Por Frei
Aloísio Fragoso
O AMOR EM
TEMPOS DE CORONAVIRUS
Amor é a única palavra do vocabulário
humano autorizada a cruzar a ponte entre o tempo e a eternidade. O apóstolo São
Paulo é quem lhe garante este direito. Na sua epístola aos coríntios, ele
escreve "o amor jamais passará", desaparecerão ciências, línguas,
profecias; não haverá mais necessidade de fé e esperança, só ficará o amor
(cf.2Cor. 13ss). Outro dos apóstolos, São João, enriquece está idéia, dando-lhe
uma razão teológica: "Deus é Amor, quem permanece no amor permanece em
Deus e Deus nele" 1Jo.4,16.
No entanto, não é nada fácil tratar de um
assunto sobre o qual todo mundo é
especialista, seja pela experiência adquirida ao longo dos anos, seja pelos
segredos guardados no coração. Quando a matéria é falar de amor, até uma roda
de conversa vira universidade.
A este respeito, não se pode dizer que
nossos conhecimentos evoluíram com o passar do tempo, e hoje sabemos amar mais
e melhor do que os nossos antepassados. Um dos maiores amantes da História
viveu no século 13, chamava-se Francisco de Assis. Nem podemos nos vangloriar,
nós cristãos, de que levamos vantagem sobre
os que vieram ao mundo antes de Cristo. Na verdade, o que muda são as
formas de entender e praticar o amor.
Os sábios gregos o imaginavam como uma
energia criadora que perpassava não só o universo humano, mas todas as
criaturas do planeta. Alguns deles defenderam que, aos 4 elementos
constitutivas do universo (terra, água, ar e fogo), deve-se acrescentar mais
dois: o ódio e o amor. O primeiro como força de repulsão e o amor como força de
atração, encarregado de agregar os demais elementos. Daí, afirmam, onde houver
existência deve haver amor e tudo que possui um movimento vital é movido também
pelo amor. Assim as plantas amam a terra, através das leis da vegetação, os
animais se amam entre si, através de seus instintos naturais, e até quando duas
moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio se juntam e produzem a água,
nisso
também há amor.
O sentimento do amor é explosivo. Ele tem
sido causa ou pretexto de milhões de mortes e outro tanto de ressurreições, de
martírios, homicídios, suicídios e também, em contra-partida, conversões, revoluções, santificações, que
produziram os melhores homens e mulheres da História. A Fé pede que abramos um
parêntese para lembrar que a Páscoa de Jesus foi uma prova suprema deste grande
Mistério.
No campo da mais alta mística, não poucas
vezes, se extrapola a linguagem usual, para expressar o inexprimível. Assim o
faz uma das maiores místicas da Igreja, Sta.Teresa D'Ávila, ao escrever:
"sem o tempero da loucura, o amor é insípido'.
Finalmente, vamos encontrar na primeira
epístola de S. João, 1,14, uma boa afirmação para arrematar estas reflexões:
"quem não ama, permanece na morte".
Tudo muito bonito. Contudo, na hora de
saber mesmo o que é o amor, pouco valem teologias, filosofias, literaturas.
Vale muito mais a resposta daquela criança a quem perguntaram o que é o amor, e
ele disse: "o amor é painho e mainha".
Incomparável sabedoria dos inocentes,
intuindo que amor é encarnação viva; enquanto a palavra não se faz carne na
pessoa real, ela continua estéril, mera abstração. Por conseguinte, a única
escola com plena competência de ensinar a amar e ser amado é a escola da vida,
onde se leem os fatos comprovados e os exemplos das pessoas. O resto é
fantasia.
Então, o que é o amor em tempos de
coronavirus? Nestas semanas temos nos
alimentado espiritualmente dos mais belos textos escritos, cantados, fonados,
através das redes sociais. Eles são dádivas preciosas, ajudam a sustentar nosso
ânimo, nossa esperança. Houve, no entanto, um momento em que todo nosso ser foi
violentado e tivemos que reagir com sentimentos díspares de conformidade e
revolta, admiração e perplexidade. Foi quando nos deparamos com esta notícia:
"uma enfermeira e duas técnicas de enfermagem morreram contagiadas pelo
coronavirus, enquanto cuidavam de outros infectados". Nos dias seguintes
foram divulgados outros exemplos destes
sacrifícios incontestáveis, nos quais a humanidade se vê redimida e se prova
que, no ser humano, há mais a que admirar do que a desdenhar.
Agora que temos a prova do que é o amor, só
resta propor que contemplemos, em atitude de profunda veneração, esta inscrição
na lápide de seus túmulos: MÁRTIRES DO AMOR.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade
franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário