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domingo, 19 de setembro de 2010

Cidadania continental


por MARCELO BARROS

O conceito de cidadania tem se democratizado. Onde há discriminação econômica, não se consegue realizar uma democracia social e política, verdadeira e completa. Apesar disso, em quase todo o mundo, homens e mulheres, das mais diferentes raças e cores, conquistaram, ao menos juridicamente, a igualdade perante a lei e o reconhecimento de sua dignidade e seus direitos humanos. Infelizmente, na América Latina, índios ainda são socialmente marginalizados e muitos trabalhadores rurais mantidos em regime de escravidão parcial. Quase sempre ser negro significa também ser pobre. Além disso, em muitos casos, a mulher ainda sofre discriminações. Seja como for, não se pode negar: novos ventos de liberdade e de justiça varrem o continente. Especialmente nestes dias, as atenções de boa parte da humanidade se voltam para o nosso hemisfério. Desta quarta-feira, 11 de agosto ao domingo, 15, se realiza em Assunção, capital do Paraguai, o 4º Fórum Social das Américas. Este fórum reunirá homens, mulheres, jovens, idosos, lideranças sociais, representantes de movimentos civis, índios negros e grupos feministas, em quase cinco dias de diálogo e estudos. O tema primeiro e central será a análise dos alcances e desafios do atual processo de mudanças sociais e políticas que está ocorrendo nas Américas. Principalmente, depois da evidente crise que o atual sistema econômico manifesta no mundo inteiro, pessoas de todo o mundo percebem com mais clareza que a economia é um assunto sério demais e tem tanta repercussão em nossas vidas que não pode ser deixado apenas em mãos de governos elitistas e técnicos burocratas.
Não é a primeira vez que os movimentos sociais e cidadãos/as deste continente se reúnem em fóruns de diálogo e discussão democrática. O primeiro aconteceu em Quito (2004). O segundo se realizou em Caracas (2006) durante um evento do 6º Fórum Social Mundial. O terceiro ocorreu em Guatemala (2008). O que começa nesta quarta feira será o quarto e, pela primeira vez contará com a acolhida dos nossos irmãos e irmãs do Paraguai. Como por princípio é um fórum de cidadania, autoridades que se fazem presentes vão como cidadãos, com direitos iguais a qualquer outra pessoa e não como políticos ou detentores de privilégios especiais.
Um elemento que tem se repetido em outros fóruns e caracteriza este de Assunção é o fato de se realizar nas dependências de duas universidades. Uma parte das reuniões se dará no Instituto Superior de Educação (ISE) e outra na Escola de Educação Física (EEF). É extremamente importante esta relação entre a Universidade e o povo. Cada vez mais, se torna necessário que os muros das escolas não se tornem barreiras para a cidadania e nem fechem professores e alunos em ilhas de especialização pouco conectadas com a realidade social e política que vivemos.
Antes mesmo de iniciar este fórum, seus participantes têm algumas conquistas a festejar. Com a criação de organismos de integração entre nossos povos como a UNASUL (União das Nações da América do Sul), a ALBA (Aliança Bolivariana das Américas) e mesmo o Mercosul, se tem alcançado uma nova consciência de pertença e identidade continental que antes não havia. Além disso, a noção indígena do bom viver tem entrado nas novas Constituições de países como o Equador e a Bolívia, como objetivo dos Estados (garantir uma vida digna, saudável e mesmo, na medida do possível, feliz para todos os cidadãos) e uma consciência social que vai se ampliando. O desafio ecológico e a sustentabilidade do planeta exigem rapidamente mudanças civilizatórias e isso também está sendo verdadeiramente assumido e amplamente discutido pelos grupos e comunidades de base.
Os fóruns sociais não têm poder de decisão. Por isso, há quem pense que são inúteis ou ao menos pouco relevantes. Quem acompanha as mudanças e conquistas obtidas nestes anos recentes, em todo o continente, pelas populações indígenas, negras e por outros segmentos dos setores populares sabe que isso não é verdade. Os fóruns sociais exercem sua função exatamente no campo da educação social e da cidadania. E ajudam as pessoas a descobrirem: embora somente a educação não consiga mudar nada, nada será mudado no mundo sem a educação. Quem busca aprofundar um caminho de espiritualidade pode pensar que estes assuntos sociais não tenham muito a ver com a fé. Ledo engano. O Dalai Lama percorre o mundo inteiro não para pregar uma religião e sim para estimular todos os seres humanos a uma solidariedade compassiva. Do mesmo modo, o núcleo da mensagem judaica e cristã é o amor solidário ao próximo que hoje não é apenas uma pessoa, mas povos inteiros necessitados de justiça e de paz.

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