por FREI ALOÍSIO FRAGOSO
Uma das reações mais conclusivas, frente à
pandemia do coronavirus, se traduz como uma utopia: "O MUNDO NUNCA MAIS
SERÁ O MESMO". É uma frase de efeito nuclear, q. d., ela bate no núcleo
dos indivíduos e cada um reage de acordo
com a sua índole. Fico a imaginar a reação dos pessimistas, dos otimistas, dos
realistas, dos capitalistas, dos socialistas, dos crentes e não crentes, etc.
Ocorreu-me, hoje, expor um apanhado de
prognósticos para os tempos pós-covid 19, prognósticos mais ou menos otimistas,
procedentes de confiáveis analistas da sociedade, espalhados na mídia
alternativa. Proponho, no entanto, que o leitor acrescente um ponto de
interrogação, ao fim de cada afirmativa. Assim fica claro que não se trata de
evidências e sim de conjecturas, e compete a cada um chegar às suas próprias
conclusões. Vamos lá:
- Haverá um outro mundo diferente do mundo
de antes do coronavirus. E nós teremos de repensar que tipo de mundo queremos.
- Do enorme impacto desta pandemia
resultará uma aceleração de mudanças estruturais, em todos os segmentos da
sociedade, mudanças que levaríamos séculos para implantar.
- O Poder Econômico perderá a supremacia e
a arrogância de querer determinar os rumos da História.
- Serão criados modelos de Economia mais
preocupados com as necessidades humanas do que com os lucros privados.
- O COVID 19 porá em cheque-mate uma das colunas mestras
do capitalismo: a maximização da produção e do lucro.
- A
Economia de Mercado, que se sustenta e se nutre da chamada "cultura da
satisfação" e "sociedade do consumo", sofrerá uma crise global
irreversível. As pessoas terão de economizar mais, reprimindo sua avidez de
bens supérfluos.
- O colapso do Sistema Público de Saúde,
escancarado pelo COVID 19, será um divisor de águas, resgatando o papel do
Estado contra a tirania das empresas privadas.
- Segundo os entendidos, as sequelas
imediatas desta pandemia deve perdurar por 2 anos, no mínimo. E o medo das
aglomerações, na maioria das pessoas, permanecerá, mesmo com a liberação do
isolamento social. Daí é possível fazer outros prognósticos:
- Haverá profundas mudanças de hábitos nos
estilos de vida e convivência humana, com primazia da empatia e solidariedade.
- Crenças e valores vão passar por revisão
total, favorecendo os direitos da pessoa acima dos interesses do Mercado.
- Haverá uma emergência de novas formas de
lazer, cultura e alimentação. Aumentará sempre mais a oferta de espetáculos de
arte e lazer "on line", em lugar de shows em grandes espaços
públicos. Restaurantes, bares, academias e outros centros de aglomeração terão
de redesenhar seus espaços abertos ao público. Restaurantes
"fantasmas" se multiplicarão, funcionando somente através de
"delivery" (serviço de entrega).
- Serão criadas e multiplicadas
experiências de trabalho remoto e educação à distância.
- Todas estas mudanças radicais exigirão
das Igrejas e de outros grupos religiosos rever seus métodos de pregação e culto,
priorizando a formação de pequenas fraternidades, em lugar da comunicação de
massa.
Quando se trata de vaticinar o futuro, gosto
de misturar realismo com idealismo, de confiar tanto nos dados da inteligência
quanto nas intuições do coração. Por isso acrescento este soneto que escrevi
numa hora em que não tinha outra coisa a fazer, senão sonhar:
DOCE VONTADE
A noite é mais bela que o
dia
Dentro em mim, porque
fora, sombra e luz
São a face geminada da
beleza
Que em verso e reverso se
traduz.
Dentro em mim, porém, a
noite chama
Para dentro de um sonho e
me seduz,
Até onde os acordes da
manhã
Desencantam o mistério
que transluz.
Neste sonho reencontro a
alegria
De existir, refazendo, a
cada dia,
Entre coisas reais, o que
há de vir.
Nesta longa espera da
ventura
Que reprime a solidão,
enquanto dura
Esta doce vontade de
partir.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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