamente.

Fiquemos com a poesia daquele jovem discípulo amado, agora já ancião e, no entanto, sempre novo, sempre homem novo em Cristo.

Vede que prova de amor nos deu o Pai:
sermos  chamados filhos de Deus.
E nós o somos!
Caríssimos,
desde já somos filhos de Deus,
mas o que nós seremos
ainda não se manifestou.
Sabemos que por ocasião desta manifestação
seremos semelhantes a ele,
porque o veremos tal como ele é.
 ( 1 Jo 3, 1- 2 ).

Fabio dos Santos é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.



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