MARCELO MÁRIO DE MELO
Purgar os erros.
Lembrar os mortos.
Fecundar os sonhos.
Festejar as vitórias.
Se não fizermos isto
pela nossa história
Quem o fará?
MARCELO MÁRIO DE MELO
Purgar os erros.
Lembrar os mortos.
Fecundar os sonhos.
Festejar as vitórias.
Se não fizermos isto
pela nossa história
Quem o fará?
Meu pai lutou contra
a ditadura de Vargas. Esteve preso e assinou o “Manifesto dos Mineiros”,
estopim político que detonou o regime de terror implantado pelo caudilho.
Meu pai, em 1945,
acreditou que nunca mais o Brasil seria governado por outra ditadura. A
democracia havia recuperado fôlego.
Em 1962, troquei
Belo Horizonte pelo Rio, disposto a me dedicar à política estudantil em âmbito
nacional. Jânio Quadros havia sido eleito presidente da República em 1961 e
renunciado oito meses depois. Houve breve período de instabilidade política. A
Constituição, entretanto, prevaleceu, e João Goulart, vice de Jânio, tomou
posse.
Como candidato,
Jânio visitou Cuba em março de 1960 e, poucos dias antes de renunciar,
condecorou Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a
principal comenda da República. Para os setores conservadores, era mais um
sinal de que o país se deslocava da órbita dos EUA para a comunista. De fato,
não eram os países socialistas que atraíam o governo de Jango. Era a coalizão
dos Não Alinhados que congregava 115 países decididos a ficarem distantes das
grandes potências.
Tal independência,
contudo, foi encarada pela Casa Branca como alinhamento ao comunismo. Na
polarização da Guerra Fria entre EUA e a União Soviética, Tio Sam não admitia
neutralidade.
Na política interna,
Jango apregoava o óbvio: promover reformas de base, como a agrária, tão
necessárias ao Brasil ainda hoje. Movimentos sociais, como as Ligas Camponesas,
davam respaldo às intenções do governo.
Diante das
mobilizações de apoio à política reformista de Jango, a direita brasileira,
monitorada pela CIA, como hoje comprovam documentos oficiais, desencadeou
articulações para impedir que as estruturas anacrônicas do país, tão convenientes
aos interesses dos EUA e à elite agroindustrial, fossem alteradas. O fantasma
do comunismo ocupou as manchetes da mídia. Entidades foram fundadas para
aglutinar as forças de direita, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação
Democrática). Havia cheiro de golpe no ar...
As forças
progressistas, no entanto, não tiveram suficiente olfato para captá-lo.
Acreditavam que as mobilizações populares, comandadas pela UNE (União Nacional
dos Estudantes), a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e os partidos
progressistas e grupos de esquerda (PC, PCdoB, Ação Popular etc.) haveriam de
conter qualquer aventura golpista.
Líderes da esquerda
garantiam que Jango estava firmemente respaldado por um fiel “esquema militar”.
Tinha em mãos o controle da situação. Embora as ruas do país fossem ocupadas
pelas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, encabeçadas por um sacerdote
estadunidense remetido pela CIA ao Brasil, a democracia não sofria ameaça. Oito
anos de ditadura de Vargas (1937-1945) haviam imunizado o país do vírus
golpista.
O dilúvio desabou em
1º de abril de 1964. Sem disparar um único tiro, as Forças Armadas derrubaram o
governo constitucionalmente eleito, rasgaram a Constituição e disseminaram o
regime de terror que cassou políticos e lideranças sociais, prendeu, torturou,
assassinou, fez desaparecer e/ou baniu do país militantes de movimentos
populares, pastorais, sindicais e políticos. O regime de trevas durou 21 anos!
Hoje, o Brasil é
governado por um cúmplice das milícias que ostensiva e repetidamente ameaça a
democracia e promete sabotar as eleições presidenciais de outubro caso as urnas
não lhe deem vitória. E, de novo, vozes se levantam em defesa da democracia e
asseguram que ela está sólida. São vozes do Judiciário, do Legislativo, da
grande mídia, e até de quem admite ter dado, em 2018, seu voto ao neofascista
que ocupa o Planalto.
Enquanto Carolina,
com seus olhos fundos, vê a banda passar e guarda tanta dor, a defesa da
democracia se sustenta, até agora, em mera retórica. “Eu já lhe expliquei que
não vai dar / seu pranto não vai nada ajudar”, pois não há mobilizações
populares. Não há ações efetivas do Judiciário, do Legislativo e dos movimentos
sociais para acuar o presidente nos demarcados limites da Constituição. O tempo
passa na janela e só Carolina não vê. Ninguém sabe o que pensam as Forças
Armadas, exceto que não se queixam do “cala boca” de tantas mordomias
asseguradas pelo capitão, que lhes abriu o cofre, encastelou milhares de
militares nas estruturas de governo e convoca, altissonante, a população a se
armar e desconfiar do processo eleitoral.
Carolina vai
continuar na janela e fazer de conta que não vê? Quem garante, hoje, que Lula
será eleito e, se eleito, tomará posse?
Frágil não é a democracia
brasileira, e sim a nossa capacidade de, como povo, transformar a nossa
indignação em mobilização.
Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte –
leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria
virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil
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Dom Pedro Casaldáliga
Por contraste, quais os momentos mais feliz de sua vida?
Cada vez que vejo uma comunidade, um líder que assume sua missão, assume suas causas, cada vez que vejo que há comunidades, pessoas, capazes de solidariedade, arriscado inclusive a própria vida. O testemunho de nossos Mártires.
Pedro Casaldáliga, Entrevista para Tierra Sin Males
#Casaldàliga!
#PedroCasaldáligaPresente!
#NãoQueremosGuerraQueremosPaz
Marcelo Barros
Neste 6º Domingo da Páscoa, o evangelho proposto pelo
lecionário ecumênico é João 14, 23- 29. Até 1968, era o evangelho lido na festa
de Pentecostes. Agora, neste domingo, ele já nos convida a entrarmos no clima
de Pentecostes que, para nós conclui as festas pascais.
De acordo com os evangelhos, em outros momentos, Jesus
já tinha avisado aos discípulos e discípulas que iria partir desse mundo e até
a forma violenta e terrível na qual iria morrer. No entanto, somente naquele
momento da última ceia, eles e elas parecem ter se dado conta do momento que
viviam e colocam dúvidas e perguntas. Jesus tinha prometido que, naquele
momento, iria partir, mas voltaria a se manifestar vivo a quem o amasse e se
mantivesse fiel à sua proposta (seus mandamentos). Então, Judas (não o
Iscariotes) lhe pergunta: “- Senhor, por que você se manifestará somente a nós
e não ao mundo?”.
Até hoje, esse tipo de questionamento é comum. Por que
Jesus não se manifesta logo diretamente ao mundo? Por que não faz um milagre
para convencer as pessoas? A essa questão, Jesus nem responde diretamente.
Simplesmente, mostra que este não é o projeto divino. Jesus não quer se impor ao
mundo. Tem, sim, um segredo de amor que é íntimo e a partir do qual, os
discípulos e discípulas possam atuar no mundo.
Para explicar isso, Jesus usa uma imagem que percorre
toda a revelação divina na Bíblia. Desde o começo da história, as pessoas
identificam Deus com alguns lugares específicos. No tempo dos patriarcas,
consideravam o carvalho como uma árvore sagrada na qual Deus se revela e
adoravam a Deus debaixo dos carvalhos (Gn 18, 1). Na espiritualidade afro, a
Gameleira (o Irôco) é um Orixá. Para alguns povos indígenas, toda montanha é
lugar sagrado. No Êxodo, é o monte sagrado do Horeb ou Sinai o lugar a partir
do qual Deus se revela. Depois, Deus pede a Moisés que, durante a caminhada do
povo no deserto, construa uma tenda e este seria o santuário no qual o povo
poderia consultar o Senhor (Ex 35). Mais tarde, Salomão e o povo pedem a Deus
que aceite fazer do templo de Jerusalém a morada do seu Nome, na qual as
pessoas possam invocá-lo. Através dos
profetas, Deus deixou claro que é Deus do universo. O universo inteiro não pode
contê-lo. Ele aceita ser adorado no templo, contanto que o povo caminhe na
trilha da justiça. Ele não quer religião ritual e sim uma fé ética.
O quarto evangelho começa afirmando que, na pessoa de
Jesus de Nazaré, “a Palavra de Deus se fez carne e armou sua tenda no meio de
nós” (Jo 1, 14). Agora, na ceia, Jesus deixa claro que, ao partir deste mundo,
quer inaugurar outro tipo de presença. Declara que essa presença não será mais
nem a tenda de acampamento, nem um templo, ou algum objeto sagrado e sim o mais
íntimo das pessoas que o amam e se mantêm fieis à sua proposta (o seu
mandamento do amor solidário):
“Se alguém me
ama, adere à minha Palavra, meu Pai e eu viremos a ele ou a ela e, nessa
pessoa, faremos nossa morada”.
A partir de então, os discípulos e discípulas serão
morada divina, mas não uma presença mecânica ou externa. Trata-se de uma
presença através do amor divino que tomará forma na vida das pessoas que
permanecem nessa intimidade do Pai, através do amor de Jesus.
Para garantir essa nova forma de presença, Jesus
promete o Espírito, energia divina, que, na Bíblia é chamada de sopro, ventania
ou ar atmosférico novo. Esta energia (ruah, em hebraico) é força confortadora
no momento do luto e defensora na hora em que a defesa for necessária. Através
dessa nova forma de presença, Deus deixa de ser externo a nós e se identifica
com o que dentro de cada um/cada uma de nós é o melhor do nosso ser.
Na espiritualidade afro, os Orixás são forças da
natureza que se incorporam nas pessoas e a Oxum de Maria não é igual a Oxum de
Joana. É Oxum sem deixar de ser Maria ou Joana.
Essas palavras de Jesus, as mais íntimas e ternas de
todo o evangelho, deixam claro que temos de alimentar essa relação de
intimidade amorosa, a partir da escuta da Palavra e essa será a raiz para
cumprirmos nossa missão de fazer deste mundo uma terra de amor, justiça e vida
plena para todos os seres vivos.
Há sete anos, no dia 25 de maio de 2015, o papa
Francisco publicou a Laudato Si e nela oficializou a expressão Ecologia
Integral que une o cuidado com a Mãe-Terra ao caminho da Justiça eco-social e
ao esforço permanente de conversão para que cada um/uma de nós possa ser sempre
mais e mais morada do Espírito.
Cada um/uma de nós percebe se conseguimos estar onde
estamos e viver o que vivemos, no sabor do Espírito, ou se participamos das
coisas e até podemos dar alguma colaboração, mas não estamos no Espírito. Estar
no Espírito é nos deixarmos devorar por um fogo que incendeia, mas não queima,
um amor que nos abrasa e nos impulsiona e tem a capacidade de transformar em
amor tudo o que toca: a Política, a arte e a vida.
Que o Espírito, que o Pai de Amor nos dá nos mergulhe
na plenitude da verdade (Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos
tenho dito). Em nós, ele será força de Paz, a Paz inquieta da Justiça
Libertadora, como chamava Pedro Casaldáliga. É o Espírito que não nos deixa
iludir com a publicidade que favorece guerras e opressões deste mundo. Que
nossas vidas, impulsionadas pelo Amor, sejam permanente encarnação do Espírito,
na abertura universal a todos os espíritos favoráveis à Vida (em todas as
religiões e culturas) e realizemos no mundo um novo Pentecostes.
- Essa promessa que Jesus faz do Espírito parece muito pentecostal e como se fosse instaurar uma espiritualidade mais íntima. Deus dentro de nós. Como interpretar uma espiritualidade libertadora e social a partir de um evangelho como esse? Ele pode dar a impressão de uma religião só espiritualista.
Palavras de conclusão:
A atualidade desse evangelho de hoje é que nós que
aceitamos ser discípulos e discípulas de Jesus podemos contar com essa presença
e essa força do Espírito Santo, a Divina Ruah em nós e em nosso meio.
No Brasil de
hoje, de novo está armado o cenário de uma campanha eleitoral muito acirrada e
com propostas políticas muito divergentes uma da outra. É importante que
contemos com o Espírito de Deus, espírito de amor para nos colocar do lado da
democracia, dos direitos dos pobres e da amorosidade como forma de fazer
política.
Nós só podemos ser testemunhas da ressurreição de
Jesus e da presença do Espírito no mundo se lutarmos contra a política de ódio
e de violência que assola o Brasil e nos colocarmos como construtores e
construtoras de um Brasil sem medo de ser feliz.
Marcelo Mário de Melo
Há aqueles que levantam uma bandeira
e prosseguem.
Aqueles que afrouxam as mãos
e abandonam as bandeiras no caminho.
Aqueles que rasgam queimam
renegam bandeiras e se recolhem.
Aqueles que se bandeiam
e passam a defender
bandeiras contrárias.
Aqueles que refletem
e escolhem bandeiras melhores.
Aqueles que encerram as bandeiras
em gavetas vitrines e altares.
Aqueles que colocam as bandeiras a venda.
É triste ver bandeiras abandonadas
vendidas ou sacralizadas no céu distante.
As bandeiras não são entidades
para comércio adoração e arquivo
Expostas ao vento e ao tempo
as bandeiras são coisas simples da vida
que exigem cuidado:
como uma casa
uma roupa
um filho
uma flor.
Por Padre Francisco Aquino Júnior
A expansão do agronegócio na Chapada do Apodi, divisa do Ceará com o Rio
Grande no Norte, vem tirando o sossego e ameaçando a vida de comunidades
camponesas que vivem na região há muitas décadas. A chegada de grandes
empresas, a desapropriação e o comércio de terras, a construção de
infraestruturas, a monocultura com uso intensivo de agrotóxico e o trabalho
assalariado transformaram profundamente a região.
A mídia e os governos (de direita e de “esquerda”) falam do agronegócio
como desenvolvimento, progresso e melhoria de vida da população. Diariamente
escutamos que o “agro é pop”. Mas a realidade é bem diferente: promove
concentração de terra, água e investimento público; transforma camponeses em
mão de obra barata; ameaça a agricultura familiar; destrói a biodiversidade
(flora, fauna, modos de vida); contamina a terra, a água, o ar e provoca muitos
problemas de saúde (a região se destaca pelos elevados índices de câncer). Sem
falar que não tem grandes impactos nos indicadores sociais da região: 39% da
população do Vale do Jaguaribe, interior do Ceará, vive em situação de pobreza
ou extrema pobreza. O caso de Limoeiro do Norte é ainda mais emblemático. Com o
segundo maior PIB agropecuário do Ceará, cerca de 35% de sua população vive em
situação de pobreza ou extrema pobreza. Tudo isso mostra, na verdade, que o agro é tóxico: produz concentração, exploração,
doença, destruição da natureza e ameaça a vida de comunidades inteiras que têm
nessa região seu espaço de vida e trabalho.
Tudo isso tem provocado muitos conflitos na região: trabalhadores que
lutam por aumento salarial e melhores condições de trabalho; camponeses que
lutam por terra e água; comunidades que denunciam o uso intensivo de
agrotóxicos (contaminação da água, problemas de saúde). O assassinato de Zé
Maria do Tomé, em 2010, com 25 tiros, deu visibilidade e projeção a essa
situação. E acabou fortalecendo a articulação de comunidades, Igreja,
movimentos sociais, universidades e diversas forças sociais na denúncia dos
males provocados pelo agronegócio e na defesa dos direitos das comunidades e
seus territórios. Frutos desse processo são o Acampamento Zé Maria do Tomé no
Perímetro Jaguaribe Apodi, a Lei Estadual Zé Maria do Tomé que proíbe a
pulverização aérea no Ceará e o fortalecimento da produção agroecológica com
tecnologias sociais e processos de comercialização.
A expansão recente com o cultivo de algodão e soja vem agravando a
situação e ameaçando a vida de várias comunidades da região. Uma única empresa
já se apropriou de mais de 25 mil hectares de terra e está em acelerado
processo de expansão. Dentre os impactos identificados e denunciados pelas
comunidades estão a especulação fundiária, o cercamento de comunidades, o
fechamento de estradas, o desmatamento assustador – até com uso de correntão
(proibido pelo Código Florestal!), a destruição da flora e da fauna, o uso
intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas, barulho constante de
máquinas, poeira, redução da produção de mel e até mortandade de abelhas.
O caso das abelhas é particularmente grave. Apicultores denunciam
alteração no tamanho das abelhas e redução drástica da quantidade de colmeias
nas proximidades da empresa. Alguns tiveram que deslocar as colmeias para
outras regiões da Chapada e até para outros municípios. Tem havido mortandade
de abelhas. Na comunidade Carbomil, houve mortandade total de 52 colmeias. O
impacto financeiro é enorme. O apicultor perdeu não apenas a produção (estimada
em 5 mil reais), mas todo meliponário que garantia uma renda média entre 3,5 e
4 mil reais por ano. A mortandade aconteceu no mesmo período de pulverização da
área para produção de algodão.
As abelhas desempenham um papel fundamental na conservação da
biodiversidade, pois são responsáveis pela polinização de muitas plantas. E a
apicultura, além do valor nutritivo, tem um papel fundamental na renda de
muitas famílias e na economia da região. Sua ameaça com a destruição da
vegetação nativa e, sobretudo, com a mortandade de abelhas pelo uso intensivo
de agrotóxicos, causa grande desequilíbrio ambiental e enorme prejuízo aos
apicultores e à economia da região. É um crime que clama ao céu e exige de nós
indignação, protesto e apoio aos apicultores e suas comunidades na defesa das
abelhas, da apicultura e de seus territórios.
SOS abelhas e apicultores da Chapada do Apodi. Ajude a ecoar esse grito…
Tempos atrás
publiquei no meu blog (facebook e twitter) um artigo com o título “O peso kármico da história do Brasil”. Hoje vejo a
necessidade de retomar o tema pois a situação nacional, num cenário eleitoral,
se obscureceu e ganhou contornos perturbadores, seja de ruptura constitucional,
seja de grave e violenta convulsão social.Quando o atual e sinistro presidente
afirma, publicamente, que só reconhecerá um resultado eleitoral, vale dizer, a
sua reeleição, caso contrário, questionaria as urnas eletrônicas ou convocaria
seus seguidores armados, provavelmente, os milicianos e então ocorreria grave
perturbação.
Ele é tão
pouco político e desvairado que nem esconde o jogo. Revela-o às claras.Tal
comportamento de um chefe de estado que se caracteriza por constantes ameaças
às instituições e pelo permanente descaso da situação dramática do país, em
especial, dos mais de 660 mil vítimas do Covid-19, dos milhões de famintos, dos
de insuficiência alimentar, dos desempregados nos provoca graves preocupações e
sérias apreensões.
As razões da irrupção da sombra bolosonarista
Precisamos
tentar entender o porquê irrompeu esta onda de ódio,de mentiras como método de
governo, de fake news, de calúnias e de corrupção governamental, impedida de
ser investigada. Vieram-me à mente duas categorias: uma da psicanálise
junguiana, a da sombra e outra da grande
tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, o karma.
A
categoria de sombra, presente em cada pessoa ou
coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa
aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao
inconsciente seja pessoal seja coletivo.
Cinco sombras na história do
Brasil
Efetivamente,
cinco grandes sombras marcam a história
político-social de nosso país: o genocídio indígena, persistente até hoje; o
colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre; o
escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar o
escravo como coisa, ”peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e
submetida constantemente à chibata e ao desprezo; a permanência da conciliação
entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa
Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo. Estes nunca
pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles para
eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar fortunas
nos projetos estatais. Por esta razão emerge uma quinta sombra a democracia de baixa intensidade que perdura
até hoje e atualmente mostra grande debilidade. Medida pelo respeito à
constituição, aos direitos humanos pessoais e sociais e pelo nível de
participação popular comparece antes como uma farsa do que, realmente, uma
democracia consolidada.
Sempre
que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala
social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas
sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os
grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão,
associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o
recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (1968)
para garantir seus privilégios. Difamam, perseguem e até, sem base jurídica,
colocam na prisão as lideranças populares. O desprezo e o ódio, outrora
dirigidos aos escravos, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis,
condenados a viver sempre na exclusão. É o método denunciado pelo
eminente sociólogo Jessé Souza em seu clássico A elite do atraso (2017).Esta
sombra paira sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente
escondida, negada e recalcada.
A visibilidade da sombra bolsonarista
Com o
atual inominável como presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era
oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido mas atuante,
impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as
transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e,
em alguns campos, como nos costumes, até reacionária.
As cinco
sombras referidas acima se tornaram visíveis no bolsonarismo e em seu “cappo”:
a magnificação da violência até da tortura, o racismo cultural, a homofobia, os
de outra opção sexual, o desprezo ao afrodescendente, ao indígena, à
mulher e ao pobre. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, possam
seguir uma figura tão boçal, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores
deste nosso país e do mundo.
Essa é
uma explicação, certamente, não exaustiva, através da sombra que sub-jaz às várias crises que atravessam toda
a sociedade.
A outra
categoria é a do karma.Para conferir-lhe algum grau
analítico e não apenas metafísico (o destino humano) valho-me de um longo
diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda,
eminente filósofo japonês, recolhido no livro. Elige la
vida ( Emecé. Buenos Aires 2005).
O karma é um termo sânscrito originalmente
significando força e movimento, concentrado na
palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos
indivíduos e também às coletividades.
Cada
pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à
pessoa mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente
ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que
são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a
pessoa, na crença budista, carrega esta conta; por isso se reencarna para que,
por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa.
Para
Toynbee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a
rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo (p.384). As
realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as
pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na
história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung
em suas análises psico-sócio-históricas.
Toynbee
em sua grande obra em dez volumes “Um Estudo da História”(A Study of History) trabalha a chave
Desafio-Resposta (Challange – Response) e vê sentido
na categoria do karma. Mas dá-lhe outra versão
que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais
e a sombra bolsonarista.
A
história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada
pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento
kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de
bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo.
Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.
A arrogância europeia e a bolsonarista
Vejamos o
exemplo da cultura europeia ocidental. Ele criou a modernidade e projetou o
ideal do ser humano como dominus, senhor de
tudo, dos povos, dos continentes, da Terra, da vida e até os últimos elementos
da matéria. Impôs-se globalmente a ferro e fogo e gerou as principais guerras,
especialmente, as duas mundiais e atualmente, através da NATO, apoiando a
guerra na Ucrânia.
No dizer
do grande e discutido analista Samuel P.Huntington em seu conhecido livro Choque de civilizações (1997):”A intervenção ocidental
nos assuntos de outras civilizações provavelmente constitui a mais perigosa fonte de instabilidade e de
um possível conflito global num mundo
multi-civilizacional”(p.397). É a famosa arrogância ocidental de possuir a
melhor religião (cristianismo), a melhor ciência e tecnologia, a melhor
sociedade, a melhor democracia, a melhor cultura, tudo melhor etc. Respeitadas
as diferenças semelhante juízo se aplica também à arrogância
bolsonarista,do presidente e de muitos de seus ministros.
Tanto
Toynbee quanto Ikeda concordam nisso:”a sociedade moderna (nós incluídos) só
pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através
de uma revolução espiritual no coração e na mente (p.159), na linha da justiça
compensatória e de políticas sanadoras com instituições justas.
Como desfazer as sombras e o karma negativo
Entretanto,
elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o
kama negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade, a compaixão e
uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz
porque ele, no fundo, afirmam Toynbee e Ikeda “é a Última Realidade”(p.387).
Uma
sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como no bolsonarismo e incapaz
de efetivamente amar e de ser menos malvada, jamais desconstruirá uma história
tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Isso vale
especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente
do Brasil.
Não
apregoam outra coisa os mestres da humanidade, como Jesus, São Francisco de
Assis, Dalai Lama, Gandhi, Luther King Jr e o Papa Francisco? Só a dimensão de
luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras
tenebrosas e das kármicas do mal.
Se não
derrotarmos eleitoralmente o inominável atual presidente, o país se moverá de
crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos,
comprometendo seu próprio futuro. Mas a luz e a energia do positivo sempre se
mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma
negativo.Estamos seguros de que serão elas que escreverão a página
definitiva da história de um povo.
Leonardo
Boff é teólogo e filósofo e escreveu Brasil:concluir a refundação ou
prolongar a dependência, Vozes 2018.
Frei Betto
Na COP 26, em
2021, os países desenvolvidos se comprometeram a destinar 100 bilhões de
dólares para o Fundo de Adaptação, de modo a ajudar os países em
desenvolvimento a se adequarem às mudanças climáticas.
No fim de
abril deste ano, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo
(SIPRI) divulgou, em seu relatório anual, que os gastos militares mundiais
ultrapassaram 2 trilhões de dólares em 2021 – cifra jamais alcançada
anteriormente. Os cinco países que mais investem em armamentos são EUA, China,
Índia, Reino Unido e Rússia. Arcam com 62% daquela cifra, dos quais os EUA,
sozinho, é responsável por 40% do total de gastos com armas. Basta dizer que o
sistema de armas Lockheed Martin F-35, projetado pelos EUA para fabricar aviões
caça supersônicos multifunções, está orçado em quase 2 trilhões de dólares – é
o mais caro da história da indústria bélica.
O dado é
óbvio: não faltam recursos para matar pessoas e desequilibrar ainda mais o meio
ambiente com testes nucleares e exploração de minerais para a indústria bélica.
E apenas míseros trocados são reservados para evitar o desequilíbrio
ambiental.
Em
abril, The Lancet Planetary Health assinalava, em artigo, que
entre 1970 e 2017 (47 anos!) “as nações de renda alta são responsáveis por 74%
do uso global de material excedente, impulsionado principalmente pelos EUA
(27%) e os 28 países de renda alta da União Europeia (25%).” Já os países do
sul do planeta são responsáveis por apenas 8%.
Material
excedente é tudo aquilo que as empresas e o comércio consideram descartáveis,
inaproveitáveis e, portanto, jogado fora, como as toneladas de plástico que
contaminam oceanos e envenenam peixes.
Há muito
material excedente nos países mais ricos devido ao uso frequente de recursos
abióticos – tudo que impede a presença de vida vegetal ou animal. Os principais
recursos abióticos são os combustíveis fósseis, metais e minerais não metálicos,
utilizados em grande escala por aqueles países. O uso de menos material
excedente nos países mais pobres se deve à maior utilização de recursos
bióticos (biomassa), que são renováveis, ao contrário dos recursos abióticos.
Isso comprova
que os países ricos do Atlântico Norte são os culpados pela destruição do
planeta. Os autores do artigo observam que “as nações de renda alta têm a
esmagadora responsabilidade pelo colapso ecológico global e, portanto, contraem
uma dívida ecológica com o resto do mundo”.
Esses mesmos países são os que mais
investem na fabricação e no comércio de armas. O Pentágono – as forças armadas
dos EUA – “continua sendo o maior consumidor individual de petróleo”, diz um
estudo da Brown Univesity. “E, como resultado, um dos maiores emissores de
gases de efeito estufa do mundo”. Para conseguir que os EUA e seus aliados
assinassem o Protocolo de Kyoto, em 1997, os Estados membros da ONU tiveram que
permitir que as emissões de gases de efeito estufa pelos militares fossem excluídas
dos relatórios nacionais sobre emissões...
Os descaso dos países ricos para
com a preservação ambiental e o futuro de nosso planeta é comprovado por estes
dados: em 2019, a ONU calculou que a lacuna anual de financiamento para
alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) era de 2,5 trilhões
de dólares. Destinar aos ODS os 2 trilhões de dólares aplicados, anualmente, em
gastos militares permitiria erradicar ou amenizar muito os principais fatores
contrários à dignidade humana: fome, analfabetismo, falta de moradia,
saneamento, assistência médica etc.
Em 2021, o mundo gastou mais de 2
trilhões de dólares em guerra, e investiu apenas 750 bilhões
de dólares em energia limpa e eficiência energética.
O investimento
total em infraestrutura energética em 2021 foi de US$ 1,9
trilhão, mas a maior parte desse investimento foi para combustíveis fósseis
(petróleo, gás natural e carvão). Assim, prosseguem os investimentos em
combustíveis fósseis e aumentam os investimentos em armas, enquanto os
investimentos destinados à transição para novas formas de energia mais
limpa permanecem insuficientes.
Os dados demonstram como a luta
pela preservação ambiental se vincula à conquista da paz e à redução, não
apenas do arsenal bélico do mundo, mas também dos fatores que provocam mortes
precoces em milhões de pessoas impedidas de desfrutar condições dignas de
vida.
Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco),
entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você
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Dom Pedro Casaldáliga
Nossos dois ou três primeiros anos foram
muito um sentir-se espantado diante de todo tipo de distâncias, e vivemos com a
preocupação de conhecer, de sentir a realidade. Depois, a partir desta vontade
de conhecimento da realidade, também por vontade de encarnação, fomos definindo
nosso trabalho em quatro níveis que poderíamos traduzir assim: pastoral direta,
primeiro. Segundo, atenção em matéria de educação, nos vários níveis e
aspectos, formal, não-formal, adultos, não-adultos, crianças, jovens, diferentes
clubes, reuniões, encontros que significam educação. Terceiro, saúde. Atenção
sanitária e prevenção. Também nos vários aspectos, dando primazia à saúde
preventiva e à consciência da saúde. E, quarto nível, problemática da terra.
Descobrir, ensinar, ilustrar direitos. Fortalecer a luta de um povo por seus
direitos; um povo sertanejo e de índios em que a terra é problema básico vital.
A partir dessa luta surgiu a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a nível da
Conferência Nacional dos Bispos, que é hoje, no Brasil, para mim, a grande
força de renovação, realmente a partir da base, juntamente com o CIMI (Conselho
Indigenista Missionário) e com o que possamos encaminhar de pastoral
especificamente operária, e ao lado de algo mais genérico que são as Comunidades
de Base. Gostaria de precisar, sublinhando fortemente, que essas quatro linhas
ou estratos de nossa pastoral são para a Igreja de São Félix uma única
evangelização de uma única realidade. A partir da fé e a partir da própria
vivência desta realidade humana, pretendemos conscientizar e pretendemos formar
comunidade. A conscientização e a formação da comunidade são os dois objetivos
imediatos de nossa pastoral, à luz da fé e com a força da esperança, que
esclarecem e que congregam e depois celebram.
Pedro Casaldáliga,
Diálogos en Mato Grosso con Pedro Casaldáliga
#Casaldàliga!
#PedroCasaldáligaPresente!
#NãoQueremosGuerraQueremosPaz