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quinta-feira, 23 de abril de 2020

COVID 19 - 23/04/2020 - DÉCIMA NONA REFLEXÃO



Por Frei Aloísio Fragoso

O AMOR EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

    Amor é a única palavra do vocabulário humano autorizada a cruzar a ponte entre o tempo e a eternidade. O apóstolo São Paulo é quem lhe garante este direito. Na sua epístola aos coríntios, ele escreve "o amor jamais passará", desaparecerão ciências, línguas, profecias; não haverá mais necessidade de fé e esperança, só ficará o amor (cf.2Cor. 13ss). Outro dos apóstolos, São João, enriquece está idéia, dando-lhe uma razão teológica: "Deus é Amor, quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" 1Jo.4,16.

    No entanto, não é nada fácil tratar de um assunto  sobre o qual todo mundo é especialista, seja pela experiência adquirida ao longo dos anos, seja pelos segredos guardados no coração. Quando a matéria é falar de amor, até uma roda de conversa vira universidade.

    A este respeito, não se pode dizer que nossos conhecimentos evoluíram com o passar do tempo, e hoje sabemos amar mais e melhor do que os nossos antepassados. Um dos maiores amantes da História viveu no século 13, chamava-se Francisco de Assis. Nem podemos nos vangloriar, nós cristãos, de que levamos vantagem sobre  os que vieram ao mundo antes de Cristo. Na verdade, o que muda são as formas de entender e praticar o amor.

    Os sábios gregos o imaginavam como uma energia criadora que perpassava não só o universo humano, mas todas as criaturas do planeta. Alguns deles defenderam que, aos 4 elementos constitutivas do universo (terra, água, ar e fogo), deve-se acrescentar mais dois: o ódio e o amor. O primeiro como força de repulsão e o amor como força de atração, encarregado de agregar os demais elementos. Daí, afirmam, onde houver existência deve haver amor e tudo que possui um movimento vital é movido também pelo amor. Assim as plantas amam a terra, através das leis da vegetação, os animais se amam entre si, através de seus instintos naturais, e até quando duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio se juntam e produzem a água,
nisso também há amor.

    O sentimento do amor é explosivo. Ele tem sido causa ou pretexto de milhões de mortes e outro tanto de ressurreições, de martírios, homicídios, suicídios e também, em contra-partida,  conversões, revoluções, santificações, que produziram os melhores homens e mulheres da História. A Fé pede que abramos um parêntese para lembrar que a Páscoa de Jesus foi uma prova suprema deste grande Mistério.

    No campo da mais alta mística, não poucas vezes, se extrapola a linguagem usual, para expressar o inexprimível. Assim o faz uma das maiores místicas da Igreja, Sta.Teresa D'Ávila, ao escrever: "sem o tempero da loucura, o amor é insípido'.

    Finalmente, vamos encontrar na primeira epístola de S. João, 1,14, uma boa afirmação para arrematar estas reflexões: "quem não ama, permanece na morte".
    Tudo muito bonito. Contudo, na hora de saber mesmo o que é o amor, pouco valem teologias, filosofias, literaturas. Vale muito mais a resposta daquela criança a quem perguntaram o que é o amor, e ele disse: "o amor é painho e mainha".

    Incomparável sabedoria dos inocentes, intuindo que amor é encarnação viva; enquanto a palavra não se faz carne na pessoa real, ela continua estéril, mera abstração. Por conseguinte, a única escola com plena competência de ensinar a amar e ser amado é a escola da vida, onde se leem os fatos comprovados e os exemplos das pessoas. O resto é fantasia.

    Então, o que é o amor em tempos de coronavirus?  Nestas semanas temos nos alimentado espiritualmente dos mais belos textos escritos, cantados, fonados, através das redes sociais. Eles são dádivas preciosas, ajudam a sustentar nosso ânimo, nossa esperança. Houve, no entanto, um momento em que todo nosso ser foi violentado e tivemos que reagir com sentimentos díspares de conformidade e revolta, admiração e perplexidade. Foi quando nos deparamos com esta notícia: "uma enfermeira e duas técnicas de enfermagem morreram contagiadas pelo coronavirus, enquanto cuidavam de outros infectados". Nos dias seguintes foram divulgados outros exemplos  destes sacrifícios incontestáveis, nos quais a humanidade se vê redimida e se prova que, no ser humano, há mais a que admirar do que a desdenhar.

    Agora que temos a prova do que é o amor, só resta propor que contemplemos, em atitude de profunda veneração, esta inscrição na lápide de seus túmulos: MÁRTIRES DO AMOR.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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