Estava tudo tão seco. As
plantas pareciam mais gravetos do que plantas. Porém, de tal modo os relâmpagos
alumiaram a escuridão da noite, seguido de trovões fazendo tremer a terra que
pelas brechas da casa e o piso do chão a luz e o tremor se faziam sentir numa
mistura de medo e vontade. Medo cheio de estupefação e encanto desses
relâmpagos clareando o céu e dos trovões fazendo tremer a terra. Vontade de
chuvas.
Chuvas para que as
plantas voltassem a ser plantas, tudo verde, os açudes enchessem dando água a quem
tem sede, o chão seco, a caatinga, os bichos e todos os sertanejos.
Assim, haveria também o
cansaço gostoso de arar a terra suculenta e jogar as sementes e, muito mais
ainda, a alegria da colheita cheia de feixes.
A chuva chega num
torrencial. Parece cantiga de ninar, embora molhe todo mundo dentro de casa
pelas goteiras nas telhas. Grita-se de alegrias com gritos maiores aos das
trovoadas. Os olhos brilham de contentamento bem mais do que a luz dos
relâmpagos. É Chuva. É passagem da seca para o inverno. É Páscoa! É como se
tudo estivesse morto e passasse a viver de novo. A humanidade e natureza
ressuscitaram.
A vida da gente às vezes
é assim igual as mal traçadas linhas do parágrafo acima. Quantas páscoas,
quantas passagens já tivemos em nossas vidas ou ainda devemos ter!
Quando uma relação
conjugal está de mal a pior e o casal procura encarar os problemas e encontra
um caminho de continuar a estrada juntos, isto é uma passagem, uma páscoa, uma
libertação. Igualmente se pode dizer de um casamento que não deu certo. Quando
os dois, esgotadas todas as possibilidades de continuarem juntos, decidem pela
separação, isto é também passagem, páscoa e libertação.
Do mesmo modo quando uma
pessoa já bem “estável” na sua vida profissional e econômica, decide mudar
tudo, quase começando do zero, a busca de outros valores e um trabalho
diferente, isto também é uma passagem, uma páscoa, uma libertação.
Ainda podemos de dizer de
um padre, uma freira ou outro ministro religioso quando livre, consciente e
voluntariamente deixam a batina e o hábito e seguem novos caminhos, é também
uma passagem, uma páscoa, uma libertação.
Quando uma homossexual,
gay ou lésbica, depois de um processo intenso, angustiante, contudo, também
libertador, assume, privada ou publicamente sua orientação sexual, para vivê-la
eticamente, isto também é uma passagem, uma páscoa, uma libertação.
Também quando alguém sai
dos grilhões das drogas, do alcoolismo, do consumismo e hedonismo, é uma
passagem, uma páscoa, uma libertação.
Quando a pessoa passa do
conjunto de regras morais escravizantes, autistas e anacrônicas e passa a viver
com Deus, segundo os ditames do sacrário, de suas consciências, à luz do
evangelho e não dos manuais, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma
libertação.
Quando pessoas e grupos
passam da miséria e da pobreza para uma condição econômica e social para
viverem com dignidade, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.
Quando se passa de uma
prática de devastação ecológica para um desenvolvimento sustentável e
preservação, isto é também uma passagem, uma páscoa, uma libertação.
Agora - prezado leitor e
amiga leitora - a passagem, a páscoa e a libertação é passagem de parto,
passagem pelo mar vermelho, passagem da morte para vida. São dores de mulher
parindo uma nova criancinha. São medo e coragem misturados para a travessia do
mar da vida. São agonias e angústias de Jesus no Getsemâni e Gólgota com as
alegrias e contentamentos Dele e dos
discípulos na boca do Túmulo Vazio, dos encontros no Cenáculo, no Caminho de
Emaús, a beira do mar da Galiléia ou nas águas mais profundas do Lago de
Genesaré.
Façamos nossas passagens,
ou se você está fazendo ou já fez, seja bendito você! Sabemos que não é fácil.
Como numa alternância de luzes e de cores assim são as passagens, onde se
misturam numa tensão escuridão e claridade, dúvidas e certezas, agonias e
esperanças, medos e coragens, perdas e ganhos, custo e benefício, inquietudes e
tranquilidade, equilíbrios e desequilíbrios, visível e invisível, exterior e
interior, enfim, mortes e ressurreições.
Tudo isso junto. Mas é no meio da angústia que se caminha, se faz a passagem.
Jesus bem disse em sua agonia: “Minha alma está angustiada até a morte”. Porém,
feita a passagem, ele experimenta: “Eu sou a ressurreição e a vida”.
É Páscoa! Façamos também
uma páscoa em nossas vidas! Escutemos os relâmpagos, vejamos os trovões,
sintamos a chuva com tudo de bom e bonito que ela traz. Deixaremos de ser
gravetos e passaremos a plantas com flores e frutos. Sejamos livres, “foi para
liberdade que Cristo Ressuscitado nos libertou”.
FabioPotuiguar é presbítero, membro
da Comissão de Justiça e Paz, coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o
Diálogo Inter-religioso na Arquidiocese de Olinda e Recife e capelão da igreja
Nossa Senhora da Assunção das Fronteiras.
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