Por Marcelo Barros
Com
o risco do contágio e a ordem de ficar em casa, quem é cristão é desafiado a
descobrir novas formas de celebrar a Páscoa que teve sua origem em ritos
domésticos e era nas casas que os primeiros cristãos celebravam a ceia de
Jesus.
Nestes dias, as comunidades cristãs
celebram a Semana Santa. Em todos os países, a orientação é celebrar em casa e
participar dos atos litúrgicos por televisão ou internet. É pena não se poder
celebrar o memorial da Páscoa de Jesus, na comunhão concreta dos irmãos e irmãs
de fé. No entanto, nossa reflexão tem de ir além das aparências.
Essa pandemia provocada pelo coronavírus
revela a fragilidade da sociedade organizada para o lucro. Empresários e
governantes discutem se é melhor salvar o mercado e deixar morrer milhares de
pessoas, ou se para salvar as pessoas,
se assume a crise econômica que virá e será muito grave. No Brasil, milhões de
pessoas vivem em habitações precárias. Grande parte da população não tem acesso
ao saneamento básico. Por isso, os mais atingidos pela pandemia serão,
inevitavelmente, os mais pobres e vulneráveis. Como continuar a corrida
armamentista que investe 800 milhões de dólares por ano em armamentos? Mesmo com todos os grandes meios de
comunicação ao seu serviço, as grandes empresas e os países ricos terão
dificuldade de manter suas guerras contra os pobres. Também nesses países, os
cidadãos estão morrendo, vítimas da arma que se desenvolveu a partir da própria
forma de organizar a sociedade.
Se, no mundo, o vírus revela que o rei
está nu, ou seja, a fragilidade do sistema está exposta, também nas Igrejas, o
vírus revela algo que o papa Francisco vem, há anos, denunciando: a doença do
clericalismo. Para muita gente de Igreja, para essa Páscoa sofrida, a única
proposta é missa por internet. E se trata da missa romana, celebrada tal qual
se faz em comunidade presencial, apenas transmitida virtualmente.
Na Bíblia, conforme o livro do Êxodo, a
ordem de Deus é que as famílias celebrem a Páscoa com uma ceia familiar, cada
família em sua casa. (Ex 12, 3- 4). Todo o povo de Deus é um “reino de sacerdotes” (Cf. Ex 19, 5- 6).
Não havia sacerdotes profissionais. Quem celebrava eram os pais de família em
suas casas. Até hoje, nas casas judaicas, ao cair do sol da sexta-feira, são as
mães que acendem as velas e cantam a bênção do Shabbat. Essa é a raiz da fé
cristã.
No Cristianismo primitivo, conforme os
Atos dos Apóstolos e o testemunho das cartas paulinas, as comunidades cristãs
não tinham templos. Deus queira que, apesar de tanto sofrimento, essa crise nos
possibilite a graça de um Cristianismo menos clerical. Que o Espírito nos
inspire celebrações mais próximas à ceia de Jesus no evangelho e à forma de
celebrar dos primeiros cristãos. Eles não tinham ainda essa divisão tão rígida
de ministérios ordenados e os não ordenados. Nem por isso eram menos fieis a
Deus ou menos católicos do que nós. Essa forma de orar e celebrar não é para
substituir a nossa comunhão diocesana ou paroquial. Ao contrário é para
aprofundá-la. Continuamos agradecendo a Deus a alegria de ter bispos e padres,
para nos confirmar na fé e nos animar na caminhada. Graças a Deus, cada vez
mais, na linha do papa Francisco, temos bispos e padres que não retêm para eles
o controle absoluto dos bens sagrados, como se lhes pertencessem e sim se
colocam juntos com todos os irmãos e irmãs batizados para testemunhar: Cristo
ressuscitou. Isso significa: o amor vence o ódio, a maldade e a morte. Amém.
MARCELO
BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente
é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email:
contato@marcelobarros.com
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