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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Prisão de Bolsonaro será disciplinadora

 Leonardo Boff 


 

Contradizendo vários de meus colegas de que não se deve agora condenar Bolsonro,apenas desgast-lo, pondo à luz seus crimes e só no fim puni-lo pensamente com a prisão, eventualmente levá-lo ao Tribunal Penal de Haia e deixá-lo por lá mesmo,como foi feito com muitos condenados por crimes contra a humanidade. Bolsonaro não fica muito aquém de Hitle e de Pinochet e de outros fascínoras. O Brasil não pode deixar nornalizar sua situação e deixá-lo vagando por aí até encontrar um país, com mentalida dele onde possa se esconder. Sou decidicamente pela extradição e julgamento imediato desse criminoso de milhares de pessoas, beirando o genocídio ou sendo de fato um genocida.

Publicamos este texto corajoso de Hildegard Angel que viveu na própria família o horror da repressão e do assassinato de seu irmão Stuart Angel Jones. Lboff

 

Hildegard Angel, Jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do militante político Stuart Angel Jones

“Sua prisão não provocará comoção alguma. Ela fará vermes, ratos e lagartos retornarem aos grotões lamacentos de onde emergiram”, diz a colunista

A cada dia mais me escandalizo com a insistência da imprensa brasileira em normalizar uma figura política monstruosa, incompetente e irresponsável como Bolsonaro, enquanto a mídia estrangeira se mantém horrorizada com ele. 

Vejo analistas e comentaristas políticos se referirem ao governo passado como se este tivesse sido algo regular, e não uma evidente anomalia, um governo disfuncional, um período distópico da vida brasileira. 

Todo surto de esquizofrenia necessita tratamento até ser retomada a sanidade. Com o estado brasileiro não será diferente. Não se salta do caos absoluto para o corriqueiro, num piscar de olhos. Há que se providenciar a recuperação até a cura.

Para o Brasil retomar a normalidade suas instituições devem dar o melhor exemplo, a partir da imprescindível responsabilização criminal de Bolsonaro e seus comparsas. Essa alegação de que ele “vai virar mártir” não cabe para quem é um vilão assumido e convicto, vide “Argentina 1985”, em que a condenação dos arrogantes malfeitores

Os efeitos da malignidade de Bolsonaro se espraiaram pela nação brasileira em todos os campos. Bolsonaro estuprou o Brasil, com violência e torpeza. Das florestas à economia, da dignidade ao conhecimento, da saúde à compostura, à inocência, nada foi poupado em sua ação predatória. 

 

De tal forma que as feridas deixadas por ele na vida brasileira dificilmente cicatrizarão. O trauma será longo, se não for perpétua.

Bolsonaro precisa ser responsabilizado, sim, levado aos tribunais, locais e internacionais, julgado e condenado. Precisa ser preso, sim, porque ele fez por onde. Caso isso não ocorra, será uma desmoralização para a Justiça brasileira, terá sido o crime perfeito, abrindo caminho para outros projetos de destruição de nosso estado.

Os que não se deram conta disso, que se mirem no exemplo do próprio Bolsonaro, que se mantém a cuidadosa distância do Brasil, à espera de a poeira baixar. 

Sua prisão não provocará comoção alguma, ao contrário do que alguns receiam. Será uma ação disciplinadora, educativa até. Ela fará vermes, ratos e lagartos retornarem aos grotões lamacentos de onde emergiram – e que jamais deles retornem – confirmando a covardia de suas práticas”

Leonardo Boff, teólogo e filósofo escreveu Homem anjo bom ou satã, Record 2008.

 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

SIGNIFICADO DA QUARESMA

 Frei Betto


 

 

       Quaresma é um período de 40 dias. Na Bíblia, os números não são aleatórios. Guardam significadoO 7, por exemplo, equivale ao nosso 8 deitado (¥), símbolo do infinito. Nossos pecados, disse Jesus, serão “perdoados, não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete” (Mateus 18,21-22). A misericórdia de Deus é infinita.

       Nos textos bíblicos encontramos muitas aplicações do número 40, que simboliza o tempo de Deus. O dilúvio durou 40 dias e 40 noites (Gênesis 7,17). Moisés tinha 40 anos quando feriu um egípcio e se viu obrigado a fugir (Êxodo 2,12 e 15). Antes de receber as tábuas da lei, ele jejuou durante 40 dias e 40 noites (Deuteronômio 9,9). Quarenta anos mais tarde teria liderado a libertação dos hebreus da escravidão no Egito. A travessia dos hebreus pelo deserto – o êxodo –, rumo a Canaã, teria durado 40 anos (Êxodo 16,35). O profeta Elias “caminhou 40 dias e 40 noites até o Monte Horeb, a montanha de Deus” (1 Reis 19, 8). 

       Como informa Marcos, após a ressurreição Jesus permaneceu 40 dias em companhia dos discípulos.

       A Igreja instituiu a Quaresma – que se inicia na Quarta-feira de Cinzas e culmina no Domingo de Ramos - como tempo litúrgico que precede a Semana Santa e nos prepara para a Páscoa, a celebração da ressurreição de Jesus, a mais importante festa cristã. 

       Assim como os hebreus demoraram 40 anos para cruzar o deserto após se libertarem da opressão no Egito, e Jesus jejuou durante 40 dias antes de iniciar a sua militância, a Igreja recomenda aos cristãos, nesses 40 dias de Quaresma, assumirem uma postura penitencial. 

       Penitência não significa reconhecer as culpas. É muito mais do que isso. É fazer a travessia para um compromisso maior com atitudes de solidariedade. Postura amorosa e engajamento de justiça. Por isso, todos os anos, desde 1964, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lança na Quaresma a Campanha da Fraternidade. A cada ano adota uma motivação temática diferente. Este ano é a fome. 

       Dados do governo revelam que temos hoje no Brasil 33,1 milhões de pessoas desnutridas, e 125 milhões em insegurança alimentar, ou seja, comem hoje sem saber se poderão repetir amanhã.

       A penitência mais significativa, que agrada a Deus e ao próximo, é se empenhar no socorro aos mais pobres. E, se possível, de modo menos assistencialista possível e mais estruturante. É obvio que dar um prato de comida a quem tem fome é importante, por suprir a mais elementar necessidade do ser humano: alimentar-se. Contudo, melhor que indicar o caminho é oferecer o transporte. Age de modo estruturante quem cede um lote em área de sua propriedade para uma família sem-terra; consegue um trabalho para um desempregado; matricula na escola a criança analfabeta; apoia uma politica governamental que beneficia os excluídos etc.

       Quaresma é também tempo de reabastecimento espiritual: oração, meditação, reflexão da Palavra de Deus, leituras espirituais, participação litúrgica. Sem reforçar a espiritualidade corremos o risco de desanimar ou ficar indiferente diante das necessidades do próximo.

       Engana-se quem julga que “sacrifício” na Quaresma é apenas deixar de comer carne bovina, suína ou avícola, embora se farte de peixes e outros quitutes. Isso é descarado farisaísmo. Se queremos realmente viver a Quaresma na dinâmica da espiritualidade de Jesus devemos dar um pouco de nós. Do nosso tempo, da nossa vida, das nossas posses. 

       A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Por isso, neste ano proponho, como ação quaresmal, associada à proposta da Campanha da Fraternidade, a solidariedade, em forma de recursos financeiros, ao povo Yanomami, que padece desnutrição e doenças em decorrência do fato de seu território, na Amazônia, ter sido invadido pelo garimpo ilegal. Quem quiser participar veja minha Carta de Quaresma no site: freibetto.org

       E Deus lhe pague!

 

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. 

Frei Betto é autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

PALAVRAS DE PEDRO: CANÇÃO DA FOICE E O FEIXE - Pedro Casaldáliga por si mesmo



Memória dos 95 anos de nascimento do nosso querido Pedro Casaldáliga.

Dom Pedro Casaldáliga

 

– Colhendo o arroz dos posseiros de Santa Terezinha, perseguidos pelo Governo e pelo Latifúndio.

 

Com um calo por anel,

monsenhor cortava arroz.

Monsenhor “martelo

e foice”?

 

Me chamarão subversivo.

E lhes direi: eu o sou.

Por meu Povo em luta, vivo.

Com meu Povo em marcha, vou.

 

Tenho fé de guerrilheiro

e amor de revolução.

E entre Evangelho e canção

sofro e digo o que quero.

Se escandalizo, primeiro

queimei o próprio coração

ao fogo desta Paixão

cruz de Seu mesmo Madeiro.

 

Incito à subversão

contra o Poder e o Dinheiro.

Quero subverter a Lei

que pertence ao Povo em grei

e ao Governo em carniceiro.

(Meu Pastor se faz Cordeiro

Servidor se fez meu Rei.)

 

Creio na Internacional

das frontes alevantadas,

da voz de igual a igual

e das mãos enlaçadas...

E chamo a Ordem de mal

e ao Progresso de mentira.

Tenho menos paz que ira.

Tenho mais amor que paz.

 

... Creio na foice e no feixe

destas espigas caídas:

uma Morte e tantas vidas!

Creio nesta foice que avança

– sob este sol sem disfarce

e na comum Esperança –

tão encurvada e tenaz!

 

Pedro Casaldáliga, Creio na Justiça e na Esperança

Arte: Amadeo Valldepérez Coll

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#PereCasaldàliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Sinodalidade e Caminhada Libertadora

 Marcelo Barros


 

Daqui a um mês, o papa Francisco completará dez anos como bispo de Roma e papa, ou seja, patriarca-primaz das Igrejas da comunhão católico-romana em todo o mundo. O que marca este aniversário é o seu convite para que toda a Igreja Católica se organize a partir da Sinodalidade.

De fato, a Sinodalidade foi a forma da Igreja se organizar durante os primeiros séculos. Ao convocar o Sínodo, o papa citou João Crisóstomo, que, no século IV afirmava: “Sinodalidade é o jeito normal de ser Igreja”.  

Etimologicamente, Sinodalidade significa “caminhar juntos”. No Brasil, desde 1970, estimuladas pela 2ª Conferência dos Bispos Latino-americanos,  várias Igrejas locais se abriram às comunidades eclesiais de base. Essas dioceses mais abertas sempre foram pluralistas. Contavam com grupos de tendências diversas, mas, as Cebs  influíram muito no seu modo de viver a missão. Essas Igrejas locais se tornaram conhecidas como “Igrejas da Caminhada”. Apesar de não se definirem como sinodais, viviam a Sinodalidade como “caminhada” de inserção no mundo social e político, a partir da Espiritualidade Ecumênica Libertadora.

O principal inimigo desta Sinodalidade a partir de baixo foi o próprio Vaticano, que, até que Francisco se tornasse bispo de Roma, não apoiou a Caminhada das Cebs e das dioceses que se organizaram a partir delas.  Até então, as Igrejas locais que se inseriram profeticamente na caminhada dos pobres sofreram perseguições e foram marginalizadas.

Atualmente, muitas dioceses e paróquias privilegiam como modo de viver a fé um devocionalismo barroco sentimental e pouco profundo. Em visita recente ao sul da Itália, o papa Francisco se referiu a esse gosto de muitos clérigos jovens como nostalgia do tempo de suas avós.

De fato, o projeto pastoral de muitas dioceses e paróquias é o retorno à Cristandade, ou seja, a uma Igreja centralizada, com hierarquia poderosa e influente. É um modelo de Igreja, claramente anti-sinodal, baseado na divisão entre sagrado e profano e centrado na exterioridade do culto e na rigidez de regras morais, imposta ao menos aos de fora.

Nesta, a maioria dos religiosos/as, padres e bispos acolhe a proposta da Sinodalidade, porque o papa mandou e nos ambientes eclesiásticos, é o assunto da moda. No entanto, não se deixam penetrar pelo espírito da Sinodalidade. Não querem viver uma Igreja sinodal.

A eclesiologia da Igreja local, proposta pelo Concílio Vaticano II, ao afirmar que cada Igreja particular é plenamente Igreja e não apenas filial de Roma ainda é pouco compreendida e aceita. Mesmo alguns setores abertos e ligados à caminhada dos pobres critica o clericalismo e o autoritarismo de Roma, mas o aceita, se este puder lhe ser favorável.

 A sinodalidade pede de nós superarmos o Direito Canônico e os argumentos de cúria.  Pretender Sinodalidade em Igreja clerical e baseada no poder hierárquico é querer tornar possível a quadratura do círculo.

A base do sistema de Cristandade é a fé em um Deus como Senhor todo-poderoso que legitima as estruturas injustas do mundo. Divide as pessoas em crentes e descrentes, santos e pecadores. É um deus narcisista que precisa ser agradado para salvar as almas. Conforme os evangelhos, Jesus combateu e denunciou este tipo de religião. Por isso, os sacerdotes do templo pediram ao governador romano para condená-lo à morte. 

Já no final do Concílio Vaticano II, ao assinarem o Pacto das Catacumbas, um grupo de bispos se comprometeu a romper com o modelo autoritário do poder e se tornarem pobres junto com os pobres, em uma Igreja servidora da humanidade. Há anos, o saudoso profeta Pedro Casaldáliga afirmava que a Igreja de Jesus Cristo não é democrática, porque tem de ir além da Democracia e ser Comunhão. A Sinodalidade não põe em questão a diversidade de ministérios. Reconhece e valoriza os carismas de coordenação eclesial, mas pede que se renuncie ao estilo de poder hierárquico que nada tem a ver com Jesus e o seu evangelho.

Esta proposta da Sinodalidade não diz respeito só internamente à Igreja. Caminhar juntos e suscitar estruturas participativas é desafio espiritual, mas também social e político para toda a sociedade. Mais do que em outras épocas, em vários países, a Democracia é posta à prova por grupos de elite e governantes que admiram o autoritarismo e elogiam ditaduras militares. Torna-se assim, ainda mais urgente o apelo do papa Francisco em sua carta-encíclica  Fratelli Tutti: o desafio de construir uma fraternidade universal que assegure Paz e Justiça eco-social para todos e todas, tendo a Vida em primeiro lugar.  Sob outros nomes e com outras designações, o projeto de Sinodalidade para as Igrejas pode e deve valer para toda a sociedade como caminho para um novo mundo possível.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Fraternidade e Fome


Desde 1964 a Igreja do Brasil promove durante a quaresma uma Campanha da Fraternidade. A quaresma é um tempo marcado pelo chamado à conversão: mudança de vida (mentalidade, sentimento, atitude), volta ao Senhor, adesão ao seu Evangelho. Essa conversão é tanto pessoal (conversão do coração), quanto social (transformação da sociedade). Para ajudar na vivência do espírito quaresmal, a Igreja convida a intensificar a prática da oração, do jejum e da caridade. E para que a caridade não se reduza a uma ação meramente assistencial, a Igreja do Brasil, retomando a doutrina social da Igreja, promove uma Campanha da Fraternidade que trata de algum problema grave da sociedade que exige mudança e que compromete todas as pessoas e instituições.

Pela terceira vez a Companha da Fraternidade trata do problema da fome, chamando atenção para um dos pecados mais graves de nossa sociedade e convidando os cristãos e o conjunto da sociedade a se empenharem na superação dessa injustiça e desse crime que é um verdadeiro pecado que clama ao Céu: “Repartir o pão” (1975); “Pão para quem tem fome” (1985); “Dai-lhes vós mesmos de comer” (2023).

A fome não é um dado natural. Não é fruto do acaso ou do destino. Não é mera consequência de preguiça ou comodismo pessoal. Nem muito menos é vontade ou castigo de Deus. Ela é um produto social. É resultado das tremendas injustiças e desigualdades que caracterizam nossa sociedade e fazem com que uns tenham tanto e outros tenham tão pouco ou quase nada. A situação atual do Povo Yanomami em Roraima é o exemplo mais vivo e dramático da injustiça e desigualdade de nossa sociedade: Fruto do egoísmo e da cobiça de garimpeiros, madeireiros e empresários; fruto de um modelo econômico que sacrifica vidas humanas e toda natureza no altar do deus-mercado/lucro; fruto da indiferença social, da cultura do consumismo e da busca de enriquecimento a qualquer preço; fruto da cumplicidade de políticos e governos genocidas que fecham os olhos diante desses crimes ou até mesmo estimulam essas práticas criminosas.

Mas a situação do povo Yanomami não é um fato isolado. O drama da fome está presente ao longo da história do Brasil. E é a expressão mais cruel e perversa do modelo capitalista de sociedade que implantou aqui ao logo de mais de 500 anos. Uma série de políticas públicas desenvolvidas na primeira década do século reduziu bastante o drama da fome no Brasil, fazendo com que o país saísse do mapa da fome em 2014. Mas o desmonte progressivo dessas políticas a partir de 2016, agravado com a pandemia da Covid-19, fez com que o Brasil voltasse ao mapa da fome.

Os dados são alarmantes: 33 milhões de pessoas passando fome (15,5% de toda população ou o equivalente à população das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte e Manaus); mais de 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar (58,1% de toda população). Isso é bem mais grave nas regiões Nordeste (21%) e Norte (27%) e na zona rural (18,6%). E atinge sobretudo pessoas pretas ou pardas e famílias chefiadas por mulheres. Em março de 2020 estimava-se cerca de 222 mil pessoas em situação de rua e esse número cresceu assustadoramente na pandemia, como se pode ver em qualquer grande cidade.

Essa situação é muito mais escandalosa e criminosa se considerarmos que não falta alimento no Brasil. Aliás, o país bate recordes anuais na produção para exportação de milho, soja, trigo, carne etc. A fome no Brasil, vale repetir, é fruto da injustiça e da desigualdade social. É um pecado mortal que clama ao céu! E pode ser eliminada com a solidariedade de todos e com vontade e decisão políticas. Como tantas vezes repetiu o presidente Lula “é preciso colocar o rico no imposto de renda e o pobre no orçamento”. Precisamos lutar para que isso se torne realidade.

 A ordem de Jesus aos discípulos diante da multidão “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16) ecoa com muita força entre nós, sobretudo nesse tempo quaresmal em que somos chamados à conversão. Certamente, nenhuma pessoa ou comunidade pode resolver o problema. Mas cada um pode compartilhar um pouco do que tem e cada comunidade, grupo, pastoral ou movimento pode se organizar para ajudar a superar essa situação: doando cesta básica; ajudando pessoas a desenvolverem alguma atividade produtiva; promovendo feiras da agricultura familiar e economia solidária; exigindo dos governos a compra dos produtos da agricultura familiar; defendendo os programas de transferência de renda como “bolsa família” e “bolsa catador”, a reforma agrária e políticas públicas de saúde (SUS), educação, moradia…

Isso é questão de humanidade e justiça social!

Isso é questão de fé e critério de salvação ou de condenação!

 

 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Boneco ancestral

 Luiz Carlos Bezerra 


 

 

O homem da Meia Noite é emoção

Com a surpresa das pessoas ao  vé-lo

Dançar pelas ruas e conhecê-lo

Como um objeto que faz trânsito

 

Qual Criança não teve seu “calunga”*

Que garantiu sua atenção profunda

A irradiar a alegria fecunda

Da viv’alma que seu amor comunga

 

Os artesãos** resolveram juntar

Experiência para executar

A produção  de um boneco ancestral

 

O verde e branco de esperança e paz

Traz nostalgia de tempos atrás

Ao sujeito mítico-teatral

 

 

Recife, 19 de fevereiro de 2023

Luiz Carlos Bezerra

 

OBS: saída do Homem da Meia Noite, em Olinda PE

 

#Homemdameianoite

 

 *Calunga: exemplo de objeto de transição entre fases da infância.

 

** marceneiro, pintor, sapateiros …






sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A ética de um capitalismo selvagem: a corrupção das Americanas


Leonardo Boff 


                         

O rombo bilionário, acumulado durante anos da gigante varejista das Lojas Americanas de 20 bilhões de reais, acrecido com as dívidas de 43 bilhões de reais tem muitas facetas. A mais explícita e vergonhosa é qualificar a corrupção que se esconde atrás destes números é o eufemismo “inconsistências contábeis”. O mercado sempre sensível a qualquer pequeno movimento que favoreça os desposuídos pelo Estado de viés social, logo reage criticamente. Face a esses bilhões não mostrou nenhum movimento. Claro, trata-se da cumplicidade das mesmas máfias financeiras, especialmente, as especulativas que ganham sem produzir nada.

Os nomes dos principais “sócios referenciais”(os reais donos) são os conhecidos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sucupira que com outros bens que prossuem como Burguer King, Kraft Heins e particularmente o controle do mercado cervejeiro com a InBev alcançam 185 bilhões de reais.

Na nota publicada pelo trio n dia 11 de janeiro de 2023 se eximem de qualquer conhecimento, fazendo dos leitores que conhecem como funciona o capitalismo brasileiro, de otários.

Não me cabe aprofundar esta questão, feita por especialistas. Atenho-me ao que me cabe como professor de ética e teologia por muitos anos.

O que aqui ocorreu confirma o que o saudoso Darcy Ribeiro frequentemente afirmava: o capitalismo brasileiro nunca foi civilizado, é um dos mais selvagens do mundo e profundamente egoista e individualista. Isto nos faz remete ao que o amigo do  Brasil (sua esposa é brasileira),um dos maiores pensadores da atualidade,o filósofo e linguista Noam Chomsky disse com tristeza:”nunca vi em minha vida uma porção da elite brasileira ter tanto desprezo e ódio aos negros e as pobres da periferia”.Isso o confirma em sua vasta obra o sociólogo Jessé Souza, especialmente no clássico A eleite do atraso: esta elite marginalizou vergonhosamente grande parte da população pobre e negra,negou-lhes direitos,desconheceu que são humanos como eles e filhos e filhas de Deus. Quando se levantaram, foram logo reprimidos e até assassinados.

Numa outra passagem enfatiza Noam Chomsky o que nos faz entender nossos corruptos (especialmente o trio, sempre sorridente):” A ideia básica que atravessa a história moderna e o liberalismo moderno é a de que o público dever marginalizado. O público, em geral, é visto como nada além de excluídos ignorantes que interferem como o gado desorientado”. O que interessa ao capitalismo ter consumidores e não cidadãos.Não ama as pessoas apenas sua força de trabalho e a eventual capacidade de consumir.

Já Aristóteles, um dos pais da ética ocidental, dizia que o primeiro sinal da falta de ética é a “falta de vergonha”. Etimologicamente vergonha vem do latim vereor que significa respeito, temor reverencial. Quando falta esse valor de respeito e reverência face ao semelhante, está aberta a porta a qualquer tipo de vergonhice.

Os corruptos dos 20 bilhõe das Americanas não mostram a menor vergonha: mostram-se benfeitores da sociedade, apoiando algumas pessoas (as mais dotadas) para estudarem nas melhores universidades do mundo (ex.Harvard), para serem educados no espírito do capitalismo e levarem avante seus projetos.  Não se trata, com é o caso de muitas universidades norte-americanas que são apoiadas por grandes corporações que favorecem sua manutenção e a pesquisa. Os nosssos opulentos  praticam apenas ajudas pontuais a pessoas distinguidas e não ajudam os grandes projetos educacionais que beneficiam a nação inteira a façam avançar rumo ao conhecimento e à autonomia.

O mais doloroso, no entanto, é a absoluta falta de sensibilidde da elite do atraso (que  no dizer de nosso maior historiador mulato Capistrano de Abreu “capou e recapou,sangrou e ressagrou” a população que saía do regime colonial, mas mantinha a escravidão).

Essa ausência culposa de sensibilidade foi denunciada frequentemente por um dos mais beneméritos brasileiros dos projetos contra a fome, pela vida e pela democracia o sempre recordado Betinho:

”O nosso problema maior não é econômico, não é o político, não é o ideológico nem é o religioso. O nosso problema maior é  falta de sensibilidade pelo nosso semelhante que está ao nosso lado”. Não ouvimos seu grito de dor, não vemos a mão estendida esperando um pouco de comida, sequer vemos seus olhos suplicantes. Passamos ao largo do caído à beira da estrada, como biblicamente fizeram o levita e o sacerdote na parábola do bom samaritano. Foi preciso que um desprezado hereje samaritano interrompesse sua viagem,curasse suas feridas e o tivesse levado ao sanatório, deixando tudo pago e se mais precisasse pagaria na volta. Quem é aqui o próximo, indagava o Mestre: é aquele de quem eu me aproximo,não reparando sua condição moral, sua religião, sua cor. É um irmão ferido que precisa de outro irmão para socorrê-lo.

No Brasil, os cristãos são apenas cristãos culturais que não aprenderam nada do Jesus histórico que estava sempre do lado da vida, do pobre, do cego, do coxo e do desprezado.Por isso há tanta desigualdade social, das maiores do  mundo. Porque falta sensibilidade, solidariedade, sentido humano, o de tratar humanamente outro humano, seu irmão e irmã.

O trio bilionário e os 318 milionários (segundo a revista Forbes) não ouvem o clamor que vem das grandes periferias, dos indígenas sendo dizimados por alguns do agronegócio como em Dourados-MT e aos milhares de yanomami, violentados pelo garimpo ilegal e a quem oficialmente por parte do governo genocida se negou água,vacinas,assistência média e nutrição básica.

 No caso do Brasil, mas vale para grande parte da humanidade, faltou ética e faltou moral. Faltou ética se entendemos por ética a promoção da uma vida boa e decente para todos. Faltou moral se entendermos por moral a observância das normas e leis que a sociedade estabeleceu para si mesma para garantir uma vida boa boa e decente.

Ora faltou ética e moral nos causadores do rombo milionário das Americanas. Não sabiam dos 33 milhões de famintos em nosso pais e dos mais de cem milhões com insuficiência nutricional. Se tivessem um mínimo de sensibilidade ética e moral secundariam com suas fortunas a diminuir esta tragédia humana.E assim continuamos com a selvageria de nossa cultura capitalista que através do mercado tenta controlar a economia do país,especialmente se esta for direcionado para os que mais precisam.

Recordo a clássica frase do filósofo Heráclito (500 aC) que bem disse: “o ethos é o anjo bom do ser humano”. Entre nós o ethos se mostrou demoníaco.

Leonardo Boff, filósofo e  teólogo e escreveu,Etica da vida, Record 2009; Ética e moral: a busca dos fundamentos. Vozes 2003.

 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

LULA EVITOU A QUEDA DO CÉU

 Frei Betto 


 

 

       Calcula-se que haja mais de 20 mil garimpeiros em busca de ouro no território Yanomami. O Brasil, no período colonial, foi o maior produtor mundial deste metal. Chegou a produzir 16 toneladas anuais provenientes de Minas Gerais. Neste estado se instalou a primeira mina subterrânea do Brasil – Morro Velho – operada pela St. John D’El Rey Mining Co., cuja história narro em meu romance “Minas do ouro” (Rocco). Desde sua abertura, em 1834, até hoje já foram produzidas legalmente 470 toneladas de ouro - aproximadamente 25% da produção brasileira acumulada no mesmo período (Vieira e Oliveira, 1988, Lobato et al., 2001).

       Com a descoberta do garimpo de Serra Pelada, na década de 1980, a produção brasileira saltou de cerca de 20 toneladas para mais de 100 toneladas anuais. 

       Segundo o IBRAM, em 2020 a produção do metal no Brasil alcançou faturamento de R$ 23 bilhões e, em 2021, saltou para R$ 27 bilhões. Em relação à exportação, os números passaram de 5 bilhões de dólares em 2020 para 5,3 bilhões de dólares em 2021, aumento de 8%. Foram 98,9 toneladas em 2020 e 103,9 toneladas exportadas em 2021. Em média, a extração de ouro no país movimenta R$ 14,2 bilhões por ano.

       Os principais compradores de ouro do Brasil em 2021 foram: Canadá (31,4%); Suíça (24,5%); Reino Unido (14,5%); Índia (11,5%); Emirados Árabes Unidos (8,1%); Bélgica (4,5%); Itália (3,4%); e Alemanha (1,1%).

       Garimpeiros revelaram, em audiência pública na Câmara dos Deputados em setembro de 2019, que os garimpos na Amazônia lucram de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano. Portanto, não se trata mais de uma atividade de pequeno volume, como define o Estatuto do Garimpeiro e ocorria em Serra Pelada. Na audiência, políticos e garimpeiros defenderam transformar garimpos ilegais na região em empresas legalizadas.

       "Tudo indica que estão sendo financiados por organizações poderosas. Não é fácil garimpar nas regiões remotas da Amazônia. Precisa de toda uma logística para levar barco, combustível e alimento para dentro da floresta. Tem garimpos com internet, antena parabólica, rádio. O garimpo de agora não é mais de pá e enxada, é com retroescavadeiras, maquinário caríssimo", afirmou, na ocasião, Antonio Oviedo, cientista ambiental do ISA. 

        O governo Bolsonaro tentou liberar a extração mineral em terras indígenas. O presidente chegou a assinar o projeto de lei 191/2020, que facultava a mineração nesses territórios de vários recursos minerais, inclusive petróleo e gás natural. 

       O garimpo é proibido, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas em dois casos: terras indígenas e em áreas maiores que 50 hectares. No que diz respeito ao tamanho, há possibilidade de exceção caso a lavra garimpeira (permissão para existência de um garimpo) seja requerida por uma cooperativa de garimpeiros. 

       Outra grande brecha na lei é na fiscalização do ouro garimpado ilegalmente; uma vez que o garimpeiro pode autodeclarar seu local de extração. Ao vender o ouro extraído de forma ilegal para as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, os garimpeiros autodeclaram que foi retirado de áreas regularizadas de um outro dono ou das cooperativas. 

       A fiscalização deveria ocorrer, principalmente, no local de extração. Além de frágil fiscalização, documentos apontam a relação do garimpo ilegal na Amazônia com organizações criminosas, sobretudo em territórios indígenas, além de relação corrupta com o próprio poder público local. 

       Aqueles que estão em busca de ouro carregam consigo boa quantidade de mercúrio, em geral importado da Espanha, já que ele provém de solos vulcânicos, escassos em nosso país.

       Por que se utiliza mercúrio? Para identificar a existência de ouro em uma rocha. Mercúrio e ouro são vizinhos na tabela periódica. A diferença entre os dois elementos é de apenas um elétron. Essa proximidade permite que a fusão entre ambos seja rápida.

       O garimpeiro carrega uma vasilha de ferro cheia de mercúrio que, em estado metálico, não causa dano à saúde humana. Em temperatura ambiente, tem cor prateada. Ao enchê-la de pedras, o mercúrio se torna fosco. Com um maçarico, esquenta-se o mercúrio e este, ao evaporar, denuncia a presença do ouro na rocha. Aqui mora o perigo. 

       As gotículas de mercúrio, espalhadas pela evaporação, ao caírem no rio e no solo contaminam a água e a vegetação. As plantas respingadas transformam o mercúrio em metilmercúrio, substância altamente tóxica.

       O metilmercúrio afeta a saúde de dois modos: para o garimpeiro, que aspira o vapor do mercúrio aquecido, há o risco de intoxicação aguda, com inflamação e inchaço dos pulmões e problemas no aparelho digestivo. Para quem, como os indígenas, consome alimentos contaminados – peixes, frutas, verduras – os efeitos são mais danosos. Através da corrente sanguínea, o mercúrio ataca os rins, que não conseguem filtrá-lo devido ao peso – o que provoca atrofia muscular e ataca o sistema nervoso. 

       Os sintomas iniciais são dor de cabeça e insônia, seguidos de perda de memória, irritabilidade, demência, ansiedade e depressão. Essa intoxicação é de difícil tratamento. Os casos mais graves são tratados com quelante, substância que retira o mercúrio do organismo através da urina. Ainda assim, pode deixar sequelas. O sistema biológico de uma área atingida por mercúrio leva de 20 a 30 anos para ser reequilibrado.

       Ao agir com rigor frente ao genocídio dos Yanomami, o governo Lula combate uma grave modalidade de crime, protege os povos originários e defende a preservação da Amazônia. O capital não pode continuar a falar mais alto que o valor de vidas humanas.

      Lula evitou “a queda do céu”, segunda a crença Yanomami, a aniquilação da vida humana. No território desses indígenas, a vida humana volta a estar garantida pela presença dos espíritos da floresta e a conexão destes com os xamãs que, agora, têm paz para cuidar da organização estrutural da selva e das potencialidades de vida entre humanos e dos humanos com a natureza.

 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Tom vermelho do verde” (Rocco), romance sobre massacre indígena na Amazônia, entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 

Frei Betto é autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

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