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terça-feira, 21 de abril de 2020

COVID 19 - 21/04/2020 - DÉCIMA OITAVA REFLEXÃO



 
por Frei Aloísio Fragoso

A ESPERANÇA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


    Ao lado da Fé e do Amor, a Esperança compõe a trilogia que a nossa Igreja chama de "virtudes capitais". Sobre elas se assentam as demais virtudes; sobre elas se sustentam o equilíbrio mental e emocional dos indivíduos  e a  construção da fraternidade universal.
    A despeito disso, não consigo desenvolver uma reflexão sobre este assunto, a mente parece travada. Só me ocorrem idéias vagas, abstratas, conceituais, do tipo "quem espera sempre alcança", "a esperança é a última que morre" e outros clichês desgastados pelo uso.
    Recorro às Escrituras Sagradas e me deparo com uma linguagem mística, transcendente. Como em Ap.22,17: "O Espírito e a Esposa dizem "Vem!" Possa aquele que ouve dizer também "Vem"! Quem tem sede venha, e quem quiser, beba gratuitamente da Água da Vida". Belíssima imagem para simbolizar a soma das nossas esperanças: beber gratuitamente da Água da Vida.
    Abro o livro dos salmos e descubro, nesta coleção de cânticos e orações do Povo de Deus, uma surpresa: ele é a narrativa de todas as suas esperanças misturada com a narrativa de seus desesperos e desolações. Ao mesmo tempo em que reclama da omissão de Javé ("Acorda, ó Deus, por que dormes? Abandonas teu povo nas mãos dos inimigos? Não vês que eles zombam de nós dizendo: cadê o Deus de vocês?" o salmista  confessa a confiança do povo no Único que pode salvá-lo. Outra surpresa é ver que os salmos estão escritos, do começo ao fim, em forma de poesia.
   Então me vem à cabeça usar os mesmos artifícios, a poesia e a mística, para tratar deste assunto. Vou buscar inspiração nas imagens que povoaram a minha adolescência. A imagem do circo com seus malabarismos (sempre quis ser ou mágico ou trapezista). A lembrança de uma figura histórica que me presenteava sempre de novo com risos e gargalhadas: Charles Chaplin. E a representação do Paraíso Perdido, que eu redesenhavaa na imaginação, com mil formas e cores.
    Que vejo simbolizado  em cada uma destas imagens? Na visão do picadeiro, sonhos que se misturam com a realidade na construção da Esperança. Nos filmes de Carlito, estímulos e desafios nutrindo o desejo incontido de abalar os Sistemas dominantes, infectados de vírus infinitamente mais letais do que o coronavirus. E no Paraíso  Perdido, não o que ficou para trás, no início da Criação, mas sim o que temos de reconquistar para o futuro.
    Se tiverem paciência, leiam os três sonetos que daí resultaram:

       VISÕES

Do que resta dos meus anos, gostaria
De fazer um poema surrealista:
Da infância refazer o velho circo,
O palhaço, o mágico e a trapezista.

Com o palhaço revestir de fantasias
Tantos planos que ainda estão na lista.
Rir de mim, rir da vida, rir de tudo,
Com o deboche sereno de um artista.

Da cartola do mágico tirar flores
Vermelhas, só vermelhas, de presente
Aos amigos que ficaram até o fim.

E, ao final, numa profusão de cores,
Do trapézio saltar, ingenuamente,
Entre os BRAÇOS que acenam para mim.

    CHARLES CHAPLIN

Mil novecentos e cincoenta e dois.
Lá se vai Carlito e não tem volta,
Pelo crime de excesso de talento,
De fazer-se livremente de idiota

Em favor de "idiotas" reprimidos.
Fabricante de máscaras, não se esgota.
Cada máscara esconde um opressor.
Mc. Carthy se vê e se revolta,

E com ele a Legião Americana,
Moralistas cínicos e otários
E as elites coléricas, empoladas.

Nos cinemas a platéia não se engana,
Reconhece o gênio e os falsários
E aplaude e explode em gargalhadas.

    NOVO PARAÍSO

Devolva-me o tempo ao mais remoto
Dos dias da Criação, e, junto a Deus,
Possa eu assistir atentamente
Ao princípio da terra e dos céus.

Enquanto se deslumbram os meus olhos,
O sopro do Criador levanta os véus
E renasce das distintas criaturas
A forma que deslumbra os olhos meus.

E escuto um murmúrio onipresente:
"Tudo é belo", "tudo é bom", menos somente
Não haver no universo o pranto e o riso.

E o Senhor recria o homem e a mulher
E lhes deixa por destino e por dever
A conquista do Perdido Paraíso.

    Está é a minha esperança em termos ideais: refazer o Projeto original do Criador, em tarefa que Ele entregou aos nossos cuidados, mas empenhou sua palavra como garantia do êxito final.
    Cada um vive da sua esperança.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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