Por FREI ALOÍSIO FRAGOSO
Nesta quinta-feira, eu não me sinto à
vontade para falar de outro assunto, senão da Última Ceia de Jesus com seus
apóstolos. Na minha vida de padre, ela tem sido um espaço infinito da minha
realização pessoal. Os fatos narrados nos Evangelhos transcendem em mistério só
acessível à Fé, mas capaz de comover a crentes e não crentes.
Uma das mais famosas obras de arte da
História é a "Ceia Larga" do italiano Leonardo da Vinci. Nela o
pintor parece querer retratar lances deste Mistério, ao transpor para a tela o
exato momento em que Jesus declara: "um de vocês vai me trair". Os
corpos estão em movimento e os rostos tensionados convergem numa mesma
indagação: "quem é o traidor?"
Numerosas tradições, reais ou fictícias,
acompanharam a história desta genial pintura. Uma delas conta o seguinte: Da
Vinci passou anos procurando dois jovens que servissem de modelo para dois de
seus personagens, Jesus, o Salvador e Judas, o traidor. Encontrou o primeiro e
retratou-o; após anos de intervalo, encontrou o segundo e também o retratou.
Passado algum tempo, todos ficaram sabendo de um segredo: estes dois
personagens coincidiram em uma única pessoa. Sem que o pintor percebesse, o
modelo de Jesus fora o mesmo modelo de Judas, estando este com a face
desfigurada pelas marcas do pecado.
Voltando aos Evangelhos, em um climax
de tensões, emoções e surpresas, Jesus expõe ao vivo o último capítulo
da sua missão redentora. Institui o Memorial da Eucaristia ("Isto é meu
corpo, isto é meu sangue. Tomai e comei, tomai e bebei"). Institui o
Sacerdócio Ministerial ("Fazei isto
memória de mim"). Estabelece os fundamentos da sua Fraternidade
("Se eu, o Senhor, lavei os seus pés,
quanto mais vocês devem lavar os pés uns dos outros'). Promete a vinda
do Espírito Santo ("Eu mandarei o Espírito da Verdade e Ele lhes
comunicará toda Verdade"). Anuncia a sua Segunda Vinda ("Eu voltarei
e, então, lhes darei uma alegria que ninguém mais poderá tirar de vocês").
Em meio a estas emoções, revelam-se ali as
verdades de cada um e, nelas, a grandeza e a pequenez do ser humano . O fiel
amigo Pedro jura fidelidade ("Ainda que todos te abandonem, eu não te
abandonarei") e, pouco depois, nega
seu Senhor covardemente ("Eu não conheço este homem"). Os demais
apóstolos choram a partida do Mestre amado para, a seguir, abandoná-lo ao
Tribunal dos fariseus. Sem falar na traição do Iscariotes.
Jesus os prepara para o futuro ("O
servo não é maior do que o seu Senhor, assim como me perseguiram, perseguirão
também vocês"). E se levanta da mesa com um enigmático apelo de Fé:
"Não tenham medo, eu venci mundo".
Fica para nós, herdeiros desta Fé,
descobrir como isso é possível, como é possível, em meio a tantos sinais
evidentes de fracasso, Alguém se declarar Vencedor. No entanto, é neste embate
entre os sinais da vida e da morte, que podemos entender o Mistério maior da
Páscoa.
Neste momento, a quarentena compulsória,
imposta pelo COVID 19, não impede,
pelo contrário, convida-nos a reviver a Ceia Larga. Ela oportuniza chances
maiores de reunir os familiares em torno da mesa comum, com a presença de todos
os comensais. Como na Ceia de Jesus, aí também haverá tensões e emoções. E
também aí os pais terão o direito de tomar o pão e o vinho em suas mãos e
repetir estas palavras:
"isto é meu corpo,
isto é meu sangue", pois o pão sobre a mesa da família é infinitamente
mais do que matéria, é o pão do amor, sacrifício amoroso do trabalho. Com
certeza Jesus estará no centro desta eucaristia familiar.
Que assim seja, que, por este caminho,
vivamos a experiência de que fala São Paulo: "A VITORIA QUE VENCE O MUNDO
É A NOSSA FÉ."
Amém.
FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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