Por Frei Aloísio Fragoso
Demorou, mas chegou às
minhas mãos, via internet, feita por uma senhora religiosa e bem intencionada,
a inevitável pergunta: "o senhor não acha que esta pandemia é castigo de
Deus pelos pecados da humanidade?"
Minha primeira reação foi impulsiva -
"Não! Não acho! Nem imagino! E, se achasse, sofreria um abalo em minha fé,
forçada a trocar pelo medo o sentimento de confiança em Deus". "Onde
há medo não há lugar para o amor", escreve o evangelista S. João.
No entanto, não posso negar que esta
pergunta pertence ao patrimônio histórico-religioso da raça humana, e tem sido
explicitado desde quando os seres racionais assumiram sua dependência do Ser
Supremo. Ela facilita uma resposta apaziguadora. Digamos que sim, que Deus está
nos castigando com esta pandemia. Então que podemos fazer frente à vontade de
um Poder Onipotente, senão aquietar-nos até que passe a sua justa ira? É de estranhar como este
pensamento consegue acomodar e aliviar milhões de almas!
As variadas religiões, nos diversos tempos
e culturas, procuravam acalmar a irá divina através de sacrifícios expiatórios,
chegando inclusive a sacrificar vidas humanas.
Nós, cristãos, fomos por caminho
semelhante, mas superando a barbárie dos
holocaustos sangrentos. Para nós um Cordeiro foi imolado de uma vez por todas,
e este Cordeiro é o Cristo Crucificado. É aqui que situamos a prática do jejum
quaresmal e de outras penitências corporais. A despeito dessa evolução,
permanece na cabeça de muita gente resquícios da antiga mentalidade pagã, de
sofrer para agradar a Deus.
Imaginemos o seguinte: uma mãe amorosa
prepara um prato de manjares para oferecer ao filho amado. Então o filho lhe
diz: "eu quero que a senhora perdoe minhas desobediências e, para isso, eu
não vou tocar nestes manjares". Que mãe não desconfiaria de algum transtorno
mental do seu filho? Diferente seria se
ele, chegando em casa e encontrando a mãe gravemente enferma, permanecesse junto dela, sem ligar para
aquela deliciosa comida. Ou, em outra hipótese, lhe dissesse: eu quero comer a
metade destes manjares e a outra metade quero levar para um pobre que encontrei
na rua, quando vinha para casa. Nestes
casos, haveria motivações superiores para o seu jejum, a do amor filial e a da
fraternidade.
E os grandes ascetas, santos e santas, que
viviam em estado permanente de jejum e faziam grandes penitências
corporais? Sua intenção não era a de agradar a Deus através dos sofrimentos.
Na verdade, eles buscavam os segredos de um Prazer Superior, inigualável. Em
vista desta ambição, descartavam prazeres menores, exercitando-se no sacrifício
e na renúncia, a fim de alcançar o perfeito controle da matéria. Acreditavam
que o prazer supremo "se esconde" no campo do Espírito, e por isso
não podiam perder tempo com as facilidades materiais. Igual a alguém que está
apaixonado e renuncia aos mais sedutores convites que possam lhe roubar o tempo
de estar junto da pessoa amada.
É esta a penitência que agrada a Deus, a
penitência que visa procurá-Lo com apaixonada sinceridade, como fonte e meta do
Bem supremo.
Com esta compreensão, eu gostaria de
prestar uma homenagem a três profissionais da saúde, que morreram nestes dias,
em nossa cidade, de coronavirus, contraído enquanto prestavam serviços a outros
infectados. Elas fizeram o jejum mais sagrado, sublime e absoluto. E o seu
sacrifício tem a semelhança do Sacrifício de Jesus no Calvário: deram a vida
por amor. Que estejam no céu, gozando a Páscoa da eternidade. Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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