por Frei Aloísio Fragoso
A ESPERANÇA EM TEMPOS DE
CORONAVIRUS
Ao lado da Fé e do Amor, a Esperança compõe
a trilogia que a nossa Igreja chama de "virtudes capitais". Sobre
elas se assentam as demais virtudes; sobre elas se sustentam o equilíbrio
mental e emocional dos indivíduos e
a construção da fraternidade universal.
A despeito disso, não consigo desenvolver
uma reflexão sobre este assunto, a mente parece travada. Só me ocorrem idéias
vagas, abstratas, conceituais, do tipo "quem espera sempre alcança",
"a esperança é a última que morre" e outros clichês desgastados pelo
uso.
Recorro às Escrituras Sagradas e me deparo
com uma linguagem mística, transcendente. Como em Ap.22,17: "O Espírito e
a Esposa dizem "Vem!" Possa aquele que ouve dizer também
"Vem"! Quem tem sede venha, e quem quiser, beba gratuitamente da Água
da Vida". Belíssima imagem para simbolizar a soma das nossas esperanças:
beber gratuitamente da Água da Vida.
Abro o livro dos salmos e descubro, nesta
coleção de cânticos e orações do Povo de Deus, uma surpresa: ele é a narrativa
de todas as suas esperanças misturada com a narrativa de seus desesperos e
desolações. Ao mesmo tempo em que reclama da omissão de Javé ("Acorda, ó
Deus, por que dormes? Abandonas teu povo nas mãos dos inimigos? Não vês que
eles zombam de nós dizendo: cadê o Deus de vocês?" o salmista confessa a confiança do povo no Único que
pode salvá-lo. Outra surpresa é ver que os salmos estão escritos, do começo ao
fim, em forma de poesia.
Então me vem à cabeça usar os mesmos
artifícios, a poesia e a mística, para tratar deste assunto. Vou buscar
inspiração nas imagens que povoaram a minha adolescência. A imagem do circo com
seus malabarismos (sempre quis ser ou mágico ou trapezista). A lembrança de uma
figura histórica que me presenteava sempre de novo com risos e gargalhadas:
Charles Chaplin. E a representação do Paraíso Perdido, que eu redesenhavaa na
imaginação, com mil formas e cores.
Que vejo simbolizado em cada uma destas imagens? Na visão do
picadeiro, sonhos que se misturam com a realidade na construção da Esperança.
Nos filmes de Carlito, estímulos e desafios nutrindo o desejo incontido de
abalar os Sistemas dominantes, infectados de vírus infinitamente mais letais do
que o coronavirus. E no Paraíso Perdido,
não o que ficou para trás, no início da Criação, mas sim o que temos de
reconquistar para o futuro.
Se tiverem paciência, leiam os três sonetos
que daí resultaram:
VISÕES
Do que resta dos meus
anos, gostaria
De fazer um poema
surrealista:
Da infância refazer o
velho circo,
O palhaço, o mágico e a
trapezista.
Com o palhaço revestir de
fantasias
Tantos planos que ainda
estão na lista.
Rir de mim, rir da vida,
rir de tudo,
Com o deboche sereno de
um artista.
Da cartola do mágico
tirar flores
Vermelhas, só vermelhas,
de presente
Aos amigos que ficaram
até o fim.
E, ao final, numa
profusão de cores,
Do trapézio saltar,
ingenuamente,
Entre os BRAÇOS que
acenam para mim.
CHARLES CHAPLIN
Mil novecentos e
cincoenta e dois.
Lá se vai Carlito e não
tem volta,
Pelo crime de excesso de
talento,
De fazer-se livremente de
idiota
Em favor de
"idiotas" reprimidos.
Fabricante de máscaras,
não se esgota.
Cada máscara esconde um
opressor.
Mc. Carthy se vê e se
revolta,
E com ele a Legião
Americana,
Moralistas cínicos e
otários
E as elites coléricas,
empoladas.
Nos cinemas a platéia não
se engana,
Reconhece o gênio e os
falsários
E aplaude e explode em
gargalhadas.
NOVO PARAÍSO
Devolva-me o tempo ao
mais remoto
Dos dias da Criação, e,
junto a Deus,
Possa eu assistir
atentamente
Ao princípio da terra e
dos céus.
Enquanto se deslumbram os
meus olhos,
O sopro do Criador
levanta os véus
E renasce das distintas
criaturas
A forma que deslumbra os
olhos meus.
E escuto um murmúrio
onipresente:
"Tudo é belo",
"tudo é bom", menos somente
Não haver no universo o
pranto e o riso.
E o Senhor recria o homem
e a mulher
E lhes deixa por destino
e por dever
A conquista do Perdido
Paraíso.
Está é a minha esperança em termos ideais:
refazer o Projeto original do Criador, em tarefa que Ele entregou aos nossos
cuidados, mas empenhou sua palavra como garantia do êxito final.
Cada um vive da sua esperança.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano,
coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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