por Kinno
Cerqueira [1]
O
Brasil atravessa uma dupla crise: no contexto global, lida com os problemas de
uma severa pandemia e no contexto nacional, com uma crise política de efeitos
deletérios. Nesse cenário, erguem-se muitos discursos, dentre os quais ganham
relevo os de natureza religiosa. Hoje, em particular, deparei-me com uma série
de postagens nas quais se defende a tese de que Reino de Deus e política são
realidades que não têm nada a ver uma com a outra. Uma dessas postagens, por
exemplo, afirmava:
"A
política não traz nenhum impacto no Reino de Deus, seja em nosso país ou em
outro qualquer, lembre-se que Jesus disse: 'Meu Reino não é desse mundo'".
A
adesão massiva à frase acima, atribuída a John MacArthur e compartilhada por
milhares de pessoas, evidencia o quão deficiente são as formações cidadã e
bíblica de significativa parcela do povo cristão. Sim, deficiência de formação,
pois aí estão implícitas compreensões reducionistas sobre o significado básico
de política e de Reino de Deus.
Política
é uma palavra proveniente da língua grega, cujo significado é "a arte de
viver em sociedade". Reino de Deus, por sua vez, é uma expressão que
ocupou o centro da pregação de Jesus e significa, em linhas gerais, "a
arte de viver em sociedade em fidelidade ao projeto divino de amor, justiça e
solidariedade".
O
modo como nos relacionamos em sociedade é política. Sermos solidários ou
egoístas é uma opção política. Trabalharmos para fartar-nos de alimento e
fecharmos os olhos diante de quem passa fome é uma decisão política. Sermos
preconceituosos ou acolhedores é uma ação política. Agirmos com justiça ou
desonestidade é uma decisão política. Devastarmos o meio ambiente ou protegê-lo
é uma opção política. Numa só palavra: tudo quanto diz respeito às relações é
política.
A
sociedade é o resultado das opções políticas que fazemos. Jesus o sabia tão bem
que, ao eleger um tema central para sua pregação, optou por Reino de Deus.
Na
Bíblia, não há um conceito para Reino de Deus, pois Reino de Deus não é teoria
nem doutrina. Reino de Deus é uma prática política oposta a todas as demais
práticas políticas que rejeitam o amor, a justiça e a solidariedade.
Quando
Jesus estava sendo julgado pelo procurador romano Pôncio Pilatos, este
perguntou a Jesus se ele era rei. A resposta de Jesus foi enérgica:
Meu
reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus guardas teriam
combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Agora, porém, meu reino
não é daqui (Jo 18,36).
A
palavra mundo é a tradução da palavra grega cosmos que, nesta passagem
bíblica, significa "modo de ser e agir". A política da elite
religiosa valia-se do discurso religioso para coagir e explorar o povo. A
política de Pilatos lançava mão do exército para manter a terra de Jesus como
uma colônia do Império Romano. Jesus, ciente disso, deixa claro que seu reino
não é deste mundo, quer dizer, que sua política não é como a política dos
religiosos nem como a política de Pilatos. A política de Jesus apresenta um
projeto distinto e convida a uma prática totalmente diferente. Este é o sentido
da afirmação "Meu reino não é deste mundo".
[1] Kinno
Cerqueira é pastor batista, biblista e assessor do CEBI (Centro de Estudos
Bíblicos) para a área de estudos bíblicos.
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