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terça-feira, 31 de maio de 2016

O ROSTO FEMININO DE DEUS


Por Marcelo Barros


No dia 12 de maio, ao receber no Vaticano 900 religiosas da União dos Superiores de Congregações Religiosas, o papa se dispôs a responder a perguntas das irmãs. As questões tinham sido enviadas com antecedência e uma delas queria saber se a hierarquia da Igreja poderia abrir o diaconato para mulheres. O papa respondeu como algo espontâneo e simples: “- Sim. Podemos abrir uma comissão de estudos sobre isso. Aceito a sugestão e prometo fazer isso”. Os dois últimos papas antes de Francisco haviam fechado qualquer possibilidade de abertura sobre esse assunto. Na ocasião do jubileu do ano 2000, o cardeal Carlo Martini, arcebispo de Milão, tinha declarado: “Na história da Igreja, já houve diaconisas. Podemos pensar nessa possibilidade”.

Para a Igreja, abrir à mulher a possibilidade de receber um ministério ordenado é uma mudança mais básica e importante do que qualquer outra. Atualmente, os pastores da Igreja refletem sobre como atualizar o diálogo com a humanidade sobre questões de moral sexual. Há quem pense que o essencial é o caminho ecumênico – a unidade das Igrejas. No entanto, o reconhecimento da igualdade entre homem e mulher no que diz respeito também ao direito de exercer ministérios é uma questão básica de justiça. O fato de que a sociedade antiga era patriarcal não justifica que nós o sejamos. Contra a cultura discriminadora da sua época, Jesus se relacionou com homens e mulheres e tinha um grupo de mulheres que o seguia, como faziam os apóstolos (Cf. Lc 18, 1 – 3). Na carta aos gálatas, Paulo escrevia: “Homens e mulheres, judeus e gregos, somos uma coisa só no Cristo Jesus” (Gl 3, 27- 28). Essa abertura de Jesus e do seu primeiro grupo às mulheres pode ser considerado a semente do movimento pela promoção da mulher em todo o mundo. Por isso, é importante voltar a essa sensibilidade e superar séculos de discriminação e de justificativas teológicas e bíblicas para a marginalização da mulher nas Igrejas.

O papa vai instituir uma comissão de peritos para estudar os textos do Novo Testamento e dos primeiros séculos do Cristianismo. É certo que as Igrejas antigas tinham diaconisas, mas não é claro que função elas tinham nas comunidades. Talvez os estudiosos cheguem à conclusão de que as diaconisas se encarregavam de trabalhos sociais de ajuda aos mais pobres e fracos. No entanto, não se sabe se, para isso, eram ordenadas. Alguns usam essa dúvida como argumento para ser contrários hoje à ordenação de diaconisas. Isso não parece argumento justo, já que também não é claro se no primeiro século os próprios homens eram ordenados. Só com o tempo, as comunidades cristãs foram definindo os ministérios e a especificidade de cada um. Como a história não é clara, para sermos justos na pesquisa, é bom ter claro o objetivo:

Logo depois de ter aberto essa discussão, o papa Francisco esclareceu que o importante é que esse passo não venha clericalizar os serviços que as mulheres já prestam e sim nos leve a uma valorização real da função da mulher na Igreja. De fato, o estilo dos ministérios, hoje, praticados nas Igrejas têm uma base evangélica, mas foram concebidos e organizados levando em conta as culturas  do mundo antigo. Das religiões do Império Romano, os ministérios cristãos receberam uma auréola de sacralidade, como se, nas comunidades do Evangelho, houvesse cristãos que, por seu ministério, fossem mais sagrados do que outros. Ainda bem que o Concílio Vaticano II retomou para a Igreja Católica a valorização do sacerdócio comum de todos as pessoas batizadas. Não conseguiu aprofundar a relação entre os ministérios ordenados e o sacerdócio do batismo, mas deixou claro que tem uma profunda conexão. 

Infelizmente, até hoje, a imagem predominante nas comunidades ainda é a do padre, homem do sagrado e profissional do culto. Se ficarmos presos a essa ótica da Cristandade medieval, a conclusão sobre o diaconato feminino será negativa e é melhor que o seja. É preciso voltar à simplicidade do evangelho e à concepção de uma comunidade toda ela ministerial. Então, a ordenação não será apenas um grau de poder. Será, sim, uma benção para um serviço a cumprir. Então,  homens e mulheres, poderão receber uma ordenação que é sacramental no sentido de visibilizar e valorizar uma missão que já existe na prática e, de fato, muitas mulheres já a exercem nas comunidades. O diaconato feminino revelará mais ainda o rosto feminino de Deus que nos acolhe no seu útero de misericórdia e nos faz nascer de novo para  uma vida nova.
  

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 


    

segunda-feira, 30 de maio de 2016

MISTÉRIO DE COMUNIDADE E COMUNHÃO


 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



No domingo da Santíssima Trindade que há pouco celebramos, proclamamos o conteúdo maior e central de nossa fé.  Não cremos em um Deus isolado em seu céu, mas em um Deus que é comunhão de pessoas, um só Deus em três pessoas divinas.

            A questão de Deus é uma das mais delicadas a serem tratadas hoje pela Teologia e pela Pastoral.  Se a fé trinitária num Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo é a marca original do Cristianismo, claro está que dela a fé cristã não pode abrir mão, sob pena de renegar-se a si mesma.  Por outro lado, como falar trinitariamente de Deus e poder ser entendido num mundo plural, onde se deve entrar em diálogo com outras religiões e outras propostas alternativas de vida e de crença?

      É nesse ponto que a teologia entra com aquilo que é especificamente seu, com a palavra própria que só ela pode dizer.  E quando aquilo sobre o qual se quer falar é Deus, está se tratando com Aquele que é a razão de ser mesmo da teologia, aquilo sem o qual ela não existiria, nem poderia se entender a si própria. 

     Falar de Deus, então, é possível porque ele falou primeiro de Si mesmo. Ele se revelou como Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.   E sabemos disso porque lemos a Bíblia, escutamos a Igreja e prestamos atenção na experiência de Deus em nós e nas outras pessoas.  Mas falar sobre isto que lemos na Bíblia, que escutamos dentro da Igreja e que sentimos em nós e nos outros só é possível em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

       É isso que o Credo, o Símbolo da nossa fé diz: Creio no Pai, Creio no Filho, Creio no Espírito Santo.   Partindo, pois, desses três artigos fundamentais da fé cristã, pode-se perceber como a partir deles vai tomando corpo o processo de acontecimento da teologia.

         Deus é Pai. Com isso queremos dizer que cremos num só Deus, que é Transcendência, criação, fonte escondida, origem sem origem, mistério fontal do qual tudo provém e ao qual tudo retorna. É aquele mistério que não entendemos mas sentimos que nos abraça, nos cria, nos mantém vivos a cada minuto da nossa existência. Porém como dirá o evangelho de Mateus, só quem conhece o Pai é o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.  Portanto, para conhecer que Deus é Pai e chamar Deus de Pai, é preciso conhecer o Filho.  Uma religião que fosse só do Pai esbarraria na incompreensibilidade do mistério que não se pode ver sem morrer.  Mais: diante deste mistério tremeríamos de medo e não ousaríamos sequer dar-lhe nome, quanto mais chamá-lo Pai, essa palavra carinhosa e íntima que as crianças utilizam diante de seus genitores. A teologia só é possível porque Deus é Filho.

       Deus é Filho.  O conteúdo "Deus é Pai" foi manifestado no e pelo Filho.  No Filho, Deus se torna um de nós, se torna carne e se faz humano conosco e como nós.  Se a razão disso não dá conta, trata-se de algo só possível de ser aceito na fé. Assim, acolhe-se o fato histórico Jesus de Nazaré e se confessa que nele, neste homem galileu, filho de Maria, se deu a manifestação total e definitiva de Deus. Esse homem que viveu e foi morto e executado em Jerusalém foi ressuscitado pelo Deus que chamava de Pai e constituído Senhor e Cristo.  Não se trata mais de uma revelação de Deus, mas do próprio Deus revelado.

            Porém, mais de vinte séculos nos separam do Jesus histórico.  Jesus Cristo não corre o risco de se tornar um fato a mais perdido na noite dos tempos? Ou um personagem histórico entre tantos outros? Como é possível - a essa distância -  conhecê-lo, imitá-lo, segui-lo, e mais ainda, fazer teologia sobre Ele? Isso só é possível se se abre uma terceira via da Revelação desse Deus.

         Deus é Espírito Santo.  O Filho só revela o Pai pelo Espírito.  E a comunidade cristã só reconhece e proclama o homem Jesus como Filho de Deus após a Ressurreição, pelo Espírito. Na sua morte e ressurreição, Jesus doa seu Espírito a quem n´Ele crer.             
   
Esse Espírito é do Pai e do Filho, e habita no ser humano.  Faz do ser humano Seu Templo, inspira-o, cristifica-o, diviniza-o, configura-o ao Filho e o faz filho também, possibilitando-lhe então chamar Deus de Pai como Jesus chamava.
      A fé que é gerada pela inhabitação desse Espírito em cada homem e cada mulher pode, então, ajudar a entrar em comunhão com o Deus que é comunhão em Si mesmo. O próprio Deus, Espírito que habita em nós, vai nos dando essa possibilidade. 

       Em Jesus Cristo e pelo Seu Espírito, o caminho para Deus - novo e vivo! - é a própria humanidade.  Caiu o véu que no templo separava o ser humano do acesso à presença de Deus.  O ser humano agora - seja ele judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher pode aproximar-se de Deus e falar sobre Ele.  O Espírito foi derramado e a Teologia é possível.  O teólogo original é o Espírito Santo, que está em nós, nas comunidades, no povo, no mundo, na história.

O Deus da Revelação, a Santíssima Trindade, portanto, é o mistério da comunidade das pessoas divinas, mistério de fé, de salvação, de comunhão e de amor.  Não é e não pode ser lógico porque justamente funda uma lógica nova: a lógica da gratuidade, do amor, do Dom.
                       
  Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ.  A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 
     Copyright 2016 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


sexta-feira, 27 de maio de 2016

NO BRASIL CORRUPÇÃO NATURALIZADA ESTÁ SENDO DESMASCARADA

por Leonardo Boff



É estarrecedora a corrupção que se constatou no Brasil nos últimos tempos, especialmente aquela revelada pela Operação Lava Jato, vulgarmente chamada de “petrolão”, vale dizer, ligada a uma das maiores petroleiras do mundo, a Petrobrás do Brasil. Os números são sempre pelos milhões de dólares que escandalizam e vão além de qualquer bom senso, mesmo entre ladrões e mafiosos.

Os organismos norte-americanos de vigilância que espionaram a Presidenta Dilma, espionaram também a Petrobrás, devido ao fato de deter uma das maiores jazidas de gás e petróleo do mundo, que se encontra o Pre-Sal. Detectaram indícios de alta corrupção que estava ocorrendo na empresa. Alertaram, então, as autoridades brasileiras que iniciaram uma investigação. Encontraram uma teia imensa de corruptores e corruptos que envolviam grandes empreiteiras, altos funcionários da Petrobrás, gente do próprio Governo, doleiros e não ausentes setores do judiciário. Beneficiados foram especialmente políticos de quase todos os partidos (e há exceções louváveis) que financiavam suas custosas campanhas eleitorais com esse dinheiro da corrupção, sob forma de propinas milionárias.

Desde o início, as investigações que envolveram os principais órgãos da justiça e da polícia foram viciadas por um componente político. Focalizou-se particularmente, um partido, o PT que estava no poder e que seus opositores queriam, seja pela via legal da eleição ou por qualquer outro expediente ao arrepio da normalidade democrática, alijá-lo do poder. Os vazamentos, problemáticos em termos legais, praticamente se concentraram no PT relevando e até ocultando o envolvimento de outros partidos, máxime da oposição.

A partir daí se criou praticamente uma generalização (de si injusta porque recobre membros corretos, diria em sua grande maioria, nas bases partidárias dos municípios) de que corrupção era coisa do PT. Importa reconhecer que o partido se beneficiou dos esquemas de corrupção. Mas seria injusto considerar que detinha o monopólio da corrupção. Essa é endêmica na vida política e social do país e perpassa partidos e empresas e inclui muitíssimos cidadãos ricos seja sonegando altas somas de impostos, seja escondendo grande parte de suas fortuna em bancos estrangeiros ou um paraísos fiscais.

Raramente em nossa história recente temos assistido grandes empresários sendo presos, interrogados, condenados e encarcerados. A corrupção que se havia naturalizado nos mais altos estratos dos negócios e da política começou a ser desmascarada e posta sob os rigores da lei. Tal fato constitui um dado de altíssima relevância e um avanço no sentido da moralidade pública.

Mas para sermos realistas e não moralistas, não podemos reduzir a corrupção a este evento nefasto do “petrólão” desvelado pela Operação Lava Jato.

Importa reconhecer o fato de que o sistema do capital com sua cultura é em sua lógica também corrupto, embora aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o trabalho, gerando riqueza sob a forma de exploração do trabalhador e devastação dos escassos bens e serviços da natureza. Produz uma dupla injustiça, uma social e outra ecológica, esta última atualmente ameaçadora do equilíbrio do sistema-Terra e do sistema-vida. Os juros dos bancos privados no Brasil são dos mais altos do mundo e os ganhos, exorbitantes.

Thomas Piketty com o seu “Capitalismo do século XX” deixou claro que lá onde entram relações capitalistas logo surgem desigualdades que tensionam a sociedade e fragilizam a democracia que supõe uma igualdade básica de todos face à lei e os direitos garantidos com inclusão social.

As nossas formas de corrupção possuem raízes históricas no colonialismo e no escravagismo, em si violentos, que levavam as pessoas, para manterem um mínimo de liberdade, a corromper-se e a corromper. Inventou-se o famoso “jeitinho”.

Há também uma base política no arraigado patrimonialismo que não distingue o público do privado e leva as elites a tratarem a coisa pública como se fosse sua e a montar um tipo de Estado que lhes garante os privilégios.

Tudo isso gerou uma cultura da corrupção, como algo natural e intrínseco à vida social e política. Os corruptos são vistos como espertos e não como criminosos, o que de fato são. E tanto ele quanto os corruptores contam com a impunidade.

Filosoficamente pensando, qual é a raiz última da corrupção? Talvez o católico Lord Acton (1843-1902) que era historiador e pensador, nos ajude. Diz ele, a corrupção reside fundamentalmente no poder.Sempre citada é sua frase: ”o poder  tem a tendência a se corromper e o absoluto poder corrompe absolutamente”. E acrescentava:”meu dogma é a geral maldade dos homens portadores de autoridade; são os que mais se corrompem”.

A tradição filosófica e psicanalítica nos tem persuadido de que em todos os seres humanos há notória sede de poder. O poder não pode se garantir senão buscando ainda mais poder. E o poder se materializa sob muitas formas, no status, na busca de títulos mas principalmente no dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais poder.

Para consegui-lo não vale só o trabalho honesto mas todas as formas perversas que permitem multiplicar o dinheiro, quer dizer, assegurar mais e mais poder. É o caminho da corrupção, especialmente delapidando o bem publico, utilizando-se dos aparelhos do Estado.

A história mostra a ilusão desta pretensão. De repente pode-se perder tudo e ficar na miséria. Se a pessoa não puser sob controle a sua sede de poder e de acumulação, é castigada com o pesadelo de sentir-se perdida e sem chão.
O antidoto a essa sede de poder e de dinheiro, a nível pessoal é a honestidade, a transparência e a salvaguarda do valor sagrado da auto-dignidade. A nível político pelo sistema de controle e vigilância que todo o Estado deve ter.  Porque ambos não se verificam de forma adequada os corruptos campeiam impunes mas  se revelam desprezíveis e, finalmente, se tornam infelizes.

Será que saberemos tirar essas lições da corrupção naturalizada no Brasil e que finalmente foi desmascarada em parte pela Operação Lava Jato?

Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil on line e escritor


quinta-feira, 26 de maio de 2016

CORPUS CHRISTI, O CORPO DENTRO DO CORPO 



Frei Betto



      Na festa de Corpus Christi convém lembrar que há um corpo dentro de um corpo dentro de um corpo. O Universo surgiu há 13,7 bilhões de anos, da explosão inicial, o Big Bang, e continua a se expandir em velocidade constante.
      Há 10 bilhões de anos uma estrela chamada supernova deu origem ao nosso sistema solar. Um fragmento dela, sem calor suficiente para ser considerado estrela, resfriou. Hoje é conhecido como planeta Terra, embora nele haja mais água que terra.

      Sutis combinações ambientais se somaram para permitir, na Terra, o surgimento da vida, há 3,5 bilhões de anos. Em seu processo evolutivo, o pai-universo, que gerou no berço de uma galáxia a ninhada de filhos conhecida como sistema solar, e no qual se destaca a filha Terra, viu irromper, no seio de nosso planeta, o fenômeno vida. Este fenômeno gerou, entre suas variadas manifestações, um ser dotado de inteligência e sede de transcendência conhecido como humano.

      Milênios após o aparecimento do homem e da mulher – olhos e consciência do Cosmo – aparece no Oriente Médio um pregador ambulante que, herdeiro da tradição religiosa hebraica, nos revela que Deus é amor e habita os nossos corpos, templos divinos dotados de irredutível sacralidade.

      Muitos não prestam atenção nas palavras de Jesus. Continuam a procurar a semente fora da árvore. Não percebem que Deus se incorporou nesse nosso corpo, que vive e se alimenta do corpo da Terra, que rodopia em torno do corpo do sistema solar, situado na extremidade do corpo de uma galáxia conhecida pelo belo nome de Via Láctea - uma entre bilhões de colares estelares a se expandir pelo incomensurável corpo do Universo.

      Não perceber que somos todos o corpo místico de Cristo fez a fé equivocada exilar Deus para fora de sua Criação, confundindo transcendência com deslocamento espacial. Essa visão distorcida favorece a perplexidade causada pela notícia de que Craig Venter, cientista estadunidense, criou vida artificial no seio de uma bactéria. Como se Deus fosse o Grande Relojoeiro definido por Isaac Newton.

      Somos dotados de inteligência para desvendar todos os mistérios da natureza - do Big Bang, testado no superacelerador construído entre as fronteiras da Suíça e da França, ao DNA computadorizado da bactéria de Craig Venter. A confusão em que se atola a fé reside no conceito pagão, grego, que valoriza Deus mais como poderoso do que amoroso, mais criador que redentor, mais origem de todas as coisas do que fim para o qual tudo converge, inclusive nossas vidas.

      Os antigos acreditavam que só Deus poderia mudar a noite em dia; até que se inventou a luz elétrica. Só Deus era onipresente; até que se inventou a comunicação eletrônica. Só Deus poderia provocar o apocalipse; até que se inventaram as ogivas nucleares.

      Deixemos de lado a concepção mecanicista de Deus. Ainda que seja criada vida humana em laboratório, a questão permanece a mesma que perturbou a mente de Alfred Nobel quando inventou a dinamite para quebrar pedreiras e viu seu artefato ser usado como arma de guerra: qual o grau de egoísmo ou amor com que lidamos com os bens da Terra e os frutos do trabalho humano?

      Somos como a velha que, no mercado indiano, abaixou a cabeça para procurar algo no chão repleto de lixo. Outros passaram a imitá-la. Até que um jovem indagou: “O que a senhora procura?” “Uma agulha.” “Uma agulha!” “Ora, aqui no mercado há milhões de agulhas à venda e não custam nada.” Muitos já desistiam da busca quando ela acrescentou: “Uma agulha de ouro.” Então, voltaram a abaixar a cabeça e procurar o precioso objeto. O rapaz fez outra pergunta: “A senhora não tem mais ou menos ideia onde a perdeu?” “Tenho sim”, disse ela, “perdi-a em casa.” “Em casa?” retrucou o rapaz. “E nos faz de bobos procurando-a aqui no mercado?” A velha concluiu: “Sim, procuro aqui o que perdi em casa como vocês procuram fora a felicidade que está dentro.”


Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.




Copyright 2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. SCORPUS CHRISTI, O CORPO DENTRO DO CORPO  




terça-feira, 24 de maio de 2016

O SABOR DO PÃO REPARTIDO

Por Marcelo Barros


Em todas as culturas os momentos fortes de alegria e união se celebram com uma refeição ou algum alimento repartido. Quase todas as tradições espirituais têm uma partilha de comida como sinal de comunhão. Para as Igrejas cristãs, a ceia de Jesus é o sinal de sua presença em nós e entre nós. Desde a Idade Média, anualmente, a Igreja Católica dedica uma festa à Eucaristia. Nesse ano, a festa do Corpo e Sangue de Cristo se realiza nessa quinta feira. Quando foi criada, a intenção era fortalecer nos fieis a devoção à presença de Jesus na eucaristia. Atualmente, ela contém duas dimensões importantes para a fé:

1o – a importância do corpo. Ao adorar o corpo de Cristo, somos chamados a perceber que somos templos do Espirito e o nosso corpo merece cuidado e todo o respeito à sua dignidade sagrada.

2o – ao fazer do alimento um sinal de sua presença em nós e entre nós, Jesus quis dar ao mundo uma profecia do estilo de vida que devemos assumir: uma vida partilhada.

De fato, todas as Igrejas chamam esse evento de “comunhão”. Esse termo evoca uma “comum união”, mas pode também vir da expressão latina “comum múnus”. Comungar o múnus é assumir o peso da vida, durezas e sofrimentos que cada irmão e irmã carrega.

Conforme o testemunho do Novo Testamento, no primeiro século, as comunidades cristãsrealizavam a ceia de Jesus nas casas uns dos outros, como expressão de uma vida partilhada. Ao repartir o pão, a comunidade fazia memória da doação que Jesus fez da sua vida edava um sinal de que Deus quer que toda humanidade viva uma economia de partilha e de solidariedade. Durante os séculos, ao se inserir em cada cultura, as Igrejas fizeram da ceia de Jesus um culto mais formal. Pouco a pouco, a reunião que, no início, era mais simples e convivial,se tornou parecida com os cultos de outras religiões antigas. Os serviços de coordenação tomaram uma dimensão sacerdotal, como nos cultos das antigas religiões. A teologia passou a explicar a ceia como atualização do sacrifício da Cruz. Atualmente, essa linguagem do sacrifício deveria ser revista para que ninguém pense que Deus Pai precisaria da morte do seu próprio filho para salvar o mundo e nos reconciliar consigo. Não podemos negar o valor da história e nem reduzir o sentido mais profundo do mistério que celebramos. No entanto, ao dar graças a Deus por sua presença em nós, em cada eucaristia, fazemos a memória de Jesus não apenas em repetir suas palavras, mas em tomar o mesmo caminho dele, caminho de amor, doação aos outros e serviço. Por isso, temos de encontrar formas mais expressivas para ligar de modo mais profundo a eucaristia que celebramos com a realidade que vivemos ecom o caminho que a sociedade toma. Precisamos reencontrarformas de celebrar mais simples e conviviais. A ceia de Jesus deve manifestar a dimensão carinhosa que o evangelho de João mostra que o Mestrerevelou aos discípulos que ceavam com ele na noite da Páscoa. Todas as orações antigas da Igreja e até hoje a primeira oração eucarística do Missal Romano lembram que, na missa, os fieis participam da ação de graçasficando de pé, em redor do altar.

Em 2004, o papa João Paulo II escrevia: “A eucaristia não é somente expressão de comunhão na vida da Igreja. É também projeto de solidariedade da comunidade cristã com toda a humanidade. Na celebração eucarística, a Igreja renova continuamente a sua consciência de ser “sinal e instrumento”  não somente da íntima união com Deus, mas também da unidade de todo o gênero humano” (Carta apostólica Mane Nobiscum, Domine, 17).

No século IV, ao falar aos cristãos batizados na noite da Páscoa, o bispo Santo Agostinho afirmava: “O pão da eucaristia representa o que vocês são: o corpo de Cristo, ou seja, a sua presença transformadora para o mundo. Então, se vocês tiverem recebido bem o alimento que é o próprio Cristo que se doa a nós, vocês se tornarão isso que vocês receberam. Vocês são o que vocês receberam”.



Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 

segunda-feira, 23 de maio de 2016

O ESPÍRITO SANTO HOJE NAS IGREJAS


Por  Maria Clara Lucchetti Bingemer


É sempre bom aproveitar o tempo da oitava de Pentecostes para refletir sobre o eclodir da consciência do Espírito Santo nas Igrejas cristãs. O movimento carismático e pentecostal, a percepção da presença do Espírito Santo e o surgimento de novas igrejas diferentes em forma, conteúdo e espiritualidade das igrejas cristãs históricas é um fato que merece a atenção do mundo inteiro.  Vivemos, sobretudo no Ocidente, que sempre apresentou uma pneumatologia acanhada, um verdadeiro Tempo do Espírito.  No entanto, esse eclodir do carismatismo pneumatológico deste lado do mundo não deixa de apresentar ambiguidades e questionamentos.  Portanto, não pode deixar de chamar a atenção da Teologia que se faz na academia, mas sobretudo na comunidade eclesial.

Deste lado do mundo, ou seja, no Ocidente cristão (Europa Ocidental e América), a pessoa do Espírito Santo ficou durante longo tempo um tanto esquecida, e mesmo deixada de lado. O Cristianismo ocidental configurou-se após o século IV e até o século XX por uma primazia quase absoluta do Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade, chegando às raias de um cristomonismo. Por outro lado, a pneumatologia oriental cresceu e desabrochou ricamente, dando a toda a teologia do Oriente cristão (Europa do Leste, Península Balcânica e Oriente Médio) uma configuração trinitária, onde pneumatologia e cristologia harmoniosamente dialogam e se entrelaçam.

Importa, então, refletir sobre este fenômeno, procurando resgatar suas raízes e analisando suas consequências. Sobretudo num tempo como o nosso, quando o movimento carismático cresce de maneira importante na Igreja do Ocidente, fazendo acontecer o pentecostalismo que quase chega por vezes a um pneumatomonismo. Vivemos, hoje, nas igrejas cristãs do Ocidente – católica ou protestantes - o risco de que a espiritualidade e a pastoral sejam marcadas por uma primazia quase absoluta do Espírito Santo, o que deixaria na sombra as outras duas pessoas divinas e, sobretudo, a espessura histórica e encarnada da pessoa do Filho e o compromisso concreto que daí resulta.

Este fato gera outras consequências teológicas e também pastorais.  Uma delas é um declinar, nas igrejas, da ligação entre experiência do Espírito e compromisso histórico. Em outras palavras, entre espiritualidade e prática. 

  Igualmente categorias como a centralidade da história, a opção pelos pobres e o binômio inseparável fé-justiça, que marcou a teologia pós-conciliar não só da América Latina mas do mundo inteiro, deixam de estar à frente da pastoral das igrejas cristãs.  Em seu lugar, surge a chamada “teologia da prosperidade”, que relaciona experiência de Deus e enriquecimento, sendo adotada por pastores que muitas vezes a impõem aos fiéis de maneira coercitiva e violenta. Esta teologia encontra seu canal de expressão em liturgias muitas vezes bastante exteriorizantes, com grande “ruído” e igual agitação, não permitindo inclusive às celebrações fornecerem aos fiéis espaço de oração e reflexão onde o coração possa sentir e a razão pensar. Mesmo autores que veem a positividade presente no movimento carismático em geral são críticos sobre esses pontos da agitação espiritual, da tomada de posse da liturgia e da desconexão com a realidade e a transformação da mesma.

Os tempos que vivemos são, sim, tempos do Espírito.  Porém, ao lado da riqueza que nos trouxeram os movimentos carismáticos que reivindicam para si e sua atuação a primazia da Terceira Pessoa da Trindade, encontramos muita ambiguidade.  Por isso, esses tempos do Espírito, há que vivê-los no contínuo discernimento.

     Por isso, é importante voltar sempre e constantemente à 1a Carta de João, capítulo 4, vv 1 ss:  "Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo.”  Discernir é preciso ainda que as alegres e ruidosas celebrações carismáticas encham os ouvidos e os espaços; ainda que seja indispensável  maior atenção à pneumatologia; ainda que os tempos plurais que hoje vivemos sejam propícios a uma importância maior da reflexão sobre o Espírito.

Perceber nos “sofrimentos do tempo presente” e em nossos próprios gemidos os “gemidos inefáveis” do Espírito (Rm 8,18.23.26) é a condição da verdadeira espiritualidade cristã. A espiritualidade cristã assim entendida é incontrolável pela teologia, que dela deve aprender a experiência de Deus que é Pai, Filho e Espírito.  Com a “ retração” da morte e ressurreição de Jesus, é o Espírito que habita em nós o responsável pelo reconhecimento da presença do Messias em nós. E isso implica aderir de todo coração a esta presença, não apenas na catarse obtida na afetividade  exacerbada, mas na obediência humilde e provada que se dá pelas dificuldades da caminhada e pelo sofrimento inexplicável nosso e alheio. Afinal, é do próprio Jesus que diz a Carta aos Hebreus: “pelo que sofreu( epathen), aprendeu ( emathen) a obediência” ( Hb 5,8).

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 
  
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sexta-feira, 20 de maio de 2016

O GOVERNO GOLPISTA QUER FECHAR A FONTE DE NOSSA IDENTIDADE: A CULTURA


Por Leonardo Boff



Só pessoas muito ignorantes e alienadas de suas próprias raízes, no fundo materialistas crassos, fruto do economicismo imperante, podem tomar a decisão de fechar a fonte de onde nasce e se alimenta a nossa identidade nacional: a cultura, para a qual existia o Ministério da Cultura. Agora essa fonte está sendo lacrada. E com razão, pois da cultura nasce a criatividade, o espírito critico e os grandes sonhos que mobilizam todo um povo. Tudo isso é perigoso para governantes medíocres que não pensam e temem todo tipo de pensamento que não seja o deles.

Quase sempre, por causa da colonização, fomos condenados a reproduzir e a mimetizar os padrões culturais de nossos senhores-opressores. Mas lentamente, vivendo em outro ecossistema, nos trópicos, fomos desenvolvendo nosso próprio modo de ser, de viver e conviver, o que podemos chamar a cultura brasileira em estado nascente.
No final de abril escrevi neste espaço um artigo com o título “A cultura: o nascedouro da utopia Brasil”.Face aos fatos recentes com a instauração de um governo interino, cego para tudo aquilo que nos identifica e nos honra, agora retomo o tema.

Todo povo, cada nação elaboram o seu sonho, a sua utopia própria que dá sentido às práticas sociais e mantem sempre aberto um horizonte de esperança, particularmente em momentos de crise.

Geralmente esses momentos são ocasiões de projetar visões novas, buscar saídas salvadoras e deixar irromper a criatividade. O Brasil está passando por um destes momentos críticos. Portanto, negar um espaço à cultura é apequenar o país e condená-lo a reproduzir o mesmo que muitas vezes não deu certo ou poderia ter sido bem melhor.

Celso Furtado que além de economista renomado foi um dia Ministro da Cultura, constata com tristeza em seu livro”Brasil: a construção interrompida”(1992): sempre houve “forças conservadoras e reacionárias que se empenharam em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”(p.35), por medo de perder seus privilégios. Fomos impedidos de construir um Brasil não só imaginário mas real que integrasse minimamente a todos, multicultural, tolerante e até místico.

Chegou o momento, penso, que se nos oferece o desafio de construir a nossa identidade ou a nossa utopia inspiradora. Volto a Celso Furtado. “Ter ou não acesso à criatividade, eis a questão”(O longo amanhecer, Paz e Terra, Rio de Janeiro 1999, p. 67). E continua. “Essa cratividade se mostra nas artes, na música, nas imagens de propaganda e marketing… Uma sociedade só se transforma se tiver capacidade para improvisar”(p.97).

Nunca nos faltou capacidade de improvisação e de criação. Faltou-nos a vontade dos governos sem raiz popular e a disposição de nossas classes neocolonizadas que não souberam valorizar e aproveitar o enorme potencial criativo do povo.
A partir de que base assumiremos essa empreitada? Deve ser a partir de algo tipicamente nosso, que tenha raízes em nossa história e que represente um outro software social. Esse patamar básico é o que escremos acima, a nossa cultura, especialmente a nossa cultura popular. Como novamente diz Celso Furtado: ”desprezados pelas elites, os valores da cultura popular procedem seu caldeamento com considerável autonomia em face das culturas dominantes”(O longo amanhecer, 1999, p.65). O que faz o Brasil ser Brasil é a autonomia criativa da cultura de matriz popular.

A cultura aqui é vista como expressão de um sistema de valores, de projetos e de sonhos de um povo. A cultura se move na lógica dos fins e dos grandes símbolos e narrativas que dão sentido à vida. Ela é perpassada pela razão cordial e contrasta com a lógica fria dos meios, inerente à razão instrumental-analítica que visa a acumulação material. Esta última predominou e nos fez apenas imitadores secundários dos países tecnicamente mais avançados. A cultura segue outra lógica, ligada à vida que vale mais que a acumulação de bens materiais.

Ninguém melhor que o cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima, em seu ainda não reconhecido livro:”A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada” (2011) para apresentar esta perspectiva da cultura e que a fez o eixo articulador da utopia Brasil e de nossa identidade nacional.

A nossa cultura, admirada já no mundo inteiro, nos permite refundar o Brasil que significa: “ter a vida como a coisa mais importante do sistema social…é construir uma organização social que busque e promova a felicidade, a alegria, a solidariedade, a partilha, a defesa comum, a união na necessidade, o vínculo, o compromisso com a vida de todos, uma organização social que inclua todos os seus membros, que elimine e impeça a exclusão de todos os tipos e em todos os níveis”(p.266).

A solução para o Brasil não se encontra na economia capitalista como o sistema dominante nos quer fazer crer, mas na vivência de seu modo de ser aberto, afetuoso, alegre, amigo da vida. A razão instrumental nos ajudou a criar uma infra-estrutura básica sempre indispensável. Mas o principal é colocar as bases para uma biocivilização que celebra a vida, que convive com a pluralidade das manifestações, dotada de incrível capacidade de integrar, de sintetizar e de criar espaços onde nos sentimos mais humanos.

Pela cultura, não feita para o mercado mas para ser vivida e celebrada, poderemos antecipar, um pouco pelo menos, o que poderá ser uma humanidade globalizada que sente a Terra como grande Mãe e Casa Comum. O sonho maior, a nossa utopia,da mais alta ancestralidade, é a comensalidade: sentarmos juntos à mesa, como irmãos e irmãs e desfrutar a alegria de conviver amigavelmente e de saborear os bons frutos da grande e generosa Mãe Terra.

Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu Virtudes para um outro mundo possível (3 vol.), Vozes 2005-2006.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

POBRE PAGA CONTA DE RICO


Por Frei Betto
     


      Um dos equívocos dos governos do PT foi implementar uma política neodesenvolvimentista que nem sequer pode ser qualificada de pós-neoliberal. Enquanto o orçamento do Bolsa Família para este ano é de R$ 28 bilhões, e o déficit primário do governo chega a R$ 120 bilhões, o “bolsa empresário” é de R$ 270 bilhões – quase dez vezes superior. Pai severo com os pobres, o governo atuou como mãe supergenerosa com os ricos. Nem assim o PT logrou aplacar o ódio de classe contra o partido.

      A fortuna do “bolsa empresário” é o resultado da soma de subsídios, desonerações e regimes tributários diferenciados para portos, indústrias químicas, agronegócio, empresas de petróleo e fabricantes de equipamentos de energia eólica.

      A agricultura, por exemplo, quase nada recolhe para a Previdência Social, e a maioria dos produtores rurais sonega impostos ao se enquadrar na Receita Federal como pessoa física e não jurídica.

      No bolo da sonegação legal, destaca-se o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi, Senac, Senar, Sescoop e Sest), que mescla seu orçamento com o de inúmeras entidades empresariais, e não prima pela transparência em suas prestações de contas.

      Outro pacote de bondades ao empresariado é o FI-FGTS, fundo de investimento abastecido por recursos dos trabalhadores, que aplica quase R$ 23 bilhões em projetos privados. É gerido pela Caixa Econômica Federal, e a referência de retorno para o fundo é a TR (Taxa Referencial), de cerca de 0,2%, mais 6% ao ano – percentual generoso comparado às taxas de juros cobradas pelos bancos de quem toma dinheiro emprestado.

      Neste ano, o total de benefícios tributários, financeiros e creditícios soma R$ 385 bilhões! (Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). Uma pequena parte desse montante é destinada à desoneração da cesta básica, e descontos e isenções para creches e transporte escolar. A parcela maior, de R$ 270 bilhões, será embolsada pelo setor empresarial privado. Quem garante que haverá retorno para a economia do país e a sociedade?

      Quando se reclamava que o pacote de bondades era exagerado, o governo alegava que o corte de impostos ou a sonegação legal visava a fomentar o desenvolvimento das regiões mais pobres do Brasil. Ora, os dados demonstram que 52% do total de gastos tributários beneficiam, este ano, o Sudeste, a área mais rica do país.

      Só o horário eleitoral “gratuito” livra TVs e rádios de pagarem, em impostos, R$ 562 milhões. O que ninguém nunca me explicou é por que o sistema radiotelevisivo do Brasil, sendo propriedade da União, merece ficar livre de tributação, já que os concessionários veiculam peças publicitárias regiamente pagas?

      No início do governo Dilma, as desonerações ou sonegações legais eram de R$ 197 bilhões. No fim, R$ 385 bilhões. Desse total, R$ 267 bilhões é o que o governo deixou de arrecadar, dos quais 29% consumidos pela área social (educação, saúde, cultura, meio ambiente, cidadania, assistência social, trabalho) e 71% ou R$ 190 bilhões embolsados pelo setor empresarial (agronegócio, indústria, comércio e serviços).

      Enquanto não houver reforma tributária e o imposto passar a ser progressivo (quem ganha mais, paga mais), no Brasil os pobres continuarão a pagar as contas dos ricos.

Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.


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terça-feira, 17 de maio de 2016

A ÉTICA MANDA DESOBEDECER


Marcelo Barros


Todo exército tem como regra básica a disciplina e requer obediência aos superiores. No entanto, em Israel, não são poucos os jovens recrutados ao serviço militar obrigatório que se negam a combater palestinos. Nos Estados Unidos, há soldados que não obedecem ordens se essas são para invadir países e fazer novas guerras. Esses jovens invocam um direito individual, assegurado pela ONU: a objeção de consciência. Em vários países, a objeção de consciência é direito civil, reconhecido por lei. No Brasil, a Constituição garante aos jovens o direito de prestar um serviço civil no lugar do tempo de serviço militar. Entretanto, as leis complementares à Constituição nunca foram sancionadas. Por isso, esse direito ainda não pode ser plenamente exercido e poucos brasileiros têm consciência disso. A Onu consagra o 15 de maio e toda essa semana para aprofundar e divulgar essa atitude pacifista. Só se reconhece a dignidade humana onde a consciência individual e a fé de cada grupo são respeitadas. 
 
A ciência e a arte de viver têm progredido mais por conta das pessoas que ousam desafiar as leis e inovar os costumes do que pela ação das que simplesmente seguem caminhos convencionais. A objeção de consciência é a atitude de quem, por convicção religiosa, social ou política, se nega a pegar em armas e a participar de guerras ou atos violentos.

No mundo inteiro, homens e mulheres, reconhecidos como construtores da paz e da justiça, alguns até premiados com o Nobel da Paz, foram ou ainda são, em seus países, considerados rebeldes e desobedientes. Para os budistas tibetanos, Sua Santidade, o Dalai Lama, é a 14a reencarnação do Buda da Compaixão. No entanto, para o governo chinês, ele é apenas um dissidente, desobediente às leis. O prêmio Nobel da Paz foi dado a dois latino-americanos ilustres: a Rigoberta Menchu e Adolfo Perez Esquivel. Riboberta é uma índia que viveu anos sem poder voltar à Guatemala para não ser morta ou simplesmente condenada pelas leis do seu país. Durante anos, o governo da Argentina tentou prender Adolfo Perez Esquivel, como agitador. Hoje, amigo do papa Francisco, ele goza de mais liberdade. No Brasil da ditadura militar, Dom Hélder Câmara, era escutado no mundo inteiro. Enquanto isso, em nosso país, os meios de comunicação não podiam divulgar nada que falasse em seu nome. No passado, Gandhi e Martin Luther King foram presos e condenados como desobedientes às leis vigentes. Para os católicos, muitos mártires são testemunhas da fé. Muitos foram condenados à morte por se negar a reconhecer o imperador como divino. Outros, por objeção de consciência ao serviço militar. Do ponto de vista da fé, são heróis, mas a sociedade da época os condenou como desrespeitadores das leis e até criminosos.

Objetar é mais do que estar em desacordo. É opor-se determinadamente a cumprir uma lei que fere a consciência. A violência, mesmo se esta é institucional, ou seja perpetrada pelo Estado, nunca será capaz de construir um mundo de paz e justiça.

Há também objeção de consciência quando a pessoa se nega a cumprir ordens anti-éticas, ou que firam a vida. Em alguns países, cidadãos adquiriram o direito de saber a destinação exata do dinheiro que resulta do pagamento de seus impostos. Se a objeção de consciência é direito de toda pessoa diante do poder social e político, com maior razão ainda, as religiões e Igrejas deveriam reconhecer um direito à dissidência e à objeção de consciência diante de um poder religioso autoritário ou injusto.

Nas mais diversas tradições espirituais, a  espiritualidade valoriza a obediência como uma atitude de disponibilidade interior que faz a pessoa escutar e acolher positivamente a palavra e as propostas de outro. Essa obediência, adulta e responsável, se baseia na liberdade do coração e se realiza através do diálogo franco e aberto. Ela conduz a pessoa a superar seus limites interiores e a aventurar-se nos caminhos do amor.

Conforme a Bíblia, quando as autoridades de Jerusalém proibiram os apóstolos a falar no nome de Jesus, estes responderam: “Entre obedecer a Deus e aos homens, é melhor obedecer a Deus”(At 5, 29).  

A negação deste direito abre a porta ao fundamentalismo religioso, hoje, responsável por tantos atos de intolerância e mesmo de violência. O que, na Bíblia, caracteriza a fé cristã é o aprendizado da liberdade interior e social. Paulo escreveu aos coríntios: “Onde estiver o Espírito do Senhor, aí haverá liberdade” (2 Cor 3, 17).
            

 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo. É autor de 49 livros, entre os quais  "Evangelho e Instituição". (Ed Paulus). 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

TEOPOÉTICA

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



      Antes da mensagem deve haver a visão, antes do sermão, o hino, antes da prosa, o poema.  Esta citação do poeta e pastor estadunidense Amos Wilder parece extremamente iluminadora para as dificuldades que a evangelização enfrenta.

Desde o início do Cristianismo assim aconteceu.  A liturgia sempre precedeu a formulação e a elaboração das verdades da fé.  O que foi rezado, louvado, cantado, expressado nas celebrações cúlticas das catacumbas dos primeiros séculos foi o material com o qual os padres da igreja puderam elaborar seus escritos e lançar as bases de uma dogmática que consiste até os dias de hoje no conteúdo da fé professada.  A liturgia é a primeira instância da tradição, a que se segue imediatamente à escritura, ao mesmo tempo em que a precede.

            O louvor, a celebração, o canto, os rituais não são acessórios na vida cristã, mas a fundação mesma da identidade desta.  A liturgia e o rito revelam aquilo em que realmente a fé crê e professa, e visibiliza para o mundo a relação do ser humano com Deus e com o mundo.  Como a Igreja louva, celebra e canta é ou deve ser um testemunho profético da verdade que professa. A estética, a beleza, a gratuidade atrai para a Beleza maior e infinita d’Aquele que é o centro da vida.

            Portanto, retorna aqui a máxima Lex Orandi Lex Credendi, o “ leitmotiv” que significa que é a oração que leva à fé, ou melhor dito, é a liturgia que conduz à teologia.  Este é um antigo princípio cristão que está no fundamento da elaboração dos primitivos “Credos” ou “Símbolos da fé”, e igualmente um antigo cânon da Escritura, que contém em muitas de suas passagens extratos litúrgicos. 

Na Igreja Primitiva havia tradição litúrgica antes do credo e da doutrina.  E estas tradições litúrgicas proveem o marco teológico para estabelecer os credos e o cânon. A frase latina (Lex orandi, lex credendi) algumas vezes expandiu-se tornando-se Lex orandi, lex credendi, lex vivendi, aprofundando aí as implicações desta verdade: a maneira pela qual celebramos reflete no que cremos e determina como vivemos.

            Mas ao lado das celebrações e rituais propriamente religiosos existem outras possibilidades para a expressão da fé. Essas formas de expressão seguramente carregarão consigo novas linguagens.  Em nosso caso, a da religião e da liturgia, certamente, mas também e não menos a da poesia, da arte, da literatura, da música e de todas as outras formas estéticas que a humanidade inventou em sua história de muitos milhares de anos.

            Os desenhos e pinturas nas paredes das cavernas dos grupos humanos primitivos, os primeiros rabiscos, os fragmentos encontrados em diversos pontos do planeta dão testemunho desta primordialidade da imaginação e do sopro criador, que faz a humanidade caminhar em direção à sua vocação que, em termos bíblicos, é ser um sopro animado pelo espírito divino.

            Uma das características do ser humano, uma das “constantes” que aparecem em sua identidade constitutiva é este dom de passar além do sensorial e aceder ao espiritual. Aqui entendemos por  “espiritual” tudo aquilo que direta ou indiretamente se encontra conectado com o espírito, com aquela dimensão humana que passa além dos cinco sentidos.  Está incluída aí a estética sob as suas diversas formas.  E também a religião.  O espírito informa e conforma a corporeidade.

Isso nos mostra que a maneira concreta de falar da Transcendência que nos desafia e nos habita, nos encanta e nos eleva, nos carrega a profundidades insuspeitadas e batiza nossos sentidos de maneira que, tocando o universo, possamos perceber que o segredo escondido nele e para além dele é um Mistério.  Mistério este que desde a fé chamamos “Deus”.

            Para falar deste mistério, há que passar pela linguagem conceitual, rigorosa e acadêmica, mas não necessariamente deter-se indefinidamente nela.  Conceitos e enunciados são importantes e pertinentes, mas as tradições teológicas ocidentais e orientais, os místicos e profetas de todos os tempos nos dizem que há mais possibilidades, sempre abertas, de propor o discurso teológico.   Ha maneiras de falar de Deus mais poéticas, evocativas, empatizantes, performativas, implicantes, esperançadas... que movem mais o leitor que a simples  “passividade” assimilativa.

Assim sucede no Novo Testamento, por exemplo.  As parábolas de Jesus são consideradas poéticas por mais de um autor e comentador. Ao serem analisadas, estão sujeitas à discussão sobre se a estética deve ser considerada independente do autor. Mas no caso de Jesus essa dissociação não procede.  Suas parábolas são reflexo de seu mundo interior, de sua compreensão do reino.  A obra de arte é a objetivação final da intuição poética, o que a obra aspira, em última instância, transmitir à alma dos outros e essa intuição poética que estava na alma do poeta. “Assim acontece com Jesus, que toma elementos de seu contexto vital, com sua visão inspirada pelo Espírito Santo e transmite sua experiência de Deus aos discípulos e aos que o seguem. Sua sensibilidade, profunda ligação e compromisso com a experiência que faz ao lado de sua criatividade e observação da realidade o levam a compreender e transmitir o que considera como mais importante: seu amor ao Pai e seu projeto do Reino. Por isso, sua fantasia criadora, sua imaginação inspirada, as parábolas que narra são determinantes para o sentido que comunica.  E o que sai de sua boca é, em verdade, uma teopoética.

Para poder falar diretamente à mente e ao coração de nossos contemporâneos, importa não apenas recorrer a textos, canções, obras de arte explicitamente religiosas.  Mas também e não menos lançar mão de autores e obras que não atuam no campo da teologia, e sim na arte, na literatura, no cinema, na imagem entendidos em seu sentido secular. Sua arte e poética têm em comum com a teologia a sede de sentido para a vida, a sede de justiça, liberdade, vida plena e a fé na humanidade.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ.  A teóloga é autora de Teologia e literatura - Afinidades e segredos compartilhados (Ed. Vozes)
  
 Copyright 2016 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


sexta-feira, 13 de maio de 2016

MÃE ARQUÉTIPO FUNDAMENTAL DA PSIQUÉ

                                  Por Leonardo Boff


                                           

A mãe é mais do que uma figura física com a qual estamos emocionalmente ligados por toda a vida. É a primeira palavra que dizemos quando nos despertamos para este mundo e, para muitos, é a última palavra que aos lábios quando se despendem, especialmente em uma situação de perigo extremo.

Grandes nomes da tradição psicanalítica como C. G. Jung e seu discípulo favorito E. Neumann se aprofundaram na irradiação do arquétipo da mãe. Mas também devemos mencionar a valiosa contribuição de Jean Piaget com a sua psicologia e pedagogia  evolucionista e, especialmente, Donald W. Winnicott de sua pediatria combinada com a psicanálise infantil. Eles nos detalham os complexos caminhos da psique da criança nestes momentos iniciais e fundamentais na vida, que nos dão a sensação de ser amado, protegido e sempre bem-vindo.

No Dia das Mães vale a pena  lembrar essas contribuições que nos fortalecem o sentimento profundo que temos com nossas mães. Mais que reflexões hoje valorizamos o afeto, cujas raízes estão fundadas no cérebro límbico, que surgiu mais de duzentos milhões de anos atrás, quando começou o processo de evolução dos mamíferos, dos quais descendemos. Com esta espécie nos veio o amor, o afeto  e o cuidado, guardados como , até hoje pelo, por nosso inconsciente coletivo . Entreguemo-nos brevemente com a terna força desse afeto.

Há muitos textos comoventes exaltando a figura da mãe, como o belíssimo do  bispo chileno Ramon Jara. Mas há outro de grande beleza e verdade que vem de África, de uma nobre abissínia, coletado no prefácio do livro Introdução à Essência da Mitologia (1941), escrito por dois grandes mestres na área, Charles Kerény e C. G. Jung. Assim disse uma mulher, em nome de todas as mulheres e mães, o que reproduziram aqui. Mais uma vez, vemos que aqui fala mais alto o afeto que a reflexão, pois neste dia das mães, é ativado, mais do que em outros momentos, o arquétipo da mãe.

"Como pode um homem saber o que é uma mulher? A vida de uma mulher é completamente diferente do que a dos homens. Deus fez assim. O homem é o mesmo desde o momento da sua circuncisão até o seu declínio. É o mesmo antes e depois de ter encontrado pela primeira vez uma mulher. No entanto, o dia em que a mulher encontra seu primeiro amor, a sua vida é dividida em duas partes. Este dia se converte em outro. Antes do primeiro amor, o homem é o mesmo que era antes. A mulher, desde o dia de seu primeiro amor, é outra. E permanecerá sendo por toda a vida. "

"O homem passa uma noite com uma mulher e depois sai. Sua vida e seu corpo são sempre os mesmos. Mas a mulher concebe. Como mãe, é diferente da mulher que não é mãe, porque leva em seu corpo, durante nove meses, as consequências de uma noite. Algo cresce em sua vida e nunca irá desaparecer da sua vida. Pois é uma mãe. E a mãe permanecerá mesmo se a criança ou crianças morreram. Porque ele carregou a criança em seu coração. Mesmo após o nascimento, ele ainda carrega em seu coração. E seu coração nunca vai embora, mesmo se a criança morre. "

"Tudo isso não é do conhecimento do homem. Ele não sabe nada. Ele não sabe a diferença entre o "amor antes" e "depois do amor", entre o antes e depois da maternidade. Ele não pode saber. Apenas uma mulher pode conhecer e falar sobre isso. É por isso que, as mães, nunca devemos permitir que nossos maridos possam obscurecer esse profundo sentimento nosso. Uma mulher pode só uma coisa. Pode cuidar de si mesma. Pode se manter decente. Deve ser o que é a sua natureza. Deve ser sempre criança e mãe. Antes de cada de amor é uma criança. Depois de cada amor é uma mãe é. Então saber se ela é uma boa mulher ou  não ".

Sem dúvida, esta é uma visão idealizada da mulher e mãe. Nelas também há sombras. Mas neste dia podemos esquecer as sombras para se concentrar apenas no momento arquétipo de luz que toda mãe é. Por isso muitas pessoas viajam no Dia das Mães, se deslocam de muito longe, para ver a sua  "querida mãezinha",  para lhe dar um abraço filial e cobri-la de beijos.

Elas merecem isso. Nós não estaríamos aqui se não tivéssemos tido o cuidado infinito de nós darem as boas-vindas à vida e nos encaminhar nos labirintos misteriosos da existência. Para elas, o nosso afeto, o nosso carinho e o nosso amor: vivas a elas que estão no topo mais alto da vida.

* Leonardo Boff é autor em colaboração com Rose-Marie Muraro, apenas na memória e afeto está conosco, o livro Feminino e Masculino livro. Uma nova consciência para o encontro das diferenças (2002).