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domingo, 29 de maio de 2022

QUEM O FARÁ

 MARCELO MÁRIO DE MELO


 

Purgar os erros.

Lembrar os mortos.

Fecundar os sonhos.

Festejar as vitórias.

Se não fizermos isto

pela nossa história

Quem o fará?

quinta-feira, 26 de maio de 2022

VAI TER GOLPE?

 


Frei Betto

 

      Meu pai lutou contra a ditadura de Vargas. Esteve preso e assinou o “Manifesto dos Mineiros”, estopim político que detonou o regime de terror implantado pelo caudilho.

      Meu pai, em 1945, acreditou que nunca mais o Brasil seria governado por outra ditadura. A democracia havia recuperado fôlego.

      Em 1962, troquei Belo Horizonte pelo Rio, disposto a me dedicar à política estudantil em âmbito nacional. Jânio Quadros havia sido eleito presidente da República em 1961 e renunciado oito meses depois. Houve breve período de instabilidade política. A Constituição, entretanto, prevaleceu, e João Goulart, vice de Jânio, tomou posse.

      Como candidato, Jânio visitou Cuba em março de 1960 e, poucos dias antes de renunciar, condecorou Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a principal comenda da República. Para os setores conservadores, era mais um sinal de que o país se deslocava da órbita dos EUA para a comunista. De fato, não eram os países socialistas que atraíam o governo de Jango. Era a coalizão dos Não Alinhados que congregava 115 países decididos a ficarem distantes das grandes potências. 

      Tal independência, contudo, foi encarada pela Casa Branca como alinhamento ao comunismo. Na polarização da Guerra Fria entre EUA e a União Soviética, Tio Sam não admitia neutralidade.

      Na política interna, Jango apregoava o óbvio: promover reformas de base, como a agrária, tão necessárias ao Brasil ainda hoje. Movimentos sociais, como as Ligas Camponesas, davam respaldo às intenções do governo. 

      Diante das mobilizações de apoio à política reformista de Jango, a direita brasileira, monitorada pela CIA, como hoje comprovam documentos oficiais, desencadeou articulações para impedir que as estruturas anacrônicas do país, tão convenientes aos interesses dos EUA e à elite agroindustrial, fossem alteradas. O fantasma do comunismo ocupou as manchetes da mídia. Entidades foram fundadas para aglutinar as forças de direita, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Havia cheiro de golpe no ar...

      As forças progressistas, no entanto, não tiveram suficiente olfato para captá-lo. Acreditavam que as mobilizações populares, comandadas pela UNE (União Nacional dos Estudantes), a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e os partidos progressistas e grupos de esquerda (PC, PCdoB, Ação Popular etc.) haveriam de conter qualquer aventura golpista.

      Líderes da esquerda garantiam que Jango estava firmemente respaldado por um fiel “esquema militar”. Tinha em mãos o controle da situação. Embora as ruas do país fossem ocupadas pelas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, encabeçadas por um sacerdote estadunidense remetido pela CIA ao Brasil, a democracia não sofria ameaça. Oito anos de ditadura de Vargas (1937-1945) haviam imunizado o país do vírus golpista.

      O dilúvio desabou em 1º de abril de 1964. Sem disparar um único tiro, as Forças Armadas derrubaram o governo constitucionalmente eleito, rasgaram a Constituição e disseminaram o regime de terror que cassou políticos e lideranças sociais, prendeu, torturou, assassinou, fez desaparecer e/ou baniu do país militantes de movimentos populares, pastorais, sindicais e políticos. O regime de trevas durou 21 anos!

      Hoje, o Brasil é governado por um cúmplice das milícias que ostensiva e repetidamente ameaça a democracia e promete sabotar as eleições presidenciais de outubro caso as urnas não lhe deem vitória. E, de novo, vozes se levantam em defesa da democracia e asseguram que ela está sólida. São vozes do Judiciário, do Legislativo, da grande mídia, e até de quem admite ter dado, em 2018, seu voto ao neofascista que ocupa o Planalto.

      Enquanto Carolina, com seus olhos fundos,  vê a banda passar e guarda tanta dor, a defesa da democracia se sustenta, até agora, em mera retórica. “Eu já lhe expliquei que não vai dar / seu pranto não vai nada ajudar”, pois não há mobilizações populares. Não há ações efetivas do Judiciário, do Legislativo e dos movimentos sociais para acuar o presidente nos demarcados limites da Constituição. O tempo passa na janela e só Carolina não vê. Ninguém sabe o que pensam as Forças Armadas, exceto que não se queixam do “cala boca” de tantas mordomias asseguradas pelo capitão, que lhes abriu o cofre, encastelou milhares de militares nas estruturas de governo e convoca, altissonante, a população a se armar e desconfiar do processo eleitoral. 

      Carolina vai continuar na janela e fazer de conta que não vê? Quem garante, hoje, que Lula será eleito e, se eleito, tomará posse? 

      Frágil não é a democracia brasileira, e sim a nossa capacidade de, como povo, transformar a nossa indignação em mobilização. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

      

Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

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quarta-feira, 25 de maio de 2022

PALAVRAS DE PEDRO - 25.05.2022


Dom Pedro Casaldáliga 


Por contraste, quais os momentos mais feliz de sua vida?


Cada vez que vejo uma comunidade, um líder que assume sua missão, assume suas causas, cada vez que vejo que há comunidades, pessoas, capazes de solidariedade, arriscado inclusive a própria vida. O testemunho de nossos Mártires.


Pedro Casaldáliga, Entrevista para Tierra Sin Males

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz

terça-feira, 24 de maio de 2022

Deus muda de casa e de jeito de ser

 Marcelo Barros


Neste 6º Domingo da Páscoa, o evangelho proposto pelo lecionário ecumênico é João 14, 23- 29. Até 1968, era o evangelho lido na festa de Pentecostes. Agora, neste domingo, ele já nos convida a entrarmos no clima de Pentecostes que, para nós conclui as festas pascais.

De acordo com os evangelhos, em outros momentos, Jesus já tinha avisado aos discípulos e discípulas que iria partir desse mundo e até a forma violenta e terrível na qual iria morrer. No entanto, somente naquele momento da última ceia, eles e elas parecem ter se dado conta do momento que viviam e colocam dúvidas e perguntas. Jesus tinha prometido que, naquele momento, iria partir, mas voltaria a se manifestar vivo a quem o amasse e se mantivesse fiel à sua proposta (seus mandamentos). Então, Judas (não o Iscariotes) lhe pergunta: “- Senhor, por que você se manifestará somente a nós e não ao mundo?”.

Até hoje, esse tipo de questionamento é comum. Por que Jesus não se manifesta logo diretamente ao mundo? Por que não faz um milagre para convencer as pessoas? A essa questão, Jesus nem responde diretamente. Simplesmente, mostra que este não é o projeto divino. Jesus não quer se impor ao mundo. Tem, sim, um segredo de amor que é íntimo e a partir do qual, os discípulos e discípulas possam atuar no mundo.

Para explicar isso, Jesus usa uma imagem que percorre toda a revelação divina na Bíblia. Desde o começo da história, as pessoas identificam Deus com alguns lugares específicos. No tempo dos patriarcas, consideravam o carvalho como uma árvore sagrada na qual Deus se revela e adoravam a Deus debaixo dos carvalhos (Gn 18, 1). Na espiritualidade afro, a Gameleira (o Irôco) é um Orixá. Para alguns povos indígenas, toda montanha é lugar sagrado. No Êxodo, é o monte sagrado do Horeb ou Sinai o lugar a partir do qual Deus se revela. Depois, Deus pede a Moisés que, durante a caminhada do povo no deserto, construa uma tenda e este seria o santuário no qual o povo poderia consultar o Senhor (Ex 35). Mais tarde, Salomão e o povo pedem a Deus que aceite fazer do templo de Jerusalém a morada do seu Nome, na qual as pessoas possam invocá-lo.  Através dos profetas, Deus deixou claro que é Deus do universo. O universo inteiro não pode contê-lo. Ele aceita ser adorado no templo, contanto que o povo caminhe na trilha da justiça. Ele não quer religião ritual e sim uma fé ética.

O quarto evangelho começa afirmando que, na pessoa de Jesus de Nazaré, “a Palavra de Deus se fez carne e armou sua tenda no meio de nós” (Jo 1, 14). Agora, na ceia, Jesus deixa claro que, ao partir deste mundo, quer inaugurar outro tipo de presença. Declara que essa presença não será mais nem a tenda de acampamento, nem um templo, ou algum objeto sagrado e sim o mais íntimo das pessoas que o amam e se mantêm fieis à sua proposta (o seu mandamento do amor solidário):

Se alguém me ama, adere à minha Palavra, meu Pai e eu viremos a ele ou a ela e, nessa pessoa, faremos nossa morada”.   

A partir de então, os discípulos e discípulas serão morada divina, mas não uma presença mecânica ou externa. Trata-se de uma presença através do amor divino que tomará forma na vida das pessoas que permanecem nessa intimidade do Pai, através do amor de Jesus.

Para garantir essa nova forma de presença, Jesus promete o Espírito, energia divina, que, na Bíblia é chamada de sopro, ventania ou ar atmosférico novo. Esta energia (ruah, em hebraico) é força confortadora no momento do luto e defensora na hora em que a defesa for necessária. Através dessa nova forma de presença, Deus deixa de ser externo a nós e se identifica com o que dentro de cada um/cada uma de nós é o melhor do nosso ser.

Na espiritualidade afro, os Orixás são forças da natureza que se incorporam nas pessoas e a Oxum de Maria não é igual a Oxum de Joana. É Oxum sem deixar de ser Maria ou Joana. 

Essas palavras de Jesus, as mais íntimas e ternas de todo o evangelho, deixam claro que temos de alimentar essa relação de intimidade amorosa, a partir da escuta da Palavra e essa será a raiz para cumprirmos nossa missão de fazer deste mundo uma terra de amor, justiça e vida plena para todos os seres vivos.

Há sete anos, no dia 25 de maio de 2015, o papa Francisco publicou a Laudato Si e nela oficializou a expressão Ecologia Integral que une o cuidado com a Mãe-Terra ao caminho da Justiça eco-social e ao esforço permanente de conversão para que cada um/uma de nós possa ser sempre mais e mais morada do Espírito. 

Cada um/uma de nós percebe se conseguimos estar onde estamos e viver o que vivemos, no sabor do Espírito, ou se participamos das coisas e até podemos dar alguma colaboração, mas não estamos no Espírito. Estar no Espírito é nos deixarmos devorar por um fogo que incendeia, mas não queima, um amor que nos abrasa e nos impulsiona e tem a capacidade de transformar em amor tudo o que toca: a Política, a arte e a vida.

Que o Espírito, que o Pai de Amor nos dá nos mergulhe na plenitude da verdade (Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos tenho dito). Em nós, ele será força de Paz, a Paz inquieta da Justiça Libertadora, como chamava Pedro Casaldáliga. É o Espírito que não nos deixa iludir com a publicidade que favorece guerras e opressões deste mundo. Que nossas vidas, impulsionadas pelo Amor, sejam permanente encarnação do Espírito, na abertura universal a todos os espíritos favoráveis à Vida (em todas as religiões e culturas) e realizemos no mundo um novo Pentecostes.

- Essa promessa que Jesus faz do Espírito parece muito pentecostal e como se fosse instaurar uma espiritualidade mais íntima. Deus dentro de nós. Como interpretar uma espiritualidade libertadora e social a partir de um evangelho como esse? Ele pode dar a impressão de uma religião só espiritualista.

 

Palavras de conclusão:

 

A atualidade desse evangelho de hoje é que nós que aceitamos ser discípulos e discípulas de Jesus podemos contar com essa presença e essa força do Espírito Santo, a Divina Ruah em nós e em nosso meio.

 No Brasil de hoje, de novo está armado o cenário de uma campanha eleitoral muito acirrada e com propostas políticas muito divergentes uma da outra. É importante que contemos com o Espírito de Deus, espírito de amor para nos colocar do lado da democracia, dos direitos dos pobres e da amorosidade como forma de fazer política.

Nós só podemos ser testemunhas da ressurreição de Jesus e da presença do Espírito no mundo se lutarmos contra a política de ódio e de violência que assola o Brasil e nos colocarmos como construtores e construtoras de um Brasil sem medo de ser feliz.

 

 

domingo, 22 de maio de 2022

AOS QUE CUIDAM DE BANDEIRAS (Em memória de Miguel Arraes)

 Marcelo Mário de Melo


 

Há aqueles que levantam uma bandeira

e prosseguem.

 

Aqueles que afrouxam as mãos

e abandonam as bandeiras no caminho.

 

Aqueles que rasgam queimam

renegam bandeiras e se recolhem.

 

Aqueles que se bandeiam

e passam a defender

bandeiras contrárias.

 

Aqueles que refletem

e escolhem bandeiras melhores.

 

Aqueles que encerram as bandeiras

em gavetas vitrines e altares.

 

Aqueles que colocam as bandeiras a venda.

 

É triste ver bandeiras abandonadas

vendidas ou sacralizadas no céu distante.

 

As bandeiras não são entidades

para comércio adoração e arquivo

 

Expostas ao vento e ao tempo

as bandeiras são coisas simples da vida

que exigem cuidado:

como uma casa

uma roupa

um filho

uma flor.

sábado, 21 de maio de 2022

Chapada do Apodi: SOS Abelhas e Apicultores

    Por Padre Francisco Aquino Júnior


  

A expansão do agronegócio na Chapada do Apodi, divisa do Ceará com o Rio Grande no Norte, vem tirando o sossego e ameaçando a vida de comunidades camponesas que vivem na região há muitas décadas. A chegada de grandes empresas, a desapropriação e o comércio de terras, a construção de infraestruturas, a monocultura com uso intensivo de agrotóxico e o trabalho assalariado transformaram profundamente a região.

A mídia e os governos (de direita e de “esquerda”) falam do agronegócio como desenvolvimento, progresso e melhoria de vida da população. Diariamente escutamos que o “agro é pop”. Mas a realidade é bem diferente: promove concentração de terra, água e investimento público; transforma camponeses em mão de obra barata; ameaça a agricultura familiar; destrói a biodiversidade (flora, fauna, modos de vida); contamina a terra, a água, o ar e provoca muitos problemas de saúde (a região se destaca pelos elevados índices de câncer). Sem falar que não tem grandes impactos nos indicadores sociais da região: 39% da população do Vale do Jaguaribe, interior do Ceará, vive em situação de pobreza ou extrema pobreza. O caso de Limoeiro do Norte é ainda mais emblemático. Com o segundo maior PIB agropecuário do Ceará, cerca de 35% de sua população vive em situação de pobreza ou extrema pobreza. Tudo isso mostra, na verdade, que o agro é tóxico: produz concentração, exploração, doença, destruição da natureza e ameaça a vida de comunidades inteiras que têm nessa região seu espaço de vida e trabalho.

Tudo isso tem provocado muitos conflitos na região: trabalhadores que lutam por aumento salarial e melhores condições de trabalho; camponeses que lutam por terra e água; comunidades que denunciam o uso intensivo de agrotóxicos (contaminação da água, problemas de saúde). O assassinato de Zé Maria do Tomé, em 2010, com 25 tiros, deu visibilidade e projeção a essa situação. E acabou fortalecendo a articulação de comunidades, Igreja, movimentos sociais, universidades e diversas forças sociais na denúncia dos males provocados pelo agronegócio e na defesa dos direitos das comunidades e seus territórios. Frutos desse processo são o Acampamento Zé Maria do Tomé no Perímetro Jaguaribe Apodi, a Lei Estadual Zé Maria do Tomé que proíbe a pulverização aérea no Ceará e o fortalecimento da produção agroecológica com tecnologias sociais e processos de comercialização.

A expansão recente com o cultivo de algodão e soja vem agravando a situação e ameaçando a vida de várias comunidades da região. Uma única empresa já se apropriou de mais de 25 mil hectares de terra e está em acelerado processo de expansão. Dentre os impactos identificados e denunciados pelas comunidades estão a especulação fundiária, o cercamento de comunidades, o fechamento de estradas, o desmatamento assustador – até com uso de correntão (proibido pelo Código Florestal!), a destruição da flora e da fauna, o uso intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas, barulho constante de máquinas, poeira, redução da produção de mel e até mortandade de abelhas.

O caso das abelhas é particularmente grave. Apicultores denunciam alteração no tamanho das abelhas e redução drástica da quantidade de colmeias nas proximidades da empresa. Alguns tiveram que deslocar as colmeias para outras regiões da Chapada e até para outros municípios. Tem havido mortandade de abelhas. Na comunidade Carbomil, houve mortandade total de 52 colmeias. O impacto financeiro é enorme. O apicultor perdeu não apenas a produção (estimada em 5 mil reais), mas todo meliponário que garantia uma renda média entre 3,5 e 4 mil reais por ano. A mortandade aconteceu no mesmo período de pulverização da área para produção de algodão.

As abelhas desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade, pois são responsáveis pela polinização de muitas plantas. E a apicultura, além do valor nutritivo, tem um papel fundamental na renda de muitas famílias e na economia da região. Sua ameaça com a destruição da vegetação nativa e, sobretudo, com a mortandade de abelhas pelo uso intensivo de agrotóxicos, causa grande desequilíbrio ambiental e enorme prejuízo aos apicultores e à economia da região. É um crime que clama ao céu e exige de nós indignação, protesto e apoio aos apicultores e suas comunidades na defesa das abelhas, da apicultura e de seus territórios.

SOS abelhas e apicultores da Chapada do Apodi. Ajude a ecoar esse grito…

 

sexta-feira, 20 de maio de 2022

A sombra tenebrosa do bolsonarismo


 Leonardo Boff


 

Tempos atrás publiquei no meu blog (facebook e twitter) um artigo com o título “O peso kármico da história do Brasil”. Hoje vejo a necessidade de retomar o tema pois a situação nacional, num cenário eleitoral, se obscureceu e ganhou contornos perturbadores, seja de ruptura constitucional, seja de grave e violenta convulsão social.Quando o atual e sinistro presidente afirma, publicamente, que só reconhecerá um resultado eleitoral, vale dizer, a sua reeleição, caso contrário, questionaria as urnas eletrônicas ou convocaria seus seguidores armados, provavelmente, os milicianos e então ocorreria grave perturbação.

Ele é tão pouco político e desvairado que nem esconde o jogo. Revela-o às claras.Tal comportamento de um chefe de estado que se caracteriza por constantes ameaças às instituições e pelo permanente descaso da situação dramática do país, em especial, dos mais de 660 mil vítimas do Covid-19, dos milhões de famintos, dos de insuficiência alimentar, dos desempregados nos provoca graves preocupações e sérias apreensões.

         As razões da irrupção da sombra bolosonarista

 

Precisamos tentar entender o porquê irrompeu esta onda de ódio,de mentiras como método de governo, de fake news, de calúnias e de corrupção governamental, impedida de ser investigada. Vieram-me à mente duas categorias: uma da psicanálise junguiana, a da sombra e outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, o karma.

A categoria de sombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente  seja pessoal seja coletivo.

 

             Cinco sombras na história do Brasil

 

Efetivamente, cinco grandes sombras marcam a história político-social de nosso país: o genocídio indígena, persistente até hoje; o colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre; o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar o escravo como coisa, ”peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata e ao desprezo; a permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar fortunas nos projetos estatais. Por esta razão emerge uma quinta sombra a democracia  de baixa intensidade que perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade. Medida pelo respeito à constituição, aos direitos humanos pessoais e sociais e pelo nível de participação popular comparece antes como uma farsa do que, realmente, uma democracia consolidada.

 

Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (1968) para garantir seus privilégios. Difamam, perseguem e até, sem base jurídica, colocam na prisão as lideranças populares. O desprezo e o ódio, outrora dirigidos aos escravos, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão. É o método denunciado pelo eminente  sociólogo Jessé Souza em seu clássico A elite do atraso (2017).Esta sombra paira sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.

 

                  A visibilidade da sombra bolsonarista

 

Com o atual inominável como presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos,  como nos costumes, até reacionária.

As cinco sombras referidas acima se tornaram visíveis no bolsonarismo e em seu “cappo”: a magnificação da violência até da tortura, o racismo cultural, a homofobia, os de outra opção sexual,  o desprezo ao afrodescendente, ao indígena, à mulher e ao pobre. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, possam seguir uma figura tão boçal, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores deste nosso país e do mundo.

Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da sombra que sub-jaz às várias crises que atravessam toda a sociedade.

A outra categoria é a do karma.Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas metafísico (o destino humano) valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livro. Elige la vida ( Emecé. Buenos Aires 2005).

karma é um termo sânscrito originalmente significando força e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.

 

Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista, carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários  renascimentos,  possa zerar a conta negativa.

Para Toynbee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo (p.384). As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.

Toynbee em sua grande obra em dez volumes “Um Estudo da História”(A Study of History) trabalha a chave Desafio-Resposta (Challange – Response) e vê sentido na categoria do karma. Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais e a sombra bolsonarista.

A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.

                  A arrogância europeia e a bolsonarista

 

Vejamos o exemplo da cultura europeia ocidental. Ele criou a modernidade e projetou o ideal do ser humano como dominus, senhor de tudo, dos povos, dos continentes, da Terra, da vida e até os últimos elementos da matéria. Impôs-se globalmente a ferro e fogo e gerou as principais guerras, especialmente, as duas mundiais e atualmente, através da NATO, apoiando a guerra na Ucrânia.

No dizer do grande e discutido analista Samuel P.Huntington em seu conhecido livro Choque de civilizações (1997):”A intervenção ocidental nos assuntos de outras civilizações provavelmente constitui a mais perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito global num mundo multi-civilizacional”(p.397). É a famosa arrogância ocidental de possuir a melhor religião (cristianismo), a melhor ciência e tecnologia, a melhor sociedade, a melhor democracia, a melhor cultura, tudo melhor etc. Respeitadas  as diferenças semelhante juízo se aplica também à arrogância bolsonarista,do presidente e de muitos de seus ministros.

 

 

Tanto Toynbee quanto Ikeda concordam nisso:”a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual no coração e na mente (p.159), na linha da justiça compensatória e de políticas sanadoras com instituições justas.

         Como desfazer as sombras e o karma negativo

 

Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não  desfarão as sombras e o  kama negativo. Faz-se mister  o amor, a solidariedade, a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Toynbee e Ikeda “é a Última Realidade”(p.387).

Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como no bolsonarismo e incapaz de efetivamente amar e de ser menos malvada, jamais desconstruirá uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente do Brasil.

Não apregoam outra coisa os mestres da humanidade, como Jesus, São Francisco de Assis, Dalai Lama, Gandhi, Luther King Jr e o Papa Francisco? Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem  a sociedade da força das sombras tenebrosas e das  kármicas do mal. 

Se não derrotarmos eleitoralmente o inominável atual presidente, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo seu próprio futuro. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.Estamos seguros de que serão elas que escreverão  a página definitiva da história de um povo.

Leonardo Boff é teólogo e filósofo e escreveu Brasil:concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018.

 

quinta-feira, 19 de maio de 2022

O PREÇO DA MORTE

 Frei Betto


 

       Na COP 26, em 2021, os países desenvolvidos se comprometeram a destinar 100 bilhões de dólares para o Fundo de Adaptação, de modo a ajudar os países em desenvolvimento a se adequarem às mudanças climáticas.

       No fim de abril deste ano, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) divulgou, em seu relatório anual, que os gastos militares mundiais ultrapassaram 2 trilhões de dólares em 2021 – cifra jamais alcançada anteriormente. Os cinco países que mais investem em armamentos são EUA, China, Índia, Reino Unido e Rússia. Arcam com 62% daquela cifra, dos quais os EUA, sozinho, é responsável por 40% do total de gastos com armas. Basta dizer que o sistema de armas Lockheed Martin F-35, projetado pelos EUA para fabricar aviões caça supersônicos multifunções, está orçado em quase 2 trilhões de dólares – é o mais caro da história da indústria bélica.

       O dado é óbvio: não faltam recursos para matar pessoas e desequilibrar ainda mais o meio ambiente com testes nucleares e exploração de minerais para a indústria bélica. E apenas míseros trocados são reservados para evitar o desequilíbrio ambiental. 

       Em abril, The Lancet Planetary Health assinalava, em artigo, que entre 1970 e 2017 (47 anos!) “as nações de renda alta são responsáveis por 74% do uso global de material excedente, impulsionado principalmente pelos EUA (27%) e os 28 países de renda alta da União Europeia (25%).” Já os países do sul do planeta são responsáveis por  apenas 8%.

       Material excedente é tudo aquilo que as empresas e o comércio consideram descartáveis, inaproveitáveis e, portanto, jogado fora, como as toneladas de plástico que contaminam oceanos e envenenam peixes. 

       Há muito material excedente nos países mais ricos devido ao uso frequente de recursos abióticos – tudo que impede a presença de vida vegetal ou animal. Os principais recursos abióticos são os combustíveis fósseis, metais e minerais não metálicos, utilizados em grande escala por aqueles países. O uso de menos material excedente nos países mais pobres se deve à maior utilização de recursos bióticos (biomassa), que são renováveis, ao contrário dos recursos abióticos.

       Isso comprova que os países ricos do Atlântico Norte são os culpados pela destruição do planeta. Os autores do artigo observam que “as nações de renda alta têm a esmagadora responsabilidade pelo colapso ecológico global e, portanto, contraem uma dívida ecológica com o resto do mundo”.

       Esses mesmos países são os que mais investem na fabricação e no comércio de armas. O Pentágono – as forças armadas dos EUA – “continua sendo o maior consumidor individual de petróleo”, diz um estudo da Brown Univesity. “E, como resultado, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo”. Para conseguir que os EUA e seus aliados assinassem o Protocolo de Kyoto, em 1997, os Estados membros da ONU tiveram que permitir que as emissões de gases de efeito estufa pelos militares fossem excluídas dos relatórios nacionais sobre emissões...

       Os descaso dos países ricos para com a preservação ambiental e o futuro de nosso planeta é comprovado por estes dados: em 2019, a ONU calculou que a lacuna anual de financiamento para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) era de 2,5 trilhões de dólares. Destinar aos ODS os 2 trilhões de dólares aplicados, anualmente, em gastos militares permitiria erradicar ou amenizar muito os principais fatores contrários à dignidade humana: fome, analfabetismo, falta de moradia, saneamento, assistência médica etc. 

       Em 2021, o mundo gastou mais de 2 trilhões de dólares em guerra, e investiu apenas 750 bilhões de dólares em energia limpa e eficiência energética. O investimento total em infraestrutura energética em 2021 foi de US$ 1,9 trilhão, mas a maior parte desse investimento foi para combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). Assim, prosseguem os investimentos em combustíveis fósseis e aumentam os investimentos em armas, enquanto os investimentos destinados  à transição para novas formas de energia mais limpa permanecem insuficientes.

       Os dados demonstram como a luta pela preservação ambiental se vincula à conquista da paz e à redução, não apenas do arsenal bélico do mundo, mas também dos fatores que provocam mortes precoces em milhões de pessoas impedidas de desfrutar condições dignas de vida. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 

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quarta-feira, 18 de maio de 2022

PALAVRAS DE PEDRO

 Dom Pedro Casaldáliga


 

       Nossos dois ou três primeiros anos foram muito um sentir-se espantado diante de todo tipo de distâncias, e vivemos com a preocupação de conhecer, de sentir a realidade. Depois, a partir desta vontade de conhecimento da realidade, também por vontade de encarnação, fomos definindo nosso trabalho em quatro níveis que poderíamos traduzir assim: pastoral direta, primeiro. Segundo, atenção em matéria de educação, nos vários níveis e aspectos, formal, não-formal, adultos, não-adultos, crianças, jovens, diferentes clubes, reuniões, encontros que significam educação. Terceiro, saúde. Atenção sanitária e prevenção. Também nos vários aspectos, dando primazia à saúde preventiva e à consciência da saúde. E, quarto nível, problemática da terra. Descobrir, ensinar, ilustrar direitos. Fortalecer a luta de um povo por seus direitos; um povo sertanejo e de índios em que a terra é problema básico vital. A partir dessa luta surgiu a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a nível da Conferência Nacional dos Bispos, que é hoje, no Brasil, para mim, a grande força de renovação, realmente a partir da base, juntamente com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e com o que possamos encaminhar de pastoral especificamente operária, e ao lado de algo mais genérico que são as Comunidades de Base. Gostaria de precisar, sublinhando fortemente, que essas quatro linhas ou estratos de nossa pastoral são para a Igreja de São Félix uma única evangelização de uma única realidade. A partir da fé e a partir da própria vivência desta realidade humana, pretendemos conscientizar e pretendemos formar comunidade. A conscientização e a formação da comunidade são os dois objetivos imediatos de nossa pastoral, à luz da fé e com a força da esperança, que esclarecem e que congregam e depois celebram.

 

Pedro Casaldáliga, Diálogos en Mato Grosso con Pedro Casaldáliga

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz