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segunda-feira, 27 de abril de 2020

COVID 19 - VIGÉSIMA PRIMEIRA REFLEXÃO


por Frei Aloísio Fragoso

RELIGIÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


    Uma das cenas mais impressionantes que tivemos oportunidade de ver, neste tempo excepcional de tantas cenas impressionantes, foi aquela do Papa Francisco caminhando solitário na Praça esvaziada de São Pedro, em Roma.

    Além de encantar os olhos e tocar os corações, a figura translúcida do Papa espargia uma força mística incomensurável sobre milhões de pessoas em toda terra.
    De onde vinha esta irradiação, uma vez que aquele imenso espaço vazio não podia gerar as mesmas emoções de quando ele está ocupado por uma multidão de 100.000 peregrinos, aplaudindo seu grande líder espiritual?

    Com certeza esta irradiação procedia da Fé. No entanto, naquele momento, o mistério invisível da Fé não estava associado às demonstrações visíveis da Religião.
    Religião e Fé são realidades bem próximas, mas não são sinônimas. Religião supõe e exige a presença física de fiéis praticantes, e se desenvolve por meio de ritos, cerimônias, símbolos, gestos, cânticos, leituras, orações. Fé é outra coisa. Ela transcende. Ela é criada e transmitida por uma espiritualidade essencial que confere aos sinais exteriores autenticidade e poder, que habita no interior das pessoas, imperceptível aos sentidos externos, tornada real pela comunhão de cada um com a Divindade. É pura mística. Sem isso, a prática religiosa não passa de formalismos.

    Nem sempre as duas estão associadas. Pode haver Religião sem Fé. E, de fato, acontecem com frequência manifestações religiosas, por vezes espetaculares, belas,  porém desprovida de Fé.

   A Religião pode ser facilmente apropriada pelos Sistemas e pela grande mídia, em favor de suas políticas e ideologias. A Fé, não, jamais. Ela é tão livre e indevassável como o Espírito que a conduz. Por isso ela escapa ao controle das Igrejas, de outras Instituições e também de quem preside a celebração.

    Como diz Leonardo Boff, "A Religião aprisiona, a Espiritualidade liberta" (do que se deduz que é a Espiritualidade quem liberta a Religião).

    Isso não quer dizer que  a Religião, com seus ritos, símbolos e tradições, possa ser descartada ou menosprezada, em nome da pureza da Fé. Pelo contrário. Nós não somos espíritos puros. Somos pessoas, em quem espírito e matéria constituem uma unidade indissolúvel. As formas externas são indispensáveis para vivenciar os sentimentos da alma. Além disso, ela dá à prática da Fé uma dimensão comunitária, livrando-a do individualismo, onde cada um cria seu Deus e seu culto, para uso pessoal.

    O que temos de fazer é aperfeiçoar as práticas da Religião, livrá-las de formalismos e vulgaridades, restituir-lhe a simplicidade e a coerência.

    As situações geradas pela pandemia do coronavírus ajudam-nos a fazer este discernimento.

    Enquanto lamentamos os templos vazios de fiéis e de cultos, testemunhamos expressões de Fé vivas, profundas, prodigiosas, espalhadas por toda parte, sem distinção de cultura ou de credo, parecendo que todas as igrejas transformaram-se num único templo, do tamanho do planeta, tendo como teto o firmamento, como piso a superfície terrestre e como limites, o horizonte inalcançável.

    Daí se entende também porque Igrejas e Movimentos religiosos, que só conseguem mover a Fé dos fiéis, aglomerando-os, mostram-se ausentes e omissos, num momento como este, quando todos  carecem de alento e confiança. O quanto existe aí de Fé autêntica e o quanto de mistificação e o quanto de manipulação, só Deus sabe.

    Enfim, tudo isso comprova, mais uma vez, como as grandes crises se tornam oportunidade para chegarmos mais perto do mistério e da verdade das coisas.

    Estamos nos aproximando da festa de Pentecostes. Numa prece bem conhecida e universal pedimos ao Espírito Santo que "encha os nossos corações", "acenda neles o fogo do Amor", "recrie todas as coisas", e "renove a face da terra'. Uma súplica audaciosa em cada um dos seus termos.

    Uma súplica que, uma vez atendida e tornada realidade em nossas vidas, apressará o fim dessa tragédia, que reduziu nossas práticas religiosas, mas só fez aumentar a nossa 
Fé. AMÉM.

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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