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sábado, 18 de abril de 2020

ISTO É UMA PASSAGEM, UMA PÁSCOA, UMA LIBERTAÇÃO






Estava tudo tão seco. As plantas pareciam mais gravetos do que plantas. Porém, de tal modo os relâmpagos alumiaram a escuridão da noite, seguido de trovões fazendo tremer a terra que pelas brechas da casa e o piso do chão a luz e o tremor se faziam sentir numa mistura de medo e vontade. Medo cheio de estupefação e encanto desses relâmpagos clareando o céu e dos trovões fazendo tremer a terra. Vontade de chuvas.

Chuvas para que as plantas voltassem a ser plantas, tudo verde, os açudes enchessem dando água a quem tem sede, o chão seco, a caatinga, os bichos e todos os sertanejos.
Assim, haveria também o cansaço gostoso de arar a terra suculenta e jogar as sementes e, muito mais ainda, a alegria da colheita cheia de feixes.

A chuva chega num torrencial. Parece cantiga de ninar, embora molhe todo mundo dentro de casa pelas goteiras nas telhas. Grita-se de alegrias com gritos maiores aos das trovoadas. Os olhos brilham de contentamento bem mais do que a luz dos relâmpagos. É Chuva. É passagem da seca para o inverno. É Páscoa! É como se tudo estivesse morto e passasse a viver de novo. A humanidade e natureza ressuscitaram.

A vida da gente às vezes é assim igual as mal traçadas linhas do parágrafo acima. Quantas páscoas, quantas passagens já tivemos em nossas vidas ou ainda devemos ter!
Quando uma relação conjugal está de mal a pior e o casal procura encarar os problemas e encontra um caminho de continuar a estrada juntos, isto é uma passagem, uma páscoa, uma libertação. Igualmente se pode dizer de um casamento que não deu certo. Quando os dois, esgotadas todas as possibilidades de continuarem juntos, decidem pela separação, isto é também passagem, páscoa e libertação.

Do mesmo modo quando uma pessoa já bem “estável” na sua vida profissional e econômica, decide mudar tudo, quase começando do zero, a busca de outros valores e um trabalho diferente, isto também é uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Ainda podemos de dizer de um padre, uma freira ou outro ministro religioso quando livre, consciente e voluntariamente deixam a batina e o hábito e seguem novos caminhos, é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Quando uma homossexual, gay ou lésbica, depois de um processo intenso, angustiante, contudo, também libertador, assume, privada ou publicamente sua orientação sexual, para vivê-la eticamente, isto também é uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Também quando alguém sai dos grilhões das drogas, do alcoolismo, do consumismo e hedonismo, é uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Quando a pessoa passa do conjunto de regras morais escravizantes, autistas e anacrônicas e passa a viver com Deus, segundo os ditames do sacrário, de suas consciências, à luz do evangelho e não dos manuais, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Quando pessoas e grupos passam da miséria e da pobreza para uma condição econômica e social para viverem com dignidade, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Quando se passa de uma prática de devastação ecológica para um desenvolvimento sustentável e preservação, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.

Agora - prezado leitor e amiga leitora - a passagem, a páscoa e a libertação é passagem de parto, passagem pelo mar vermelho, passagem da morte para vida. São dores de mulher parindo uma nova criancinha. São medo e coragem misturados para a travessia do mar da vida. São agonias e angústias de Jesus no Getsemâni e Gólgota com as alegrias  e contentamentos Dele e dos discípulos na boca do Túmulo Vazio, dos encontros no Cenáculo, no Caminho de Emaús, a  beira do mar da Galiléia  ou nas águas mais profundas do Lago de Genesaré.

Façamos nossas passagens, ou se você está fazendo ou já fez, seja bendito você! Sabemos que não é fácil. Como numa alternância de luzes e de cores assim são as passagens, onde se misturam numa tensão escuridão e claridade, dúvidas e certezas, agonias e esperanças, medos e coragens, perdas e ganhos, custo e benefício, inquietudes e tranquilidade, equilíbrios e desequilíbrios, visível e invisível, exterior e interior, enfim,  mortes e ressurreições. Tudo isso junto. Mas é no meio da angústia que se caminha, se faz a passagem. Jesus bem disse em sua agonia: “Minha alma está angustiada até a morte”. Porém, feita a passagem, ele experimenta: “Eu sou a ressurreição e a vida”.

É Páscoa! Façamos também uma páscoa em nossas vidas! Escutemos os relâmpagos, vejamos os trovões, sintamos a chuva com tudo de bom e bonito que ela traz. Deixaremos de ser gravetos e passaremos a plantas com flores e frutos. Sejamos livres, “foi para liberdade que Cristo Ressuscitado nos libertou”.


FabioPotuiguar é presbítero, membro da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.







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