Frei Betto
Tivesse
o Brasil governo, já teria tomado providências urgentes para minorar os efeitos
da pandemia sobre os mais pobres e vulneráveis. Não apenas com ajudas
emergenciais, como os R$ 600 por três meses, mas ampliando o investimento em
políticas públicas. Mas onde obter recursos?, perguntaria Guedes, que só pensa
em encher as burras do Tesouro e não em impedir que o país mergulhe em profunda
crise social.
Ora,
basta seguir o exemplo de nações escandinavas, como promover a reforma
tributária e taxar grandes fortunas, como heranças, dividendos, renda e
patrimônio. Quem ganha mais deveria pagar mais impostos. Mas para isso são
necessários dois fatores que faltam ao (des)governo atual: vontade política e
mudança de rumo na política econômica.
Na
América Latina, a região mais desigual do mundo, as elites resistem à
tributação progressiva e ao aumento de impostos para fortalecer a rede pública
de proteção social.
O
Covid-19 derrete todos os dogmas do capitalismo neoliberal. Ainda que Guedes,
como um náufrago à sua boia, se agarre às anacrônicas teorias da Escola de
Chicago, o fato é que, agora, os principais países capitalistas preferem
resgatar os princípios keynesianos, como são os casos de EUA, Canadá, Reino
Unido, Alemanha, França, Suécia e Austrália.
Isso
significa mais Estado e menos conversa fiada de Estado mínimo e privatizações.
Diante da letalidade do vírus, cabe ao poder público investir em políticas de
proteção social e assegurar o fôlego dos sistemas produtivo e financeiro.
Enquanto
as nações metropolitanas impõem à periferia, como o Brasil, ajustes fiscais,
tetos de gastos, desregulamentação financeira, flexibilização das relações
trabalhistas, e outras medidas genocidas que tornam os ricos mais ricos e os
pobres mais pobres, os donos do mundo agem, agora, exatamente na direção
oposta. Aliás, como fizeram na crise de 2008, quando injetaram grandes recursos
para impedir o efeito cascata da falência do banco Lehman Brothers.
Enquanto
aqui Bolsonaro chegou a emitir Medida Provisória propondo aos empresários
suspender, por quatro meses, contratos de trabalho, Trump, seu ídolo, acionou a
Lei de Produção de Defesa, que permite ao Estado intervir nas indústrias para
assegurar a fabricação de material para o sistema sanitário.
O
Congresso dos EUA liberou US$ 2 trilhões (em 2019, o PIB do Brasil equivaleu a
US$ 1,80 trilhão) para a proteção social e o FED, Banco Central daquele país,
decidiu conceder empréstimos, a juros baixíssimos, a pequenas e médias
empresas, estudantes, financiamento imobiliário, dívida de cartões de crédito e
compra de veículos. Até compra de celular por cartão de crédito será
financiado. O BC passou a comprar títulos do Tesouro usamericano das mãos de
particulares para irrigar o mercado.
Entre
tantos mortos pela pandemia, o capitalismo decidiu ressuscitar um que nos
deixou há mais tempo: John Maynard Keynes (1883-1946). Ele alertou que, frente
a uma crise aguda, nenhuma medida monetária faria efeito. O Estado necessariamente
teria de intervir com decisões efetivas para reaquecer a economia.
No
Reino Unido, o governo liberou o equivalente a R$ 2,5 trilhões para evitar a
falência de empresas, garantir 80% do salário de quem ganha até R$ 14,8 mil por
mês, e suspendeu a cobrança de impostos sobre o valor agregado (IVA) do
comércio e dos trabalhadores. Os autônomos tiveram alongados os prazos para
pagar impostos. Os empresários, isentos por enquanto de pagar impostos, recebem
créditos para ter dinheiro em caixa e pagar seus funcionários.
Todos
os principais países capitalistas adotaram medidas para impedir a falência das
empresas e o desemprego, multiplicando os benefícios sociais. Aqui, os bancos
privados alardeiam suas doações para combater a pandemia e, ao mesmo tempo,
elevam as taxas de juros de quem precisa de empréstimos. Algumas taxas chegam a
70% ao ano!
Como
salvar o Brasil da acelerada desindustrialização, do sucateamento do setor
produtivo e do aumento do desemprego? Os varejistas calculam que 600 mil
trabalhadores serão demitidos caso as lojas não sejam reabertas até fim de
abril. O varejo emprega 23,5% dos trabalhadores (9,1 milhões de pessoas) com
carteira assinada. As pequenas empresas são responsáveis por mais
de 80% de empregos formais e informais no Brasil.
Na
vida se colhe o que se planta. A drástica redução do orçamento da Saúde em nome
do ajuste fiscal provocou o sucateamento do SUS. Segundo a Fiocruz, o Brasil
perdeu 34,5 mil leitos entre 2009 e 2020. Os leitos de internação caíram de
460,92 mil para 426,38 mil entre a crise do H1N1 e a atual. E a rede privada
aumentou em 14 mil o número de leitos. Por isso as famílias de classes média e
alta migraram para os planos privados e a medicina de grupos, o que faz aprofundar
a seletividade e a exclusão na sociedade brasileira.
Grandes
empresários apoiadores do atual governo insistem em que se suspenda o
isolamento horizontal para fazer a economia girar. E propõem, como medida
preventiva, aplicar o teste do Covid-19 a toda a população, como ocorreu na
Coreia do Sul. Ora, como fazer o mesmo no Brasil se não há testes nem para quem
está obviamente enfermo? E como deter o avanço da pandemia se é preciso esperar
semanas pelo resultado?
Como
evitar a aglomeração de 13,6 milhões de pessoas que moram em favelas? Segundo o
Data Favela, 72% dos moradores não têm dinheiro guardado para enfrentar a
crise. Talvez a culpa seja deles, como alertou o ministro Guedes: “O brasileiro
não sabe poupar”... Como deter a disseminação do vírus se onde vivem os mais
pobres não há infraestrutura, como saneamento básico, esgoto tratado, coleta de
lixo e água potável?
É
preciso que, o quanto antes, a sociedade pressione o governo para revogar a
Emenda Constitucional número 95/2016, a do teto de gastos, que impede políticas
sanitárias, humanitárias e econômicas para salvar os 60 milhões de brasileiros
que sobrevivem abaixo da linha da pobreza.
Frei Betto é
escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez),
entre outros livros.
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