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quarta-feira, 8 de abril de 2020

COVID 19 - DÉCIMA REFLEXÃO QUARESMAL



Por Frei Aloísio Fragoso

Demorou, mas chegou às minhas mãos, via internet, feita por uma senhora religiosa e bem intencionada, a inevitável pergunta: "o senhor não acha que esta pandemia é castigo de Deus pelos pecados da humanidade?"

    Minha primeira reação foi impulsiva - "Não! Não acho! Nem imagino! E, se achasse, sofreria um abalo em minha fé, forçada a trocar pelo medo o sentimento de confiança em Deus". "Onde há medo não há lugar para o amor", escreve o evangelista S. João.

    No entanto, não posso negar que esta pergunta pertence ao patrimônio histórico-religioso da raça humana, e tem sido explicitado desde quando os seres racionais assumiram sua dependência do Ser Supremo. Ela facilita uma resposta apaziguadora. Digamos que sim, que Deus está nos castigando com esta pandemia. Então que podemos fazer frente à vontade de um Poder Onipotente, senão aquietar-nos até que passe a  sua justa ira? É de estranhar como este pensamento  consegue acomodar e aliviar  milhões de almas!

    As variadas religiões, nos diversos tempos e culturas, procuravam acalmar a irá divina através de sacrifícios expiatórios, chegando inclusive a sacrificar vidas humanas.

    Nós, cristãos, fomos por caminho semelhante,  mas superando a barbárie dos holocaustos sangrentos. Para nós um Cordeiro foi imolado de uma vez por todas, e este Cordeiro é o Cristo Crucificado. É aqui que situamos a prática do jejum quaresmal e de outras penitências corporais. A despeito dessa evolução, permanece na cabeça de muita gente resquícios da antiga mentalidade pagã, de sofrer para agradar a Deus.

   Imaginemos o seguinte: uma mãe amorosa prepara um prato de manjares para oferecer ao filho amado. Então o filho lhe diz: "eu quero que a senhora perdoe minhas desobediências e, para isso, eu não vou tocar nestes manjares". Que mãe não desconfiaria de algum transtorno mental do seu filho?  Diferente seria se ele, chegando em casa e encontrando a mãe gravemente enferma,  permanecesse junto dela, sem ligar para aquela deliciosa comida. Ou, em outra hipótese, lhe dissesse: eu quero comer a metade destes manjares e a outra metade quero levar para um pobre que encontrei na rua, quando vinha para  casa. Nestes casos, haveria motivações superiores para o seu jejum, a do amor filial e a da fraternidade.

   E os grandes ascetas, santos e santas, que viviam em estado permanente de jejum e faziam grandes penitências corporais?  Sua intenção não era  a de agradar a Deus através dos sofrimentos. Na verdade, eles buscavam os segredos de um Prazer Superior, inigualável. Em vista desta ambição, descartavam prazeres menores, exercitando-se no sacrifício e na renúncia, a fim de alcançar o perfeito controle da matéria. Acreditavam que o prazer supremo "se esconde" no campo do Espírito, e por isso não podiam perder tempo com as facilidades materiais. Igual a alguém que está apaixonado e renuncia aos mais sedutores convites que possam lhe roubar o tempo de estar junto da pessoa amada.

    É esta a penitência que agrada a Deus, a penitência que visa procurá-Lo com apaixonada sinceridade, como fonte e meta do Bem supremo.

    Com esta compreensão, eu gostaria de prestar uma homenagem a três profissionais da saúde, que morreram nestes dias, em nossa cidade, de coronavirus, contraído enquanto prestavam serviços a outros infectados. Elas fizeram o jejum mais sagrado, sublime e absoluto. E o seu sacrifício tem a semelhança do Sacrifício de Jesus no Calvário: deram a vida por amor. Que estejam no céu, gozando a Páscoa da eternidade. Amém. 


FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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