por Frei Aloísio Fragoso
RELIGIÃO
EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Uma das cenas mais impressionantes que
tivemos oportunidade de ver, neste tempo excepcional de tantas cenas
impressionantes, foi aquela do Papa Francisco caminhando solitário na Praça
esvaziada de São Pedro, em Roma.
Além de encantar os olhos e tocar os
corações, a figura translúcida do Papa espargia uma força mística
incomensurável sobre milhões de pessoas em toda terra.
De onde vinha esta irradiação, uma vez que
aquele imenso espaço vazio não podia gerar as mesmas emoções de quando ele está
ocupado por uma multidão de 100.000 peregrinos, aplaudindo seu grande líder
espiritual?
Com certeza esta irradiação procedia da Fé.
No entanto, naquele momento, o mistério invisível da Fé não estava associado às
demonstrações visíveis da Religião.
Religião e Fé são realidades bem próximas,
mas não são sinônimas. Religião supõe e exige a presença física de fiéis
praticantes, e se desenvolve por meio de ritos, cerimônias, símbolos, gestos,
cânticos, leituras, orações. Fé é outra coisa. Ela transcende. Ela é criada e
transmitida por uma espiritualidade essencial que confere aos sinais exteriores
autenticidade e poder, que habita no interior das pessoas, imperceptível aos
sentidos externos, tornada real pela comunhão de cada um com a Divindade. É
pura mística. Sem isso, a prática religiosa não passa de formalismos.
Nem sempre as duas estão associadas. Pode
haver Religião sem Fé. E, de fato, acontecem com frequência manifestações
religiosas, por vezes espetaculares, belas,
porém desprovida de Fé.
A Religião pode ser facilmente apropriada
pelos Sistemas e pela grande mídia, em favor de suas políticas e ideologias. A
Fé, não, jamais. Ela é tão livre e indevassável como o Espírito que a conduz.
Por isso ela escapa ao controle das Igrejas, de outras Instituições e também de
quem preside a celebração.
Como diz Leonardo Boff, "A Religião
aprisiona, a Espiritualidade liberta" (do que se deduz que é a
Espiritualidade quem liberta a Religião).
Isso não quer dizer que a Religião, com seus ritos, símbolos e
tradições, possa ser descartada ou menosprezada, em nome da pureza da Fé. Pelo
contrário. Nós não somos espíritos puros. Somos pessoas, em quem espírito e
matéria constituem uma unidade indissolúvel. As formas externas são
indispensáveis para vivenciar os sentimentos da alma. Além disso, ela dá à
prática da Fé uma dimensão comunitária, livrando-a do individualismo, onde cada
um cria seu Deus e seu culto, para uso pessoal.
O que temos de fazer é aperfeiçoar as
práticas da Religião, livrá-las de formalismos e vulgaridades, restituir-lhe a
simplicidade e a coerência.
As situações geradas pela pandemia do
coronavírus ajudam-nos a fazer este discernimento.
Enquanto lamentamos os templos vazios de
fiéis e de cultos, testemunhamos expressões de Fé vivas, profundas,
prodigiosas, espalhadas por toda parte, sem distinção de cultura ou de credo,
parecendo que todas as igrejas transformaram-se num único templo, do tamanho do
planeta, tendo como teto o firmamento, como piso a superfície terrestre e como
limites, o horizonte inalcançável.
Daí se entende também porque Igrejas e
Movimentos religiosos, que só conseguem mover a Fé dos fiéis, aglomerando-os,
mostram-se ausentes e omissos, num momento como este, quando todos carecem de alento e confiança. O quanto existe
aí de Fé autêntica e o quanto de mistificação e o quanto de manipulação, só
Deus sabe.
Enfim, tudo isso comprova, mais uma vez,
como as grandes crises se tornam oportunidade para chegarmos mais perto do mistério
e da verdade das coisas.
Estamos nos aproximando da festa de
Pentecostes. Numa prece bem conhecida e universal pedimos ao Espírito Santo que
"encha os nossos corações", "acenda neles o fogo do Amor",
"recrie todas as coisas", e "renove a face da terra'. Uma
súplica audaciosa em cada um dos seus termos.
Uma súplica que, uma vez atendida e tornada
realidade em nossas vidas, apressará o fim dessa tragédia, que reduziu nossas
práticas religiosas, mas só fez aumentar a nossa
Fé. AMÉM.
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